segunda-feira, 11 de setembro de 2023

O 'drible da vaca' de Bitencourt; Cid preferiu sua liberdade à de Bolsonaro


'Cézar Bitencourt, advogado de Mauro Cid (no destaque), e o "drible da vaca" de Pelé, dado contra o goleiro uruguaio na Copa de 70. O "Rei" não marcou. Bitencourt pode não ser o Pelé dos criminalistas, mas encaçapouImagem: Reprodução

A delação do tenente-coronel Mauro Cid não surpreendeu aqueles que prestavam atenção ao que estava em curso: era muito depoimento para uma simples confissão. Parecia evidente, a quem acompanhava o procedimento, que a colaboração premiada estava a caminho.

O que se pode dizer, com certeza, é que a escolha feita pelo militar surpreendeu Jair Bolsonaro e seu entorno. Dava-se como certo Cid era "fiel". Mas quais eram as condições dessa "fidelidade"?

Vocês se lembram do chamado "drible da vaca" que Pelé aplicou no goleiro uruguaio na Copa de 70? Foi um dos gols mais espetaculares que ele não fez. A bola sobrou à sua frente, ele viu sua trajetória, nem tocou na pelota, deu um drible de corpo fingindo que iria para um lado, foi para o outro, encontrou-se com a dita-cuja às costas do defensor e chutou. Não fez o gol.

Lembrança à margem: na mesma Copa, aí contra a Tchecoslováquia, Pelé percebeu o goleiro avançado e deu um chute do círculo central. E, por um capricho do destino, a bola não entrou. Alguns dos gols mais belos da história são de Pelé. Alguns dos mais belos, mas que esqueceram de acontecer, também.

Cézar Bitencourt, advogado de Cid, deu o seu "drible da vaca". No jogo de corpo, fez que sairia por um lado e saiu pelo outro. Pode não ser o Pelé do direito, mas marcou o gol. Negou que faria a delação -- e, claro!, não lhe cabia mesmo contar quais seriam os seus passos -- e acabou celebrando o acordo.

E, então, devemos nos voltar para Jair Bolsonaro. Cada um faça o que quiser, mas se pode questionar a eficácia de determinadas escolhas. Sua defesa parece errática. Ora as joias não são dele e, orgulhosos, dizem: "Entregamos ao TCU". Ora são, e as pedem de volta já que seriam "presentes personalíssimos".

Mas o que nunca mudou na defesa de Bueno? A afirmação de que ele próprio, Bolsonaro, não tinha controle sobre o destino dos presentes dados ao Brasil. Evidentemente, Cid percebeu que o seu antigo chefe o havia largado ao relento.

Ainda que, no processo de confissão, ele afirmasse o óbvio -- "cumpria ordens" --, o fato é que, sem fornecer elementos novos a respeito dos múltiplos crimes de que é acusado e de como isso se articulava com a chefia, teria uma pesada e passaria uns bons anos em regime fechado.

Mesmo alegando obediência devida, sabia, e também não o ignorava seu advogado, que o cumprimento de uma ordem que sabidamente é criminosa não alivia aquele que a executou.

Com a delação, Cid pode aspirar até ao perdão judicial. Também é possível aliviar 2/3 da pena. No seu caso, significa a diferença, na hipótese menos benevolente, da diferença entre regime fechado e semiaberto -- que, na prática, é aberto no Brasil

Parece que Bolsonaro e sua defesa se esqueceram de que o ex-ajudante de ordens tem vida própria, família e é jovem o bastante para tentar recomeçar. Sua carreira no Exército chegou ao fim. A única coisa aceitável é a expulsão caso não peça para sair. Em qualquer hipótese, não perde a remuneração, saibam.

"Ah, mas quem confessa também não tem benefícios?" Sim. O juiz leva em conta na dosimetria da pena. Num acordo de delação, no entanto, os benefícios são maiores.
Bolsonaro está acostumado a jogar alguns de seus parceiros de trajetória ao mar. Vejam o caso de Gustavo Bebianno, chutado do governo logo nos primeiros dias. Lembrem-se da penca de generais da reserva demitidos, todos submetidos a humilhações públicas. Olhem o tratamento dispensado agora a Carla Zambelli e, antes, a Joice Hasselmann

Mauro Cid não quis ser mais um. Com a diferença de que passaria uns bons anos na cadeia.

Bitencourt não é conhecido como um entusiasta das delações premiadas, o que facilitou o "drible da vaca". Cid preferiu a própria liberdade à liberdade daquele que já o tinha abandonado.

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