quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Obstrução e PEC anti-STF são face parlamentar dos golpistas de 8 de janeiro


Os deputados Domingos Sávio (PL-MG) e Pedro Lupion (PP-PR): o exercício do golpismo de 8 de janeiro, mas por outros meios. O objetivo e os valores são os mesmos

O terra-planismo legiferante tomou conta de parte do Congresso, sob o olhar cúmplice, quando não o estímulo, de alguns que deveriam, até por dever de ofício, investir na distensão. Está em curso uma verdadeira cruzada contra o STF que ainda ecoa as teses do arruaceiro e expressa a face maquiada do golpismo. Por quem batia o coração dessa gente no 8 de janeiro?

Vivemos a consequência — e sei lá se isso se conserta um dia — dos anos da "razia Bolsonaro". O Poder Executivo, sob a desordem do "capitão", foi reduzido a um monturo incompetente, cabendo ao Legislativo, então, estruturar algum eixo de governabilidade por intermédio da justaposição de interesses e do balcão que atendia a parlamentares e cartórios. Essa gente criou balda. Lula conseguiu recuperar parte do protagonismo para o Poder, mas vive com a faca no pescoço.

"Ah, é que o governo não dialoga com..." Vamos lá: não dialoga com quem? Os revoltados da hora, por exemplo, integram a chamada bancada ruralista, ou Frente Parlamentar da Agropecuária, para empregar um nome que esconde a garrucha — ou a 9 mm — no terno. A última graça dessa turma é obstruir votações porque se diz inconformada com a decisão do Supremo, que, por nove a dois, limitou-se a ler o que está na Constituição, a saber: inexiste marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A propósito: se existir, digam onde está.

PROJETO DE LEI

O Senado seguiu a Câmara e aprovou o projeto de lei que estabelece a Carta de 1988 como a referência de ocupação para eventual demarcação. Busca, assim, sobrepor a sua decisão à do tribunal. É evidente que o troço já nasce inconstitucional.

Um mínimo de razoabilidade, ainda que imprestável, ousaria ao menos uma PEC: "Se o STF afirma que o marco temporal é incompatível com a Lei Maior porque lá não está, então vamos muda-la". Seria um delírio manso. Entendo que persistiria a incompatibilidade com os Artigos 231 e 232. "Ué, mas não podem ser mudados?" Para cassar direitos fundamentais de um grupo já vulnerável? A resposta é "não!"

A Corte não deu um murro na mesa, dizendo um "demarque-se, e eventuais ocupantes não índios das áreas em disputa que vão caçar sapo". Comprovado o direito indígena, o ocupante de boa-fé — não o grileiro profissional — será indenizado. "Ah, mas isso não serve..." Lobistas fazem terrorismo, reproduzido por canalhas ou por idiotas, prevendo o apocalipse na agropecuária se não se impuser o marco temporal. Trata-se de uma soma de aberrações e mentiras.

Obstruir o andamento normal do Congresso, deixando de votar temas do interesse da população e do governo — que, afinal, tem de implementar políticas públicas — por quê? Lula manda na vontade dos magistrados? A suposição, que vejo ventilada aqui e ali, de que o Planalto seria a mão que move os ministros é um despropósito.

A FACE MAIS MANSA DO GOLPISMO

É claro que estamos diante do golpismo numa face, ou fase, mais mansa, mas ainda muito convicto. Alguém é abobado o suficiente para dissociar essa armação contra o STF dos processos que lá correm e das primeiras condenações dos arruaceiros? Como naquela música, o "caso não é de ver para crer; está na cara".

Na sexta passada, na minha última coluna na Folha, escrevi:

(...) Um novo surto de estupidificação, também a sincera, está em curso e tem como alvo o Supremo, justamente o ente que decide o destino dos golpistas. É retaliação. Infelizmente, até uma figura sempre ponderada, como Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, houve por bem disputar o coração dos dinossauros.

Evitei acima uma palavra, recusando o clichê "corações e mentes". Como ensina Francisco Torrinha, no "Dicionário Latino Português", "mens, mentis" designa "o princípio pensante", o "espírito", "a inteligência". E não reconheço tais manifestações na "devastidão" — termo que se esqueceu de acontecer — bolsonariana. "Devastação" não expressa a razia havida. O senador resolveu dar pipoca à ignorância. Patrocina uma PEC que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga. Quer, assim, fazer frente a um STF que estaria a legislar no caso da maconha. A iniciativa ficaria bem num Tiranossauro Rex a se fingir de herbívoro boa-praça. Advogado, ele sabe que os presídios estão abarrotados de jovens, pretos e pobres em razão da aplicação porca de uma lei ruim. Se sua PEC prospera, tudo piora. Quem dá bola, senhor, para "a lágrima clara sobre a pele escura"?

Há outra ação que mira o tribunal: o projeto de lei que define a Constituição de 1988 como o ano de referência para a demarcação de terras indígenas. O texto já foi aprovado pelos deputados. É grande o risco de ser piorado pelos senadores. Leiam o conjunto dos direitos assegurados àquela população e constatarão que a limitação temporal é inconstitucional. Uma lei não se sobrepõe à Carta.

Na Câmara, ensaia-se a tentativa de tornar ilegais futuras uniões homoafetivas, matéria já julgada pela corte. Não vai prosperar, eles sabem. O "Deputado Pastor Sargento" Isidório (Avante-BA) acredita ter a síntese definitiva sobre o caso: "Todo mundo sabe da minha fala clássica de que, é uma fala, inclusive, universal: o homem nasce como homem, com binga, portanto, com pinto, com pênis. Mulher nasce com sua cocota, sua 'tcheca', com sua vagina, mesmo com o direito à fantasia. Homem, mesmo cortando a binga, não vai ser mulher. Mulher, tapando a cocota, se for possível, não será homem, todo mundo sabe". O "Peçanha da genitália alheia" resolveu fazer sombra ao poeta Eliot na definição do que é um clássico...

Segue a sanha dos reaças contra o tribunal. O ódio aos ministros aumentou com a volta, vitoriosa, de Lula ao jogo eleitoral, com a resistência oferecida às sandices do biltre durante a pandemia e com a disposição de punir o golpismo. Nove meses depois daquele 8 de janeiro, dar corda e cartaz ao primitivismo mais abjeto sob o pretexto de enfrentar o ativismo dos magistrados é apostar na "devastidão" em que o "Deputado Pastor Sargento Isidório" nos revela o seu pensamento "clássico" e "universal" sobre binga e pepeca. É esse o caminho, Pacheco?

CORTE REVISORA?
Como loucura pouca é bobagem, celerados resolveram colher assinaturas para apresentar uma PEC que daria ao Congresso o poder de revogar decisões do STF por três quintos dos votos de cada Casa.

Como inexiste matéria que esteja livre da apreciação do Judiciário, seria o próprio tribunal a declarar a inconstitucionalidade da maluquice. E aí? Responderia o deputado Domingos Sávio (PL-MG), que resolveu ser o orador da turma: "Ora, a gente derruba a decisão!"
Continua após a publicidade

Assim, vejam que obra de gênio!, teríamos a primeira ditadura verdadeiramente parlamentar do mundo. A sensacional proposta consistiria em acrescentar um novo inciso ao Artigo 49 da Carta, que trata das competências do Congresso. De fato, o Inciso V lhe confere a faculdade de "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa". Mas também isso está sujeito à apreciação da corte constitucional.

SUPREMÃO DO SUPREMINHO?
"A PEC assegura de maneira mais clara o que a Constituição já diz. Ela deixa claro o artigo 49, que relata quais são as competências do Congresso Nacional, não se mexe nas competências do STF nem nas do Executivo", disse Sávio após reunião na FPA nesta terça. "O Congresso poderá, por maioria constitucional, sustar os efeitos de decisão transitada em julgado no STF que tenha extrapolado os limites constitucionais". Que homem singelo!

E quem decide se houve ou não a extrapolação? Ora, os valentões. Eles se tornariam, pois, o Supremão do Supreminho.

Pedro Lupion (PP-PR), o presidente do Frente Parlamentar da Agropecuária, reflete:
"Dados os acontecimentos da última semana em relação ao julgamento do marco temporal no STF e a usurpação de competências do Poder Legislativo, suscitaram algumas reuniões, algumas composições de frentes parlamentares e grupos dentro do Congresso à reação dessa invasão de competências".

Os golpistas, arruaceiros e terroristas não conseguiram destruir o Judiciário. Sávio e Lupion, pelo visto, se oferecem para fazê-lo. Qualquer coisa, restará chamar as Forças Armadas como Poder Moderador, não é mesmo? Vai além do ridículo. Trata-se de mais um movimento para intimidar o STF.

ENCERRO
A bancada ruralista está sabotando o governo que apresentou o maior Plano Safra da história. Esses caras já não falam como representantes de um setor da economia. Têm a ambição de impor "diktats" aos outros dois Poderes. Ao contrário do que dizem, não querem um país crescendo em paz; buscam a guerra. Adivinhem por quem estavam torcendo naquele 8 de janeiro...

Arthur Lira (PL-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado assistem de camarote ou participam do festim liberticida?

Fiquem atentos ao colunismo filogolpista. Daqui a pouco a corja começa a dizer que o Supremo está mesmo exagerando...

Nenhum comentário: