Não se realizou a tal "reunião entre os Três Poderes", que estava prevista para hoje, conforme proposta absurda e sem sentido de Luiz Fux, presidente do Supremo. Segundo ele, seria para "fixar balizas sólidas para a democracia brasileira", como se estas já não estivessem devidamente fixadas. E todos sabem por que não aconteceu. E os eventos anteriores e posteriores à sua não realização evidenciam quão estúpida ela seria. Explicarei tudo. Antes, um rápido resumo.
De madrugada, o presidente teria passado mal, com dores abdominais. Seguiu para o hospital das Forças Armadas. Antônio Macedo, o médico que o operou, foi chamado às pressas a Brasília, e Bolsonaro foi transferido para o hospital Vila Nova Star, em São Paulo, onde se avalia uma cirurgia, que tem sido chamada "de emergência", para cuidar de uma anunciada obstrução intestinal, que estaria na base de suas renitentes crises de soluço. Noto à margem que a palavra "emergência" ganha um novo sentido nesse contexto. Mas não farei digressões sobre isso agora. Vou tratar da exploração política vil a que o próprio Bolsonaro e seu entorno estão fazendo do anunciado problema de saúde.
Deixo claro, de saída, que espero sinceramente que o presidente se recupere o mais rapidamente possível, seja lá qual for a extensão de seu mal. E o faço por dois motivos:
a: porque é o que desejo para todas as pessoas, mesmo para aquelas por cuja atuação sinto um misto de repúdio e desprezo, como é o caso. Não pratico necropolítica, como tem sido regra entre os atuais donos do poder;
b: porque torço por um Bolsonaro vivo e saudável para que possa responder pelos crimes cometidos por seu governo durante a pandemia. Adiante.
EXPLORAÇÃO VIL E ASQUEROSA
Tão logo fiquei sabendo da anunciada seriedade do quadro de saúde do presidente, pensei: "Espero que não optem de novo pela exploração asquerosa do problema, como se fez durante a campanha eleitoral". E, no fundo, sabia que fariam exatamente isso. E, por óbvio, fizeram porque é o que dita a moral dessa gente.
No Instagram, a conta de Bolsonaro traz uma foto do presidente sem camisa -- aparentemente sedado, com ar beatífico, com o abdômen distendido, numa exploração obviamente despudorada do problema de saúde -- acompanhada de um textão. No Twitter, também há uma versão reduzida da ignomínia. E lá se lê o seguinte:
Mais um desafio, consequência da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros que queriam mudanças para o Brasil. Um atentado cruel não só contra mim, mas contra a nossa democracia.
Por Deus foi nos dada uma nova oportunidade. Uma oportunidade para enfim colocarmos o Brasil no caminho da prosperidade. E mesmo com todas as adversidades, inclusive uma pandemia que levou muito de nossos irmãos no Brasil e no mundo, continuamos seguindo por este caminho.
Agradeço a todos pelo apoio e pelas orações. É isso que nos motiva a seguir em frente e enfrentar tudo que for preciso para tirar o país de vez das garras da corrupção, da inversão de valores, do crime organizado, e para garantir e proteger a liberdade do nosso povo.
Peço a cada um que está lendo essa mensagem que jamais desista das nossas cores, dos nossos valores! Temos riquezas e um povo maravilhoso que nenhum país no mundo tem. Com honestidade, com honra e com Deus no coração é possível mudar a realidade do nosso Brasil. Assim seguirei!
Que Deus nos abençoe e continue iluminando a nossa nação. Um forte abraço!
Brasil acima de tudo; Deus acima de todos!
VAMOS BRINCAR DE TEORIAS CONSPIRATÓRIAS?
Retomo. Dizer o quê? A PF já revirou essa questão como podia. Resta evidente que Bolsonaro não sofreu um atentado político. Até porque Adélio Bispo de Oliveira teria de saber de antemão que o então candidato do PSL se exporia de modo tão irresponsável. A menos que este tivesse combinado com seu agressor, que teria ido além do combinado -- e não acredito nisso --, atentado político não foi.
Notem a tentativa de requentar a suposta conspiração das esquerdas para matá-lo, evocando, vejam que coisa!, até o PT. Não por acaso, Lula venceria hoje todas as simulações de segundo turno e, em dois levantamentos, levaria a eleição já no primeiro.
Ah, vamos brincar de teoria conspiratória? Pois não. Então façamos, a partir das consequências da facada, a pergunta que faziam os latinos diante de um evento estranho: "CUI PRODEST?" Ou: a quem interessou a facada? Quem foi o beneficiário? No dia do evento, Flávio Bolsonaro vocalizou que o pai seria eleito no primeiro turno. O próprio Bolsonaro chegou a afirmar, então, relata o empresário Paulo Marinho, seu ex-aliado, que a facada garantiria a sua vitória. Isso tudo não é evidência de que a facada foi uma farsa. Acho isso bobagem. Mas é evidência, sim, de que não interessava às esquerdas. Do ponto de vista eleitoral, quem ganhou, apesar dos riscos que correu, foi Bolsonaro.
Não dá! Querem usar a facada que elegeu Bolsonaro para reelegê-lo, buscando frear a sua derrocada.
QUEM É O MÁRTIR MESMO?
Usar a imagem para tentar recriar a figura do mártir político é de uma indignidade que supera até mesmo as práticas mais detestáveis de que essa gente é capaz. Isso é inaceitável.
Mártires são os quase 540 mil mortos. Estes, Bolsonaro, são os mártires de sua política de saúde. Todas as contas críveis, com base científica, apontam que as vítimas fatais da doença poderiam se resumir a um quarto do que se tem se as devidas medidas tivessem sido tomadas no tempo certo — da vacinação às prevenções sanitárias. Mártires, meu senhor, são os que morreram sem oxigênio, sem respirador, sem UTI, sem um simples quarto de hospital.
No Vila Nova Star, ó grande Mito, não lhe vão faltar UTI, oxigênio, remédios e os melhores médicos. Ainda que o senhor viesse a morrer — e reitero que torço para que não aconteça por razões humanitárias e cívicas: quero vê-lo na cadeia —, isso se daria a despeito de todos os cuidados possíveis.
Quantos milhares se foram sem ter tido direito nem ao ar, enquanto Vossa Excelência estimulava aglomerações? Confrontado com o morticínio em massa, o presidente vociferava: "Não sou coveiro"; "E daí?"; "Todo mundo morre um dia"; "Morre e nem sente"; "Chega de frescura!"; "País de maricas!". O presidente do Brasil chegou a fazer pouco caso de alguém supostamente sufocado pela doença.
Essa exposição grotesca do corpo mórbido do presidente é só política eleitoreira de quinta categoria.
CONCLUO
Veja aí, ministro Luiz Fux, o tamanho do seu equívoco. Bolsonaro não estava disposto a estabelecer baliza nenhuma. A aposta do presidente consiste em fraudar a democracia. De um jeito ou de outro.
Por Reinaldo Azevedo
Um comentário:
"O SEM NOÇÃO
Bolsonaro é alvo de representação por dizer que cabelo de apoiador é 'criatório de baratas' "
(publicado na Revista ConJur - https://www.conjur.com.br/2021-jul-14/dpu-mpf-representam-bolsonaro-crime-racismo)
Se perguntar não ofende... então: "Bolsonaro, é 'apenas' um 'sem noção', ou é um incompetente 'sem noção', porém corrupto e com intenções ditatoriais?"
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