Ao ultrapassar a marca de uma centena de sepulturas, o dilúvio gaúcho reforça a percepção segundo a qual morrer de desastre ambiental significa, em última análise, um pouco de vocação. Há nos altos cargos do Estado adeptos da política de prevenção tão pouco militantes que o clima lhes envia periodicamente coroas de flores como aviso.
Dessa vez, a natureza caprichou na advertência. É como se desejasse acordar o Brasil para um detalhe crucial. No fim das contas, a última pá de cal é despejada na cara do brasileiro. Ironicamente, embora não se considere vocacionado para a morte, o cidadão se torna cúmplice da omissão que conduz à cova.
Pesquisa feita pelo jornal britânico "The Guardian" com cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU revelou que quase 80% dos entrevistados dão de barato que as temperaturas globais subirão para pelo menos 2,5ºC neste século, acima da meta de 1,5ºC combinada internacionalmente. Quase metade avalia que o aquecimento global pode romper a barreira dos 3ºC.
Os cientistas vislumbram um futuro devastador. Nele, a fome e as migrações em massa serão potencializadas por ondas de calor. Tempestades e inundações serão cada vez mais frequentes e extremas. Nesse contexto, o dilúvio do Rio Grande do Sul será vão se o eleitor brasileiro não for desalojado do seu comodismo.
Em cinco meses, o Brasil irá às urnas para escolher os seus prefeitos. Candidatos a reeleição que ignoraram os alertas do clima não merecem nem bom dia, que dirá votos. Desafiantes que não apresentarem propostas críveis de adaptação das cidades aos novos tempos devem ser ignorados. O mesmo raciocínio vale para as eleições nacionais de 2026.
O país demora a acordar. Mas se as cenas desoladoras captadas no Rio Grande do Sul servem para alguma coisa é para demonstrar que nunca é tarde para o brasileiro ser o que já deveria ter sido. A melhor hora para escolher gestores atentos às mudanças climáticas é 30 anos atrás. A segunda melhor hora é agora.
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