Consta que Jair Bolsonaro vai mesmo indicar André Mendonça, atual advogado-geral da União, para a vaga aberta no Supremo com a aposentadoria de Marco Aurélio. O presidente tem de ser pressionado a não fazê-lo. Se o fizer, espero que o senadores tenham a dignidade de recusar o seu nome. Difícil? Difícil. Mas que, então, não seja aprovado sob silêncios cúmplices.
Não pode ser membro da mais alta corte do país quem já evidenciou não saber a diferença entre crime e liberdade de expressão. E, pois, não o sabendo, também ignora a distinção entre liberdade de expressão e crime. Assim, por consequência, toma crimes como expressão de direitos, e toma a expressão de direitos como crimes.
Ele não chega a estar entre os 10 mais no gosto dos parlamentares, em especial do Centrão. A seu grupo na AGU se atribuem ações de improbidade contra algumas figuras de destaque da turma, a exemplo do atual presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e seu pai, o ex-senador Benedito de Lira. Não conheço as ações e não sei se eram ou não precedentes. Mendonça não pode ir para o Supremo em razão de sua atuação como advogado-geral da União e como ministro da Justiça.
Os parlamentares da base que se opõem a seu nome tentam convencer Bolsonaro de que ele será o seu Edson Fachin. O que querem dizer com isso? O relator dos casos do petrolão no STF era tido como um homem fiel à, vamos dizer assim, escolástica do petismo. Sua trajetória, ligada ao MST, fazia dele um esquerdista com selo de Denominação de Origem Controlada... Tornou-se relator do petrolão e virou o grande verdugo do PT, convertendo-se ao lavajatismo fanático. Como Bolsonaro é um pouco paranoico, os que se opõem a Mendonça insistem na tecla da futura traição para tentar demover o mandatário.
Se Bolsonaro perder a eleição, terá de responder por alguns de seus crimes na primeira instância. Em algum momento, no entanto, as ações chegam ao tribunal. Não faço adivinhações sobre como Mendonça se comportaria. Sei como já se comportou. Se indicado, o Senado tem o dever moral de rejeitar o seu nome. Melhor do que ele, no país, deve haver uns 500.
Se confirmada, a escolha se deverá menos ao "terrivelmente evangélico" do que ao "terrivelmente servil".
LEI DE SEGURANÇA NACIONAL
Os aspectos autoritários da Lei de Segurança Nacional se tornaram o playground jurídico deste senhor. Jornalistas foram investigados pela PF, com base na dita-cuja, porque ele o determinou. Dois rapazes se tornaram alvos seus porque publicaram um outdoor comparando o presidente a um "pequi roído". Mendonça, definitivamente, não sabe a diferença entre liberdade de expressão e crime.
Mas já chegou a tomar crime por liberdade de expressão. O mesmo homem que recorreu à LSN para processar colunistas assistiu impassível, no dia 13 de junho de 2020, ao ataque ao Supremo com fogos de artifício. No dia seguinte, emitiu uma nota pusilânime. Na prática, justificava a agressão e convidava os agredidos a fazer autocrítica. Lembro:
"1º A democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo. Por isso, todas as instituições devem respeitá-lo. Devemos respeitar a vontade das urnas e o voto popular. Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.
2º A democracia pressupõe o respeito às suas instituições democráticas. Qualquer ação relacionada à Presidência da República, ao Congresso Nacional, ao STF ou qualquer instituição de Estado deve pautar-se por esse respeito.
3º Portanto, todos devemos fazer uma autocrítica. Não há espaço para vaidades. O momento é de união. O Brasil e seu povo devem estar em 1º lugar".
Pergunta: o que ele diria diante de um linchamento? Indagaria o que a vítima fez de mal para merecer o castigo? Alguém escrever um texto dizendo torcer para Bolsonaro morrer de Covid-19 pode não ser de bom gosto, mas atenta contra a segurança nacional? E o vandalismo contra o Supremo?
Por servilismo ou concordância coma a agenda dos vândalos da democracia, Mendonça nunca soltou um pio contra os atos antidemocráticos, que pedem o fechamento do Supremo — para onde ele quer ir — e do Congresso, de cujos votos (Senado) depende para chegar lá. Recusá-lo é uma questão de vergonha na cara.
TERRIVELMENTE SERVIL
Mendonça é evangélico, e Bolsonaro afirmou que queria alguém pertencente a esse grupo religioso no Supremo. Mas não um evangélico qualquer. Há de sê-lo "terrivelmente". Acreditem: a extrema direita bolsonarista acha que o atual advogado-geral da União muito moderado...
É mesmo?
Quando assumiu a Justiça em lugar de Sergio Moro, este patriota discursou. E se referiu a Bolsonaro nestes termos:
"Vossa excelência tem sido, há 30 anos, um profeta no combate à criminalidade. Hoje, esse ministro da Justiça assume o compromisso de lutar pelos ideais de uma vida que o senhor tem combatido. (...) Cabe a nós sermos líderes e, de modo muito especial, líderes servos capazes de pôr o povo em 1º lugar".
Andrea e André Valle, ex-cunhados do presidente, teriam muito a dizer sobre a luta do "profeta no combate à criminalidade". Note-se que esse cristão empedernido falava ao presidente que incentivou o armamento da população como ninguém fez antes.
Não sei em que trecho da "bíblia de Mendonça" estão as garruchas.
No dia 7 de abril, no auge das mortes por Covid-19, defendeu no Supremo a abertura dos templos evangélicos com estas palavras:
"É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos, jamais, a matar por sua fé. Mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto. Que Deus nos abençoe e tenha piedade de nós."
O Brasil encerrou aquele dia com 341.097 mortos por Covid-19. E lá estava o advogado-geral da União a defender aglomerações e a falar em morrer em nome da fé. De lá pra cá, o morticínio em massa produziu quase outros 200 mil cadáveres.
Eis o país governado por aquele que Mendonça chama "profeta".
É um escárnio a eventual indicação deste senhor para o Supremo.
A dignidade pede que os senadores a derrotem se vier a acontecer.
Por Reinaldo Azevedo
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