quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Americanismo servil


Manifestantes queimam bandeira americana durante protesto na cidade paquistanesa de Lahore, contra a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel - 10/12/2017

A custo de desgaste com os militares, Jair Bolsonaro acaba de descobrir que não existe essa de “o céu é o limite nas relações com os EUA” como preconizou o chanceler Ernesto Araújo. Sem consultar a cadeia de comando das Forças Armadas o presidente anunciou, em entrevista na TV, a possibilidade de instalação de uma base militar norte-americana no território brasileiro.

Não se sabe muito bem quem foi o pai da ideia estapafúrdia, mas pistas apontam para o ministro Araújo no seu afã de agradar o presidente americano Donald Trump, considerado pelo novo chanceler como o escolhido por Deus para salvar a civilização cristã-judaica.

Como era de se esperar a reação veio a galope, sobretudo do alto generalato. Em menos de uma semana de governo, Bolsonaro teve de fazer o segundo recuo em uma questão vital. Diferentemente de Araújo, os militares raciocinam estrategicamente. Enxergaram logo que não havia qualquer interesse nacional no mimo aos Estados Unidos.

Ao contrário, poderia transformar a América do Sul, uma região de paz, em palco de conflitos entre grandes potências. Ora, se os Estados Unidos tivessem carta branca para implantar uma base no Brasil, porque os russos não poderiam fazer o mesmo na Venezuela?

Do ponto de vista geopolítico, a ideia é inteiramente despropositada. E, no que se refere à soberania nacional, uma afronta.

A presença de forças militares externas aqui só se justificaria se o Brasil estivesse sob ameaça de invasão por outro país com poder bélico superior, ou se vivesse uma situação idêntica à da Colômbia, que teve de recorrer a tropas americanas para enfrentar o narcoterrorismo.

Sem estas duas condições, uma base dos EUA no Brasil seria o próprio atestado da incapacidade de nossas Forças Armadas defenderem a integridade territorial e a ordem interna.

E mesmo nas circunstâncias apontadas, cessado o perigo externo, essa presença perderia o sentido, como aconteceu com a desativação da base militar dos Estados Unidos logo após a Segunda-Guerra Mundial. Na época, eles queriam manter essa base e construir outra no Rio Grande do Sul. Em 1946, no governo do marechal Eurico Gaspar Dutra, o Brasil disse não aos propósito norte-americanos.

É do interesse do Brasil manter cooperação com os Estados Unidos em todas as áreas, inclusive a militar. Isto sempre aconteceu. Durante anos vigorou o acordo militar Brasil-EUA, denunciado em 1977 pelo presidente general Ernesto Geisel. Cooperação, contudo, não é sinônimo de subserviência.

E agora, o que o presidente dirá aos Estados Unidos? Afinal o secretário de Estado, Mike Pompeu, que veio ao Brasil para a posse, tomou ciência da intenção de Bolsonaro e agradeceu por sua generosidade.

O episódio deixa uma amarga lição aos neófitos do poder. Relações entre países não são ilimitadas. O limite é dado pelo interesse nacional. Quando converge com o de outras nações, ótimo. Quando há conflito de interesses, o governo de cada país defende o seu pedaço.

Não estamos diante de situações hipotéticas. Aproveitando a “boa vontade” do novo governo, os EUA estão pressionando o Brasil para substituir parte expressiva do trigo argentino pelo trigo americano. Isso gerará conflitos com a Argentina, o principal importador de bens industriais brasileiros, com quem temos interesse geopolítico comum e saldo comercial favorável.

A política externa brasileira não pode ser pendular: sair do antiamericanismo pueril da era lulopetista para um americanismo servil da nova era.

Nenhum comentário: