segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Cúpula do governo tenta mostrar tranquilidade com “caso Flávio Bolsonaro”, mas ela é falsa; o filho deveria renunciar em benefício do pai



Hamilton Mourão, agora presidente em exercício, pelo tempo que Jair Bolsonaro permanecer na Suíça, deu a seguinte declaração à Reuters: “É preciso dizer que o caso Flávio Bolsonaro não tem nada a ver com o governo”. O general da reserva é homem experiente o bastante para saber que não lhe caberia dizer o contrário, mas também para saber que isso não é verdade. Para começo de conversa, fiquemos com as suas palavras: então existe um “caso Flávio Bolsonaro”. E como! E, por enquanto, as coisas só pioram. Sejamos claros: o melhor que Flávio teria a fazer em favor de seu pai seria renunciar ao mandato. Haveria um solavanco, é verdade; a decisão seria vista como uma espécie de confissão, mas uma coisa é certa: diminuiria a sombra sobre o governo. Como está, o troço, que parece até modesto perto dos casos de corrupção que conhecemos, tem potencial para tragar o governo, sim. A razão é óbvia: tudo está perto demais do presidente da República. E, de sexta-feira para cá, o rolo mudou de patamar em valores e no potencial politicamente explosivo.

Os R$ 7 milhões movimentados por Fabrício Queiroz entre 2015 e 2017 assombraram os militares do governo; e ainda não há explicação

Neste domingo, veio a público a informação, publicada em primeira mão pelo colunista Lauro Jardim, em “O Globo”, de que passaram pela conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, R$ 7 milhões entre 2015 e 2017 — inclui-se nesse total a soma de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, de potencial já explosivo. Em entrevista ao SBT, Queiroz afirmou há algum tempo que a grana derivava de rolos que ele fazia com carros usados… Bem, a ser assim, o homem deve ter, então, uma rede de concessionárias. Não faz tempo, o senador diplomado afirmou que seu ex-funcionário lhe havia dado uma explicação plausível para o caso. Ocorre que o suposto ex-motorista se negou a depor ao Ministério Público. Flávio também se recusou a prestar depoimento. Até agora, ninguém falou. O valor assombrou a ala militar do governo.

Reportagem da Folha informa que senador eleito adquiriu imóveis ao custo de R$ 4,2 milhões em três anos; seu salário bruto é de R$ 25,3 mil

Reportagem da Folha desta segunda informa:

“Documentos obtidos em cartórios mostram que o então deputado estadual e hoje senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) registrou de 2014 a 2017 a aquisição de dois apartamentos em bairros nobres do Rio de Janeiro, ao custo informado de R$ 4,2 milhões. Em parte das transações, o valor declarado pelos compradores e vendedores é menor do que aquele usado pela prefeitura para cobrança de impostos. Nota: o salário de um deputado estadual do Rio é de R$ 25,3 mil brutos.

Queiroz, o homem que movimentou R$ 7 milhões, mora em casa modesta na Zona Oeste do Rio; há o temor de que a grana tenha origem ainda pior


Queiroz, o homem que movimentou R$ 7 milhões em três anos, mora numa casa simples, em um beco, na Taquara, na Zona Oeste do Rio. Nada por ali faz supor o correntista de valores milionário ou o paciente que se interna para tratar de câncer no hospital Albert Einstein, que figura entre os melhores e mais caros do país. Como eu escrevia aqui à época em que o petismo dava as cartas, há ocorrências e coincidências que só acontecem no universo da política. Os R$ 7 milhões levaram o pânico para o Planalto, ao contrário do discurso oficial, porque se considerou que é dinheiro demais para a hipótese viciosa se limitar a uma simples “rachadinha” envolvendo o salário dos servidores, o que já seria crime: além de lavagem de dinheiro, também peculato. Os valores movimentados, segundo o que se sabe até agora, despertaram o temor de coisa mais grave. Alguém lembrou que o candidato de Flávio à Presidência da Assembleia era o deputado André Corrêa (DEM), que está em prisão preventiva, no âmbito da operação “Furna da Onça”. Ele é acusado de ter recebido R$ 100 mil mensais para votar de acordo com os interesses do amplo grupo então liderado pelo governador Sérgio Cabral. Há tudo no generalato da reserva que serve a Bolsonaro, menos tranquilidade. E Flávio não está ajudando.

Segundo Flávio, os 48 depósitos de R$ 2 mil e o pagamento de título de R$ 1 milhão estão ligados a imóveis; eis o “Ronaldinho” do “Mito”

Embora tenha se negado a falar sobre o caso para o Ministério Público Estadual e recorrido ao Supremo para suspender a investigação sobre Fabrício Queiroz, o senador eleito resolveu conceder entrevistas sobre o assunto. Segundo disse à TV Record, os 48 depósitos de R$ 2 mil que foram feitos na sua conta, em cinco datas, no prazo de um mês, entre junho e julho de 2017, e o pagamento de um título na CEF no valor de R$ 1.016.839 dizem respeito à transação de um imóvel. Por meio do título, ele estaria quitando o financiamento feito pela Caixa. Em seguida, teria resolvido vendê-lo por R$ 2,4 milhões. E o comprador teria pagado parte da aquisição em dinheiro. E Flávio fez o quê? Dividiu os R$ 96 mil em 48 envelopes de R$ 2 mil e resolveu depositar por meio do caixa eletrônico. Por que não fez o depósito de uma vez só na agência bancária que fica na Assembleia? Ele não disse. Demorou quase um mês para realizar todas as operações, a saber:
9 de junho de 2017: 10 depósitos no intervalo de 5 minutos, entre 11h02 e 11h07;
15 de junho de 2017: mais 5 depósitos, feitos em 2 minutos, das 16h58 às 17h;
27 de junho de 2017: outros 10 depósitos, em 3 minutos, das 12h21 às 12h24;
28 de junho de 2017: mais 8 depósitos, em 4 minutos, entre 10h52 e 10h56;
13 de julho de 2017: 15 depósitos, em 6 minutos.
Ah, sim: na entrevista à Record, Flávio afirmou que o salário de deputado é a menor parte de seus rendimentos. O maior volume viria da atividade empresarial —não especificou, porém, qual seria o negócio. Pelo visto, Bolsonaro também tem seu “Ronaldinho”, que foi como Lula se referiu certa feita ao talento empresarial de um de seus filhos.

Flávio tenta demonstrar que não recorreu ao STF em busca de foro especial; argumentação é capenga. Ou: sim, cabe ao MPF atuar no caso

Flávio afirmou ainda o seguinte, aí sobre a decisão de recorrer ao Supremo:

“Não pedi foro privilegiado ao STF. O que fiz foi uma Reclamação, que é o remédio jurídico correto para perguntar ao Supremo Tribunal Federal, obedecendo a uma decisão do próprio STF, que lá atrás decidiu sobre o foro, e tem uma vírgula que diz assim: caso a caso, o Supremo Tribunal Federal dirá qual é o foro competente. Se é o Rio de Janeiro, o MP do Rio, ou se é Brasília, o MP Federal. Então, a decisão que o Supremo vai tomar é para onde é que tenho que prestar os esclarecimentos. Não tenho nada para esconder de ninguém. Tem origem. Não tem origem ilícita”.

Pois é… Ocorre que, além da Reclamação — que parte, sim, do pressuposto de que ele pode ter foro naquele tribunal, o que o próprio STF já rechaçou, com o apoio do bolsonarismo, diga-se —, sua defesa também entrou com um pedido de liminar para suspender a investigação que diz respeito a Fabrício Queiroz. Luiz Fux atendeu ao pedido. Certamente seu advogado o advertiu de que a liminar poderia atrasar por algum tempo a investigação, mas ela voltaria fatalmente para o Ministério Público Estadual do Rio. A razão é simples: ainda que Flávio venha a ser investigado na esfera criminal, o caso aconteceu antes de seu mandato como senador e não se deu em razão desse mandato. É bem verdade que, se o Ministério Público Federal quiser, há motivos para entrar no caso, isto é, para chamar a investigação para si: uma das funcionárias que repassava dinheiro para a conta de Fabrício é Nathalia Queiroz, sua filha, que deixou o gabinete de Flávio e foi transferida para o de Jair, quando deputado federal, em Brasília. Ocorre que ela morava no Rio, onde atuava como personal trainer. E, como se sabe, Fabrício depositou dinheiro na conta de Michelle, mulher do agora presidente da República.

Filho de Bolsonaro põe isenção política de promotores em dúvida no dia em que pai viaja com o homem que condenou Lula e virou ministro

Flávio Bolsonaro decidiu ainda, aí em entrevista à RedeTV!, pôr em dúvida a isenção do Ministério Público Estadual. Afirmou que o objetivo da investigação é atingir o governo de seu pai e disse ter visto na Internet fotos de promotores com camisetas de protesto contra o impeachment de Dilma. Disse: “Não sei se é verdade, mas são evidências. Não estou fugindo, mas por que não dar tratamento igual para todo mundo?” Bem, “todo mundo”, quem? Que eu me lembre, há uma penca de deputados estaduais presos, além de dois ex-governadores e um ex-presidente da República. Acusar suposta predileção política de pessoas envolvidas no combate ao crime não fica bem na boca de um bolsonarista. Na noite deste domingo, Sérgio Moro, aquele que condenou Lula, embarcou com Bolsonaro para a Suíça na condição de superministro da Justiça. Flávio precisa melhorar a qualidade das respostas.

Moro vai falar em Davos sobre transparência e o combate à corrupção; caso Flávio hoje põe em risco reputação do “paladino anticorrupção”

Sérgio Moro vai participar de vários painéis em Davos que tratarão de transparência e combate à corrupção e a crimes financeiros. Em seu discurso, Bolsonaro deve apresentá-lo, vamos dizer assim, como o seu xerife. Tanto o chefe como o seu subordinado viajam, nesse particular, num momento ruim. É pouco provável que a imprensa internacional vá cotejar a fala do ministro com o que se passa no Brasil. Por aqui, no entanto, suas intervenções certamente serão acompanhadas com atenção. O ainda deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), senador diplomado e filho de Jair, está envolvido em uma enrascada que, a morrer no ralo das irresoluções, desmoraliza não apenas a intervenção do ex-juiz em Davos, mas a sua trajetória de paladino contra a corrupção.

Por Reinaldo Azevedo



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