sábado, 11 de novembro de 2023

Exploração política da lista de Gaza é a falência da decência



Bolsonaro perde a Presidência, mas não perde a aparência de cano furado. Assim como o cano com buraco esbanja água em esguichos perdulários, o capitão vaza inverdades com notável exuberância. No seu penúltimo jorro, Bolsonaro despejou nas redes sociais a versão segundo a qual foi graças à sua interferência que Israel finalmente incluiu os brasileiros na sétima lista de estrangeiros autorizados a deixar a Faixa de Gaza.

Nessa versão, Bolsonaro teria conversado com o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, num evento organizado para exibir a parlamentares brasileiros um vídeo com cenas das atrocidades cometidas pelos terroristas do Hamas no ataque que detonou a guerra, em 7 de outubro. Mal o Itamaraty anunciou a inclusão do grupo do Brasil na lista e a milícia digital bolsonarista inundou as redes com postagens que parabenizaram Bolsonaro pelo feito alheio.

Parlamentares petistas, aliados do governo, ministros e até a primeira-dama Janja correram às redes para enaltecer o esforço de Lula e do chanceler Mauro Vieira para repatriar os brasileiros. Instado a comentar a hipotética interferência de Bolsonaro junto ao embaixador, o chanceler Vieira foi seco: "Eu não falo com o embaixador, eu falo com o chefe dele, que é o ministro das Relações Exteriores" de Israel.

Enquanto bolsonaristas e governistas reivindicavam na internet os louros pela liberação tardia, os brasileiros eram barrados no posto de fronteira de Rafah, que dá acesso ao Egito. Em entrevista, Mauro Vieira disse que eles podem sair neste sábado. Ou no domingo. Ou em qualquer outro dia.

Difícil saber o que é pior para os brasileiros submetidos à tranca de Gaza: a frustração pela ausência em meia dúzia de listas, a decepção por ser incluído na sétima relação e não conseguir deixar a zona de guerra ou a sensação de fazer o papel de figurantes numa peça confusa, em que o cenário é a polarização, o protagonista é um mito destrambelhado e o sétimo ato é o aprisionamento numa lista de liberação que não libera.

A conversão do drama humanitário em matéria-prima para a polarização é o cúmulo da indignidade. A exploração política da lista de Gaza é a falência da decência.

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