Por que o vídeo completo, evidenciando que foi João Alberto Silveira Freitas a desferir o primeiro soco assanhou a extrema direita? Porque seria a prova de que não estamos diante de um caso de racismo. É mesmo? Será que, nos milhares de supermercados e lojas do país, nunca antes um branco se exaltou? Mas só os pretos morrem por isso? Só a eles pode ser aplicada, extrajudicialmente, a pena de morte, que nem sequer existe no ordenamento judicial brasileiro? Há o esforço deliberado de negar o caráter também racial da ocorrência porque a evidência embute um óbvio risco político.
Para lembrar: até outubro, 10 crianças morreram vítimas de balas perdidas no Rio. Os projéteis acharam seus corpos pretos. Desnecessário dizer que a morte de uma criança branca, nas mesmas circunstâncias, em Copacabana, geraria justa comoção. Afinal, vidas brancas importam. E devem importar. E as pretas?
A taxa de homicídios de negros no país saltou 11,5% de 2008 a 2018 (de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes). A de morte de não-negros caiu 12,9% no mesmo período (de 15,9 para 13,9 por 100 mil). Os dados são do Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Vidas pretas importam?
É claro que não cabe a governantes exacerbar tensões raciais no país. Daí a negarem o óbvio vai uma grande diferença. Hamilton Mourão, vice-presidente, apressou-se em contestar o caráter também racista da execução havida no Carrefour Evocou a fantasia da miscigenada democracia racial no país.
O presidente Jair Bolsonaro, que não perde uma só oportunidade de relegar o país à cloaca do mundo, resolveu fazer discurso negacionista na reunião virtual do G-20 neste sábado. Sem nem sequer fazer referência ao episódio, disparou:
"Somos um povo miscigenado. Brancos negros e índios edificaram o corpo e espírito de um povo rico e maravilhoso. Foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo. Contudo, há quem queira destruí-la. E colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças. Sempre mascarados de lutas por direitos, igualdade ou justiça social. Tudo em busca de poder."
Durante a ditadura, chamava-se qualquer mobilização popular de ação movida por pessoas que tinham "ideologias exóticas", alheias à dita "índole pacífica" do povo brasileiro... Para Bolsonaro, esse negócio de negros reivindicando direitos também é coisa que vem de fora. Os nossos, segundo a sua visão de mundo, devem morrer em silêncio, sem protestar. Também faria parte de nossa índole.
Por Reinaldo Azevedo
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