quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

As falas ligeiras e irresponsáveis já começaram a cobrar seu preço; amadores resistem a aprender…



O discurso de Bolsonaro (íntegra aqui) é medíocre. O trecho em que convida os estrangeiros a visitar nosso “paraíso”, garantindo que Moro vai lhes dar a devida segurança, é constrangedor. É coisa de guia turístico. Se o bom discurso de Lula —que o levou a sair engrandecido de Davos — não é garantia de que as coisas terminem bem, a fala acanhada do atual presidente não é necessariamente antecipação de dias ruins. Mas, para tanto, é preciso que o governo cuide de fios desencapados. As falas irresponsáveis, a atuação amadora, a truculência no trato com a imprensa, a certeza de que tudo se resolve com uma guerrinha nas redes sociais, a tacanhice ideológica, tudo isso já começa a cobrar o seu preço. A Arábia Saudita deu um tombo na importação da carne de frango brasileira. A versão edulcorada assegura que se trata apenas de medida protecionista, para assegurar interesses dos produtores locais. Falso. Trata-se de um aviso. Os Bolsonaros não olharam para a balança comercial quando acharam uma boa ideia imitar os EUA e a Guatemala e anunciar a mudança da embaixada brasileira em Israel de Telavive para Jerusalém. Eduardo Bolsonaro, o deputado mais votado do Brasil, chegou até a dizer que, se os árabes reclamassem, o Brasil poderia se unir aos EUA contra o Irã, que, por sua vez, é inimigo da Arábia Saudita, com quem poderíamos, então, indiretamente nos aliar. Bem, a Arábia Saudita é justamente o país que suspendeu parte das importações de frango. Estamos nas mãos de amadores. E de amadores que se negam a aprender e alimentam um certo rancor de quem sabe mais.

Cancelamento de entrevista, sem aviso prévio, é um vexame. O problema é o que dizer em face das evidências

O cancelamento da entrevista de Bolsonaro em Davos é um vexame. Tudo porque, vaza a sua assessoria, ele está descontente com a cobertura da imprensa sobre a sua passagem por Davos. Falando à Bloomberg, afirmou que, se Flávio Bolsonaro, seu filho, fez alguma coisa errada, tem de pagar. Bem, isso é o óbvio. A menos que tenha adquirido alguma imunidade especial por ser filho do presidente. Poderia ter repetido o mesmo para o restante da imprensa. Mas está irritado. E aí, então, melhor não falar nada. Até porque não tem explicação o que não tem explicação. E, se tem, não pode ser dada, não é mesmo? Como é que a mãe e a mulher de um chefão do crime organizado foram parar no gabinete de Flávio Bolsonaro? A explicação: pelas mãos de Fabrício Queiroz. E quem era Fabrício? Oficialmente, um simples motorista do então deputado estadual. Com autonomia para contratar. Mas ele é também aquele que movimentou R$ 7 milhões em três anos, amigo de longa data do próprio presidente, a ponto de, segundo Jair Bolsonaro, este emprestar dinheiro àquele no fio do bigode, o que explicaria o depósito que o ex-assessor fez na conta de Michelle, a agora primeira-dama. Nada faz sentido. Ou tudo faz sentido. E aí está o problema.

Heleno até tenta consertar o estrago; fica difícil. Por que então, Guedes e Moro não deram a entrevista?

O general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete da Segurança Institucional) deu uma explicação para o cancelamento da coletiva: Bolsonaro estava cansado. Nada além disso. Bem, então é preciso demitir o assessor que disse o contrário. Para não deixar todo mundo na mão, sendo assim, que Paulo Guedes e Sérgio Moro, então, fizessem a sua parte. Ou eles também estavam muito cansados? Essa turma toda está vivendo um momento ruim: o da negação da realidade. E isso impede que tomem as medidas corretivas. Em vez disso, a turma se fecha e faz um discurso ainda mais agressivo nas redes. A ida a Davos tinha o objetivo de fazer Bolsonaro alçar voo. Ele é muito pesado. Não voa. E seus dois homens fortes, Guedes e Moro, também se apequenaram. E isso é apenas um fato. Como e se vão corrigir, não sei. Quando menos, teriam de tirar um bode da sala: Flávio Bolsonaro.

Por Reinaldo Azevedo

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