O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, encaminhou a Augusto Aras, procurador-geral da República, a solicitação para que se manifeste sobre quatro notícias-crime apresentadas ao tribunal contra o titular da Defesa, Braga Netto. Cobram que o militar da reserva seja investigado por ter ameaçado o processo eleitoral. Conforme revelou o Estadão, o general afirmou a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que, sem voto impresso, não haveria eleições no ano que vem. O ministro nega. Lira apenas diz que há coisas mais relevantes na pauta.
As petições são de autoria de Alexandre Frota (PSDB-SP), Natália Bonavides (PT-RN) e Bhon Gass (PT-RS) e do advogado Rena Wilewski. Natália aponta ainda que, tendo acontecido a ameaça, trata-se de crime de responsabilidade, o que predispõe o ministro a uma denúncia por crime de responsabilidade, com base na Lei 1.079. Poucos se lembram, mas ministros podem ser impichados.
Só para lembrar: o envio do pedido — que vale por uma ordem, já que não pode ser ignorado — para que Aras se manifeste é parte da regra do jogo. O caso é tão grave que será, por si, um escândalo se a PGR não se manifestar favoravelmente à abertura de um inquérito. Até porque já se conhecem outras personagens do imbróglio. Quem levou o recado a Lira foi o próprio senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, que vai assumir a Casa Civil.
O resto da história é conhecida de dois modos. Sabedor da ameaça, Lira foi a Bolsonaro. Segundo apuração do Estadão, o presidente teria tranquilizado o presidente da Câmara. Segundo o que apurei, o "Mito" teria concordado com a fala do seu ministro da Defesa. Até porque o recado chegou ao deputado no dia 8 deste mês. No dia seguinte, o próprio presidente afirmou que não haveria eleição caso se mantenha o atual sistema de votação.
CONSULTA PRÉVIA?
Segundo afirma Mônica Bergamo na Folha, Aras está disposto, antes de tomar uma decisão sobre se posicionar a favor ou contra a abertura de inquérito, a ouvir previamente Braga Netto e Arthur Lira. Não parece um caminho adequado à gravidade do caso. Procurador Geral da República não exerce cargo de "ouvidor". O que lhe cabe é avaliar, nesta fase, se estão dados ou não os elementos para recomendar a abertura de inquérito, encaminhando ao relator do Supremo a posição do órgão.
Se a PGR avaliar que há elementos, Mendes, relator do caso no Supremo, oficia a PF, e se determina a abertura de inquérito. Se não vir motivos para tanto, entrega seu parecer, de que o ministro pode discordar, mandando abrir a investigação ainda assim. Afinal, não se trata ainda de uma denúncia. Nesse caso, sim, não há como o ministro dissentir do órgão que é o titular da Ação Penal. Se a considera descabida, não há nada que o relator no Supremo possa fazer.
Essa audiência prévia, que, consta, Aras pretende fazer corresponde à tática do "deixe como está para ver como é que fica". Afinal o procurador-geral não deve esperar que Braga Netto, Lira ou ambos confirmem a informação: "É, ameacei sim"; "É, ele me ameaçou". E aí a responsabilidade de mandar investigar ou não recairia apenas sobre o ministro do Supremo. É preciso que cada órgão arque com a sua responsabilidade na República.
IMPEACHMENT
As petições enviadas ao Supremo são notícias-crime, que podem resultar em inquérito e, a depender do que este apure, em uma Ação Penal. A deputada Natália Bonavides pede que se avalie também o cometimento de crime de responsabilidade, que pode resultar em impeachment de ministro de Estado. E não há dúvida de que este também foi cometido.
Os crimes que resultam no impeachment de ministro são os mesmos que atribuíveis a um presidente da República, segundo dispõe a Lei 1.079. O texto define de maneira inequívoca, no Artigo 7º, ser crime de responsabilidade:
- "impedir por violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto";
- "utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral";
- "subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social";
- "incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina;
- "provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis".
Embora a lei seja a mesma, o rito de um processo de impeachment contra ministro, segundo jurisprudência do Supremo, segue caminho próprio, já que a Lei 1.079 é toda atrapalhada a respeito. Nesse caso, cabe à PGR apresentar a denúncia ao Supremo, sem prévia autorização da Câmara.
Vamos ver. Essa anunciada audiência prévia corresponderia a perguntar a Braga Netto: "O senhor acha que deve ser investigado?" Suponho que vá dizer que não. Até porque é a PF que cuida do inquérito, certo?, não o procurador-geral.
ENCERRO
Ah, sim, é muito provável que o inquérito chegasse ao fim sem nada conclusivo. Ainda que outros que também ficaram sabendo da história confirmassem à PF que sabiam da ameaça, tudo se enfraquece bastante com as negativas do próprio general, de Lira e de Nogueira.
Não importa.
Algo muito grave aconteceu, e todos sabem. E é preciso que isso deixe uma cicatriz no Estado legal. Não cabe ao procurador-geral da República atuar como maquiador de fealdades políticas.
Por Reinaldo Azevedo
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