segunda-feira, 29 de novembro de 2010

INSS pagava benefícios a 33 mil mortos, aponta relatório do TCU

Quase sempre em falta com os vivos, a máquina pública tem sido generosa com a população dos cemitérios, revelam auditorias sobre pagamentos do governo. Por falta de controle sobre seus desembolsos, o Brasil distribui fortunas para pessoas que já morreram. Além de remédios do programa Farmácia Popular, aposentadorias e pensões, noticiados recentemente pelo GLOBO, os falecidos recebem repasses do Bolsa Família, financiamentos para a agricultura familiar, toda sorte de benefícios previdenciários e ocupam até leitos de UTI do Sistema Único de Saúde.

Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), aprovado no ano passado, mostra que 33,1 mil benefícios previdenciários estavam sendo pagos a mortos, sob as vistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Um prejuízo mensal de R$ 15,6 milhões, que já estava acumulado em R$ 242,1 milhões. Outro 1,029 milhão de auxílios foi interrompido tardiamente, muito após o óbito. Considerando todos os casos, o rombo chega a R$ 1,9 bilhão.

Para chegar aos números, os auditores cruzaram informações do pagamento de benefícios com o Sistema de Controle de Óbitos (Sisobi), usado pela Previdência e alimentado pelos cartórios, o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Receita e o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, no qual são lançadas as declarações de óbito emitidas pelos médicos do país.

Segundo o TCU, não há integração entre o SIM e o Sisobi. Não por acaso, concluiu-se que 1,3 milhão de pessoas incluídas no primeiro estavam fora do segundo. Em muitos casos, a mesma pessoa estava registrada em ambos com informações diferentes, como a data do falecimento. Soma-se a isso a inércia para reaver o dinheiro. "A equipe de auditoria constatou a ausência de sistemática de recuperação dos valores creditados indevidamente", diz o relatório sobre o INSS, citando beneficiário que faleceu em 1985, mas, 20 anos depois, continuava com crédito de R$ 357 mil.

Não raro, parentes ou pessoas próximas se apropriam do cartão do benefício, que pode ser pago em conta conjunta. Ou o dinheiro fica parado na conta do morto, sem que o banco tome providências. Após 60 dias sem saques, é obrigação dos bancos devolver o dinheiro ao Tesouro, o que não é feito por falta de acompanhamento das movimentações ou porque, segundo eles, o sigilo financeiro não permite.

Sangria anual chegava a R$ 700 milhões

Em outra auditoria, aprovada ano passado, o tribunal informa que 5% dos benefícios de prestação continuada da Assistência Social, pagos a idosos e deficientes de baixa renda pelo INSS, foram interrompidos depois que se constatou que o recebedor estava morto. O percentual é dez vezes superior ao registrado em países como a Inglaterra. A estimativa é que a sangria anual chegava a R$ 700 milhões.

Após pente-fino no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o TCU detectou repasses do Bolsa Família a 3,7 mil mortos num único mês (fevereiro de 2008), o que totalizou R$ 210,7 mil. O banco de dados mantinha como ativas 299 mil pessoas com registro de óbito, aptas a receber vários tipos de benefício, não só o Bolsa Família. Delas, 18 mil pertenciam a famílias com um único integrante - em outras palavras, que não existiam mais. Os 3,7 mil estavam no grupo.

Os benefícios indevidos também alcançam papéis do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). O sistema de financiamento rural passou por uma peneira da Controladoria Geral da União (CGU), no fim de 2009, que constatou que os titulares de 1.539 Documentos de Aptidão ao Pronaf (DAPs), necessários à liberação dos empréstimos, não estavam mais vivos, segundo o Sisobi.

O TCU constatou ainda que três hospitais de Petrópolis continuaram cobrando pela internação em UTI de dez pacientes sepultados. Já no cemitério, um deles foi "tratado" por 13 meses às custas da prefeitura, gestora local dos recursos do SUS.

A omissão é um dos motivos de falhas no Sisobi e prejuízos à Previdência. O TCU constatou que, de janeiro de 2003 a abril de 2008, os cartórios deixaram de informar 47 mil mortes, descumprindo a lei 8.212, de 1991.

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