terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Defesa da Vale deseja que país se finja de bobo


Resultado de imagem para Tragedia em Brumadinho

A pretexto de refutar a hipótese de afastamento cautelar da diretoria da mineradora Vale, o advogado Sergio Bermudes, defensor da companhia, declarou o seguinte sobre a tragédia provocada pelo rompimento da barragem de Brumadinho (MG): "Não houve negligência, imprudência, imperícia." 

Em entrevista à repórter Mônica Bergamo, Bermudes adotou uma linha de defesa muito parecida com a tática do avestruz. Fechou os olhos para os indícios que se misturam à lama. E enfiou a cabeça nos seus autocritérios: "Não há necessariamente um culpado, não há necessariamente culpa. Ou não haveria casos fortuitos ou ocasionados por motivos de força maior." 

Um advogado tem o dever de prover ao cliente a melhor defesa que sua astúcia for capaz de conceber. Normalmente, busca-se o reconhecimento da inocência. Mas num caso como o de Brumadinho os fatos desaconselham o manuseio da tese segundo a qual a culpa é de ninguém. Ou do "fortuito." 

Na véspera, Fabio Schvartsman, presidente da Vale, afirmara ter seguido "a orientação dos técnicos" quanto à segurança da barragem que se rompeu. "E esse negócio deu no que deu. Quer dizer, não funcionou —100% dentro de todas as normas e não houve solução." 

"Qual é a solução então?", indagou Schvartsman a si mesmo. "Me parece que só tem uma. Nós temos de ir além de toda e qualquer norma internacional. Além e acima. Vamos criar um colchão de segurança bastante superior ao que a gente tem hoje para garantir que nunca mais aconteça um negócio desse." 

Estava entendido que, depois dos descalabros que resultaram no rompimento da barragem de Mariana (MG), a Vale providenciaria "um colchão de segurança bastante superior" ao que havia há três anos e dois meses. O próprio Fabio Schvartsman, que assumiu o comando da mineradora nas pegadas da tragédia anterior, dizia que sua prioridade era evitar que "um negócio desse" voltasse a ocorrer. 

É contra esse pano de fundo que Bermudes sustenta que "não houve negligência" e "não há necessariamente um culpado." É como se o doutor cutucasse os sobreviventes e as famílias dos mortos de Brumadinho com o pé, para ver se eles mordem. É como se pedisse ao Brasil para se fingir de bobo pelo bem da Vale. Os cadáveres de Brumadinho dificultam o atendimento do pedido.

Por Josias de Souza

2 comentários:

AHT disse...

”Soy latino-americano e nunca me engano...”


Tragédias e momentos de exacerbada indignação
(Momentos de confronto entre a autoimagem e a nua e crua realidade de uma nação?)

Temos fé
(Há controvérsias... cada um é cada um)

Somos esperançosos
(Aliás, temos até um bordão: “Brasileiro, profissão esperança”. No entanto... como toda regra tem exceção, há momentos de desesperança em meio à exacerbada indignação motivada por tragédias, violência e crimes causando números recordes de vítimas fatais, bilhões roubados dos cofres públicos, serviços públicos essenciais em estado de calamidade pública, etc)

Somos pela lei e a ordem
(Contudo... diante de “atenuantes que possam considerar certos 'malfeitos'¹ com possíveis indícios que teriam sido praticados sem a intenção de cometer danos”, depois de declarações e discursos esclarecedores dos mandatários, além de pareceres técnicos e opiniões favoráveis divulgadas pela mídia regiamente paga, a “razão coletiva” é levada a concordar: “No caso dessa tragédia, não há outra saída para os representantes dos Três Poderes, a não ser optar por decisões e acordos que garantam a continuidade de empreendimentos geradores de empregos e de receitas, evitando-se outros graves problemas sociais...”)

O Brasil não é um país sério
(Que o Brasil, por culpa da classe política, corruptos e conformismo de seu povo, tenha a fama de não ser um país sério, a grande maioria dos brasileiros já ouviu e repetiu isso. Mas dizer que o grande estadista francês Charles de Gaulle teria dito isso quando visitou o Brasil, aí já é sacanagem demais!)

-----------------------------------------------------------------------------
¹ Malfeitos: crimes.

AHT disse...

De norte a Sul do Brasil, algumas tragédias recentes:

25/01/2019 - Brumadinho (MG), Até a noite da segunda-feira (28), 65 mortes e 288 desaparecidos tinham sido confirmados. Uma tragédia que está imputando ao Brasil mais um triste e vergonhoso recorde de vítimas fatais em acidentes dessa natureza.

• <Fevereiro/2018 - Barcarena (PA), após inúmeras ocorrências registradas a partir do ano 2.000, causadas por vazamentos e até mesmo através de dutos clandestinos, de dejetos aquosos contendo mercúrio, cromo, chumbo e alumínio que contaminaram microbacias hidrográficas abrangendo mais de 100 comunidades de Barcarena e de Abaetetuba. Em consequência, afetando os habitantes, a fauna e flora dessa região. Não à toa, essa região apresenta o maior índice de leucemia infantil do Brasil. Nessas idas e vindas envolvendo a empresa mineradora, governo e justiça, o MP do Pará entregou para a Norsk Hydro Alunorte o poder de contratar auditoria independente. Nos últimos dias do governo Jatene, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Pará concedeu licença ambiental para a Norsk Hydro Alunorte retornar em 100% suas atividades, enquanto os habitantes dessa região continuam ao “deus dará” na luta por reparações e assistência à saúde.

05/11/2015 - Mariana (MG), 19 mortos e centenas de desabrigados. Na época considerado o maior desastre ambiental do Brasil, atingindo os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mais de três anos já se passaram e as vítimas desabrigadas não foram reassentadas, além de vítimas doentes e sem a devida assistência. A Samarco (leia-se, Vale) ainda não pagou nenhuma multa ao Ibama referente à tragédia em Mariana (multas da ordem de R$ 350,7 milhões). “Responsabilização das empresas é muito difícil”, disse um promotor que atuou no caso desse desastre ambiental. Por que é difícil? Que forças ocultas atuam para impedir essas responsabilizações de empresas e seus gestores?
25/01/2013 - Boate Kiss, Santa Maria (RS), 242 mortos e 636 feridos. Ministério Público do Rio Grande do Sul processou um grupo de familiares das vítimas e liberou de qualquer responsabilidade as autoridades públicas (Fonte: site da EBC, 25/01/2019). Seis anos após: as famílias das vítimas continuam lutando pelo julgamento dos responsáveis pelo incêndio.

Há de se perguntar:

# Nessas tragédias, listadas acima, além de outras já ocorridas no Brasil, a corrupção e a certeza da impunidade são as duas principais causas e, portanto, crimes?

# Ou, preponderantemente, acidentes causados por falhas humanas decorrentes de negligência, incompetência e, portanto, fatalidades?