Ao liberar a retomada dos testes da Coronavac, a Anvisa reforçou a impressão de que o maior problema da gestão de Jair Bolsonaro não é político nem administrativo. A principal dificuldade é matemática. O governo brasileiro é o único do planeta que é 100% feito de polêmicas. É um governo que promove a confusão pela confusão. Nesse contexto, o ataque de Jair Bolsonaro contra o que chama de "vacina chinesa do João Doria" revelou-se um tiro de bazuca contra o próprio pé.
A rapidez com que a Anvisa liberou o reinício dos estudos clínicos potencializa a impressão de que a ligeireza da suspensão foi inapropriada. Uma comunicação mais fluida entre a agência fiscalizadora e o Instituto Butantan teria levado à conclusão de que a morte de um voluntário por suicídio não era razão para atrasar o cronograma de testes. Se ficasse só nisso, o caso teria a aparência de uma barbeiragem. A intervenção de Bolsonaro adicionou à cena um elemento nefasto: a politização.
Ao festejar nas redes sociais o que imaginou ser o fiasco do seu rival político, o presidente da República transformou a fiscalização burocrática do desenvolvimento de uma vacina num processo de avacalhação da independência da Anvisa. De resto, Bolsonaro conseguiu desrespeitar a família do voluntário morto e sapatear sobre a expectativa dos "maricas" que anseiam pela chegada de vacinas que os livrem da Covid-19.
Como se tudo isso fosse pouco, Bolsonaro ainda forneceu munição para os adversários. Aprovou-se no Congresso o convite para que o diretor do Butantan, Dimas Covas, e o presidente da Anvisa, o contra-almirante Antonio Barra Torres, prestem esclarecimentos à comissão parlamentar que acompanha as medidas de combate à pandemia.
Fabricou-se uma crise do nada. Bolsonaro ainda não notou. Mas, num regime presidencialista, o rosto da crise é a cara do presidente. Por sorte, na crise da vacina o interesse dos "maricas" prevaleceu sobre o descaso do presidente com a a saúde alheia.
Por Josias de Souza
Nenhum comentário:
Postar um comentário