segunda-feira, 26 de julho de 2021

Incendiar a democracia é bem mais grave do que incendiar Borba Gato. Mas...



Enquanto milhares de pessoas pediam o seu impeachment país afora, no sábado, o presidente Jair Bolsonaro voltava a ameaçar as eleições de 2022. Afirmou àquela gente estranha que fica às portas do Palácio da Alvorada:

"Na quinta-feira, vou demonstrar em três momentos a inconsistência das urnas, para ser educado. Não dá para termos eleições como está aí".

Haverá eleições em 2022. E, tudo indica, como está aí — vale dizer: sem voto impresso. E, nota-se, o presidente agora não se limita a contar mentiras. Ele marca data para a lorota. Não vai provar nada. Mas a reiteração da ameaça indica que ele não desistiu de atear fogo às instituições.

CRIME MAIS GRAVE
Incendiar a Constituição é crime bem mais grave do que meter fogo na estátua de Borba Gato, é claro! Nesse caso, estamos diante de uma estupidez de meia-dúzia de cretinos que, na prática, fazem o jogo do bolsonarismo. É gente que não aprendeu nada com 2013 -- QUANDO BOLSONARO COMEÇOU A SER ELEITO -- e que, incapaz de entender a política no Brasil e suas vicissitudes, resolve importar dos EUA modelos de contestação. Mais ou menos como Sergio Moro importou daquele país uma legislação anticorrupção.

Felizmente, representam uma minoria espalhafatosa e irrelevante. Mas o bolsonarismo, é certo, saberá usar o seu "juveniilismo" incendiário a seu favor. Não! Essa gente nada tem a ver com o povo. Como não tinham os violentos de 2013. E não porque esse povo seja bom e cordial... Isso é besteira. É que os pobres precisam ganhar a vida. Não têm tempo de fazer barricadas de desejos vagos e burros de reparação.

Não creio que prosperem desta vez. De todo modo, não lhes faltam pneus e disposição para a burrice. Torçamos para que prospere o bom senso — muito especialmente nos setores da esquerda capazes de pensar e ponderar. A ver. Parece que será assim. Quem tem miolos está ocupado em fazer alianças contra o governo, não em assustar a população.

De resto, as iniquidades que temos como herança têm de ser corrigidas por políticas públicas, não com extremismo minoritário para sair nas redes sociais.

DE VOLTA A BOLSONARO
As manifestações contra Bolsonaro deste sábado, embora menores do que as anteriores -- e convém pensar se o excesso de protestos não acaba por banalizá-los -- foram notícia mundo afora. As tentações golpistas do presidente e o papel das Forças Armadas no país foram destaques, entre outros, no The Guardian, no Le Monde e no Washington Post. Este último foi o mas claro ao abordar o eventual risco que a democracia corre no país.

É certo que a piromania institucional de Bolsonaro é, por si, perigosa — e se destaque que queimar a estátua de Borba Gato, ainda que uma burrice, não é tão grave como a morte de 550 mil pessoas —, mas também de difícil realização, não é? Já vimos que não lhe faltam setores obtusos da caserna, ainda que de pijama, mas também é preciso considerar que, para sobreviver, ele teve de buscar a saída na política. E se ajoelhou no altar que, durante a campanha de 2018, jurou destruir: o centrão.

Nesta segunda, ele se encontra com o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, que vai assumir a Casa Civil. Qualquer pessoa que se acerque de maneira fria e objetiva do quadro há de reconhecer que o acordo torna mais distante a hipótese de impeachment, o que não quer dizer que as forças que se opõem à sua permanência no poder devam deixar de evidenciar a delinquência do seu governo. O nome disso é luta política. Penso, no entanto, não ser o caso de convocar novo protesto para daqui duas ou três semanas. O que o segura no cargo também o desgasta. E é preciso que se dê o devido tempo para metabolizar a operação. Bolsonaro vai insistir na retórica incendiária porque o seu público quer ouvir suas teorias conspiratórias. Mas observem que seus blindados estão no centrão.

HORA DA POLÍTICA
E, parece-me, é mesmo da política que devem cuidar os que anseiam, para o bem da democracia, a cadeira hoje mal ocupada por Bolsonaro. Reportagem publicada pelo Globo informa que José Dirceu, por exemplo, já se encontrou com José Sarney, com Gilberto Kassab, com dirigentes da Força Sindical...

Ele não exerce cargo no partido, e sua influência não é nem sombra do que já foi, mas tem dito que o PT deve se aproximar de setores de centro, buscar interlocução com os evangélicos, dialogar com forças que não são de esquerda. Na sua visão, é preciso conversar com os que não querem Bolsonaro na Presidência, deixando a eleição para 2022. Vale dizer: a frente antibolsonarista é distinta de uma aliança eleitoral. A tese está correta.

E é, diga-se, o que Lula vem fazendo. Não existe interdição para o diálogo. Não se vence uma eleição no Brasil sem conquistar o eleitorado de centro e centro-direita — anda que as pessoas não se identifiquem por esses nomes. E também não se governa sem uma aliança com esses setores no Congresso. Daí que o ex-presidente converse com quem quer conversar. E isso não exclui nem o centrão. Como ele disse na entrevista que me concedeu no dia 1º de abril, aqueles parlamentares foram eleitos pelo povo.

Lula não é idiota e nunca foi do tipo que incendeia estátuas. Nem navios.

E A TERCEIRA VIA?
Por enquanto, a possibilidade de um único candidato da chamada "terceira via" parece difícil. E, com isso, não estou a dizer que uma postulação com essas características -- tão logo sejam definidas -- seja impossível. Mas é preciso não cair em certas ilusões.

A rejeição a Bolsonaro (59%) é alta, mas ela carrega, por óbvio, o eleitorado lulista. A de Lula é bem mais baixa, embora significativa (37%), mas ela carrega o eleitorado bolsonarista. Ocorre que as de outros postulantes, segundo o Datafolha, especialmente quando confrontadas com as diminutas intenções de voto, não são assim tão baixas: João Doria (37%), Ciro Gomes (31%), Luiz Henrique Mandetta (23%) e Eduardo Leite (21%). Note-se à margem: a baixa rejeição também pode ser falta de conhecimento, o que é um problema. Mais: por enquanto, novos pré-candidatos vão chegando para disputar o voto nem-nem — nem Lula nem Bolsonaro.

Também nesse caso, é hora da política, não é? Eu não acredito na construção do que chamo de "candidaturas negativas" — que representem só o repúdio à mal chamada "polarização". Para ser competitivo em 2022, é preciso criar uma identidade: bem ou mal — e eu acho malíssima e maligna —, Bolsonaro tem a sua. Ainda que acene com isso ou aquilo na economia, insistirá na guerra de valores. Lula retomará a bandeira do social e destacará a resposta necessária às iniquidades, que cresceram na gestão Bolsonaro. E, por óbvio, vai apelar à memória ainda bastante presente de seus anos de governo.

Como é que o candidato (ou candidatos) de um caminho alternativo a esses dois fala ao imaginário do eleitorado, afirmando a própria voz? Antes que alguém se consolide como "a" terceira via, convenham, é preciso que ganhe uma identidade.

Não adianta acusar Lula e Bolsonaro de tentarem sabotar esse nome alternativo porque não cabe a eles criá-lo, ora. É incorreto acusar a dupla de tentar tornar o país refém da polarização. A ideia de uma "terceira via", por si, é refém voluntária dessa construção. E precisa sair desse lugar.

CONCLUO
Ah, sim: teremos eleições no ano que vem. Nem o piromaníaco das instituições, que lidera um governo fanaticamente homicida, nem seus aliados objetivos -- os gatos-pingados que querem brincar de incendiar estátuas -- vão impedir.

Por Reinaldo Azevedo

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