A pura literalidade pode atentar contra a informação e alimentar o preconceito e a estupidez.
Quando chegou a mim o título "Lula diz que não sabia haver tantos negros do Rio Grande do Sul" (e variantes), pensei algo assim: "O presidente precisa parar de improvisar porque isso pode armar o discurso reacionário". Cheguei a achar que ele tivesse feito alguma consideração pouco informada sobre a composição da população gaúcha, segundo a cor da pele.
Aí fui assistir ao vídeo. Reproduzo a fala:
"Não sei se vocês perceberam: com toda desgraça da enchente, por mais que a gente veja, eu falei pra Janja no domingo: 'É impressionante. Eu não tinha noção de que, no Rio Grande do Sul, tinha tanta gente negra.' E, no Fantástico, apareceu muita gente negra. Eu falei: 'Não é possível!' E aí a Janja me falou: 'É porque são os mais pobres e porque moram nos lugares mais arriscados de ser vítimas dessas coisas'. Então, eu, quando convido [autoridades para acompanhá-lo], é porque eu quero facilidade para que as pessoas compreendam a necessidade de agilizar as votações na Câmara, no Senado..."
A tentativa de usar a frase do presidente para criar picuinha só revela a ignorância de quem imaginou que estava tendo uma sacada "esperta" para cutucar o presidente.
É evidente que ele estava falando nas entrelinhas. A sua suposta surpresa — "Eu não tinha noção que no Rio Grande do Sul tinha tanto negro" — era a deixa para a elucidação do problema, numa fala que ele atribuiu a Janja: "É porque [os negros] são os mais pobres e moram nos lugares mais arriscados".
Parvos são os que acharam que poderiam usar Lula para dar uma lacrada. O Rio Grande do Sul é o Estado mais branco do país: 78,42%, segundo o Censo de 2022. A Bahia é o menos: 19,81%. O Estado que agora enfrenta a catástrofe conta com 21,19% de negros: 14,67% autodeclarados pardos e 6,52% pretos.
Ignoro se a impressão do presidente corresponde aos fatos no que respeita aos colhidos pelas águas — creio que esse levantamento não foi feito —, mas é preciso destacar que, dado o contexto, o seu "eu não sabia" significa "eu sabia". Ele certamente tem a informação de que se trata na unidade mais branca da federação. Haver, segundo diz, um número tão grande de negros entre as vítimas — é provável que sejam mais de 21,19% — indica a velha e conhecida exclusão a se manifestar, qualquer que seja o desastre.
Estão tratando a fala do presidente como gafe ou impropriedade. Não. Trata-se apenas de uma constatação econômica, sociológica, que expõe uma das mazelas do Brasil. Tudo o que acontece de ruim por aqui costuma ser pior para os negros, mesmo quando são a minoria. E antes que aquele cara, vocês sabem quem, resolva nos iluminar com a sua ignorância, esclareça-se: é claro que desgraceiras como a que vimos atingem a todos. Mas as vítimas preferenciais costumam ser a de sempre.
Lula brincou ainda que viverá até os 120 anos e que vai disputar mais umas dez eleições. Aí foi acusado de usar o anúncio de benefícios para fazer campanha. Bem, a acusação só faz sentido caso se acredite que chegará àquela idade. Mesmo quando se é Lula — e ninguém no país tem mais motivos do que ele para ser otimista e para acreditar em mudanças do destino —, também essa declaração parece enunciar o contrário do que anuncia.
Uma das críticas recorrentes da extrema-direita a Lula sustenta que, velho demais, ele não estaria entendendo o "novo momento", seja lá o que isso signifique. Não por acaso, diz-se o mesmo sobre Joe Biden nos EUA. Essa gente é igual em toda parte. De toda sorte, fica aqui uma constatação, que embute uma sugestão ao presidente: construções discursivas como aquela sobre a composição da população gaúcha e as vítimas da tragédia se tornaram complexas demais para estes tempos, incapazes de entender uma ironia, um contraste, um paradoxo, uma metáfora, uma entrelinha.
Já não se pode mais bater na cangalha para o burro entender.
Se bater, o burro zurra, escoiceia e escreve. Sem entender.
Ah, sim: isso é uma metáfora. Deixem os burros, os de verdade, em paz.
2 comentários:
Ontem, hoje e sempre, qualquer semelhança é mera coincidência.
Torcidas e Paixões que Cegam
Torcidas e paixões que cegam,
corruptos a favor pode;
se adversários, não pode.
Logo, corruptos prosperam –,
enquanto ideólogos e políticos
encarados como entretenimentos
esportivos, artísticos, humorísticos
e, os burros, mulas, jegues e jumentos
pastam e são disputados por burramas,
em caminhadas conduzidas por tropeiros
a mando de maus políticos e suas tramas,
dependentes até de milicianos e doleiros –,
a opinião pública, alheia à verdade dos fatos,
segue mansa, sentadinha à beira do caminho,
entretida pelas burramas, notícias e boatos,
enquanto cínicos corruptos riem baixinho.
AHT
06/01/2021
Em janeiro de 2018, a dúvida antes das Eleições:
Se, o Lula Voltar a Presidir o Brasil?¹
Se Lula voltar à presidência do Brasil, talvez conheçamos seu lado vingativo, além de termos que lidar com as consequências de medidas contrárias ao que o país realmente precisa. No entanto, ao invés de descartar a possibilidade de Lula não ter a menor chance e, até mesmo, ser preso em 24 de janeiro, prefiro não ignorar os sinais que indicam uma possível grande manobra em favor de Lula e outros políticos influentes. Não seria surpresa se Lula se candidatasse, fosse eleito e assumisse o cargo. Por quê?
Porque, infelizmente, muitos daqueles que nos representam nos Três Poderes estão dando sinais de que perderam boa parte das referências que garantem o Estado de Direito e a Democracia.
O povo e as Forças Armadas não impedirão Lula de se candidatar e até mesmo tomar posse. Lula poderá conseguir tudo isso de forma legal, com o apoio de membros do Executivo e Legislativo, especialmente aqueles envolvidos em escândalos como a Lava Jato.
Convenhamos, Lula não perdeu o carisma junto ao povo. Continua habilidoso em passar suas mensagens ao seu público. Lula conta, seguramente, com 30% do eleitorado brasileiro, além de outros eleitores que, por timidez, não declaram que votariam nele. E quanto à Dilma? Dilma foi apenas uma figura usada por Lula para ocupar a cadeira presidencial por apenas 4 anos. Infelizmente, Lula e Dilma acabaram concordando que ela deveria ser reeleita, o que levou a consequências desastrosas para o Brasil, incluindo desemprego e prejuízos bilionários, principalmente à Petrobras, além do retorno de parte da população à pobreza e miséria.
No próximo dia 24 de janeiro, no TRF-4 em Porto Alegre, será realizada a análise do recurso feito pelos advogados de Lula. Se um dos três desembargadores votar a favor do recurso de Lula contra a condenação, isso significará que, mesmo com a sentença do juiz Moro sendo confirmada, é provável que Lula não seja preso. Portanto, é plenamente plausível supor que Lula conseguirá ser candidato, graças a recursos e embargos, possível morosidade e, pelo "STF com 7 indicados por Lula e Dilma”. Isso acontecendo, nem Bolsonaro, Ciro ou Alckmin serão capazes de enfrentar e vencer Lula.
Infelizmente, se Lula for eleito presidente em 2018, e tomando posse, poderá ser uma realidade indesejável, principalmente considerando a história recente do Brasil desde 1964: 21 anos de ditadura militar, redemocratização em 1985, eleição e impeachment de Collor, eleição de Lula em 2002, escândalos do Mensalão e Petrolão e crises resultantes da corrupção, desemprego em alta, impeachment de Dilma, Temer envolvido em escândalos, Poderes fora de sintonia, ministros do STF em conflito público.
Essa institucional e federal balbúrdia pode criar um ambiente ideal para que Lula tenha sucesso em seus discursos para o povo, que sofre mais intensamente os efeitos da crise que atingiu o Brasil. Uma vez diante da urna eletrônica, o povo, que elegeu Lula e Dilma presidentes quatro vezes, pode não associar a crise às políticas de Lula e Dilma, especialmente se for influenciado pelos discursos de Lula nos palanques e pelas campanhas de marketing. Os eleitores politicamente conscientes e esclarecidos não conseguirão eleger Serra, Alckmin ou Aécio.
AHT
06/01/2018
Nota: ¹ Muitas das suposições feitas meses antes das eleições de 2018 não se concretizaram. Lula não foi candidato a presidente em 2018, mas seu indicado, Haddad, disputou com o eleito, Bolsonaro. No entanto, as suposições sobre a possível candidatura de Lula e sua eleição se confirmaram nas eleições de 2022, após decisões judiciais e uma série de manobras políticas. O “voto útil” dessa vez se desapegou de Bolsonaro e ‘premiou’ o Lula. – 23/10/2023
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