O Pinheirinho evidenciou a submissão de
moradores a interesses ideológicos menos nobres do que o justo direito ao lar. A
Constituição prevê o direito à moradia e também o direito à propriedade. O
imóvel, em um Estado democrático de Direito, só pode ser desapropriado mediante
indenização prévia e justa, observado o devido processo legal. Ele não pode ser
arrancado do proprietário, seja quem for, para se transformar em moradia para
terceiros. Ele deve cumprir a sua função social, mas, com a falência, o falido
perde a sua administração.
Em 2004, quando a área foi invadida por
pessoas ligadas ao PSTU, o juízo da falência (18ª Vara Cível de São Paulo)
ordenou a desocupação. Um juiz de São José dos Campos suspendeu a ordem sem ter
poderes e solicitou ao presidente da República, ao governador e ao prefeito a
desapropriação. Desde 2004, nada foi feito. A possessória foi remetida em
definitivo a São José dos Campos e, após recursos, em outubro de 2011, foi
ordenada a desocupação.
O Pinheirinho vale R$ 500 milhões. Fora
gastos com infraestrutura e moradias. Como é muito caro, União, Estado e
município não o desapropriaram. Ninguém quis pagar a conta. Só discursar. A
União não interveio no processo nem indicou recursos. Foi apresentado um
protocolo de intenções do Ministério das Cidades para regularizar a área.
Intenções fluidas, não interesse jurídico. Nada se regulariza sem verba. A juíza
tentou acordos. A empresa construiria imóveis em outro local. Os líderes
recusaram. Queriam confronto: tinham os próprios interesses a
defender.
A Justiça Federal, com base em inepto pedido
de associação (a União jazia inerte), pretendeu paralisar a reintegração. Só o
Superior Tribunal de Justiça poderia fazê-lo. O Tribunal de Justiça não
reconheceu a teratológica ordem federal. Seu presidente, o desembargador Ivan
Sartori, recebeu parlamentares do PT e PSOL para buscar solução. Conversamos
longamente. Nada de concreto apresentaram. O juiz da falência, no dia 18 de
janeiro, não suspendeu a desocupação. Nem poderia: falência e possessória são
processos distintos. Sugeriu à magistrada que o fizesse, sem êxito. O que se
faria em 15 dias, sem desapropriação?
Alertei o senador Eduardo Suplicy e o
deputado Ivan Valente, que preferiram acreditar no que lhes era conveniente. O
planejamento evitou mortos e feridos graves pela PM. Frustrou quem pretendia
explorar politicamente cadáveres. Diante do confronto estimulado pelos líderes,
foi preciso retirar os ocupantes, que voltaram para reaver pertences, e
encaminhá-los para abrigos e programas sociais. Encaminhar quem precisava. Havia
invasor com cinco alqueires de área e outros que só exploravam, mediante taxa e
aluguel, pobres moradores. Havia um ponto de drogas na região,
cracolândia.
Ninguém compactua com abuso policial. Nem
com a cobrança de taxas pelos líderes, incitação à violência ou falsas notícias
de mortos para desqualificar a ação. O caso nos sensibilizou. Nós, juízes,
lidamos com os mais profundos dramas. Em um despejo por falta de pagamento,
porque é direito do locador reaver seu imóvel, o locatário não terá para onde
ir. Ao condenarmos alguém à prisão, sua família ficará ao desamparo. Podemos
descumprir a lei por esses motivos?
Dias antes da operação, sugeri ao juiz da
falência que parte do Pinheirinho fosse usada para quitar créditos federais
contra a falida. Falava-se em dezenas de milhões. Checamos: só havia um crédito
de R$ 311 mil. Não assentaria ninguém. Esse processo estava parado há cinco anos
por inércia da União! Pedi ao senador Suplicy que o advogado-geral da União
levantasse todos os créditos federais e me ligasse com urgência. Até hoje
aguardo a ligação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário