sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Bolsonaro dança conforme a música no caso Coaf


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Winston Churchil ensinou que certas verdades são tão preciosas que precisam ser protegidas por uma escolta de mentiras. No caso de Fabrício Queiroz, o correntista atípico, as versões são tão voláteis que os envolvidos parecem mais interessados em demonstrar não qual é a verdadeira, mas qual é a mais conveniente. Em nova manifestação sobre a encrenca, Jair Bolsonaro reposicionou-se em cena.

Nesta quinta-feira (3), em entrevista ao SBT, Bolsonaro queixou-se do vazamento do relatório em que o Coaf apontou a movimentação "atípica" de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz: "Falando aqui claro, quebraram o sigilo bancário dele sem autorização judicial. Cometeram um erro gravíssimo. E outra: a potencialização em cima dele e do meu filho [Flávio Bolsonaro] foi para me atingir. Está mais do que claro isso daí também. Um absurdo o que fizeram."

No último dia 12 de dezembro, quando ainda não havia sentado no trono presidencial, Bolsonaro enaltecera o fato de os dados bancários de Queiroz terem sido jogados no ventilador —inclusive os R$ 24 mil que foram parar na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. "Não sou contra vazamento. Tem que vazar tudo mesmo. Nem devia ter nada reservado. Tem que botar tudo para fora e chegar à conclusão."

Àquela altura, Queiroz ainda estava sumido. Ressurgiu na semana passada, numa entrevista ao mesmo SBT. "Eu sou um cara de negócios, eu faço dinheiro", declarou o ex-faz-tudo de Flávio Bolsonaro, o primogênito do presidente. "Compro, revendo, compro, revendo. Compro carro, revendo carro, sempre fui assim. Gosto muito de comprar carro de seguradora. Na minha época lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar, revendia. Tenho uma segurança." 

Na mesma entrevista, Queiroz confirmou a versão de Bolsonaro sobre os R$ 24 mil repassados de sua conta tóxica para a conta da mulher do presidente. Disse tratar-se de parte do pagamento de empréstimo de R$ 40 mil que Bolsonaro lhe fizera. Numa espécie de retribuição, o capitão também ratificou a versão de Queiroz sobre a facilidade com que faz dinheiro. "Ele falou que vendia carros, eu sei que ele fazia rolo", disse o presidente, na entrevista levada ao ar nesta quinta-feira.

Resta explicar por que um sujeito tão próspero no mercado do "rolo" automobilístico precisou tomar empréstimo de R$ 40 mil com o amigo. Sobre isso, nem Queiroz nem Bolsonaro se animaram a colocar uma versão em pé. Não há vestígio de documentos sobre a compra e venda de carros. O alegado empréstimo não foi documentado nem reportado à Receita. "Quem vai ter que responder é ele", lava as mãos o presidente. "O Coaf fala em movimentação atípica, isso não quer dizer que seja ilegal, irregular. Pode ser." 

No vídeo que veiculara nas redes sociais em dezembro, Bolsonaro não excluía a hipótese de ser convocado para pagar por algum "erro". "Se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém." Agora, sob a proteção das prerrogativas do cargo de presidente, o novo inquilino do Planalto se exclui do problema: "Ele responde por sues atos. Não tenho nada a ver com essa história." 

Na falta de explicações cabais, o noticário menciona a suspeita de que o caso envolve o desvio de parte dos salários de assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. Oito assessores do filho do presidente realizaram depósitos regulares na conta de Queiroz. 

Para não perder o hábito, Bolsonaro queixou-se do pedaço da imprensa que o imprensa. Afirmou que auxiliares de outros deputados estaduais foram fisgados pelo Coaf. E insinuou que está sendo perseguido. "Vários outros tinham [movimentação] de R$ 5 milhões, R$ 10 milhões, tinha até de R$ 40 milhões de reais. Ninguém toca no assunto", disse Bolsonaro. 

O Coaf lançou no caldeirão da suspeição assessores de 20 deputados fluminenses. Todos frequentam o noticiário. Mas Queiroz lidera com folgas o ranking da exposição. Sua proximidade com a dinastia Bolsonaro arrastou-o do fundo da loja para a vitrine. O presidente capricha na pose de vítima: "Estou acostumado a ser tratado, infelizmente, por parte da mídia, dessa maneira". 

Deve-se ao próprio Bolsonaro o tratamento dispensado a Bolsonaro nas manchetes. Queiroz provavelmente continuaria invisível se o capitão não tivesse migrado do baixíssimo clero da Câmara para a Presidência da República. A imprensa apenas cumpre a sua obrigação de noticiar. Quem tem calos não deveria se meter em apertos.

Por Josias de Souza

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