quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Barroso: STF 'iluminista' pode julgar à revelia do Congresso



Dono de uma personalidade jurídica progressista, Luís Roberto Barroso defende teses e valores que provocam ojeriza na oligarquia política. Alheio à acusação de que o Judiciário tornou-se ativista, o novo presidente do Supremo Tribunal Federal avalia que a Corte pode, sim, exercer o que chama de papel "iluminista", "independentemente da vontade do Congresso e mesmo contra a maioria popular, para proteger minorias e avançar a história."

Como exemplo do iluminismo judicial, Barroso menciona "o julgamento que equiparou as uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais, abrindo caminho para o casamento entre pessoas do mesmo sexo." A essência do pensamento do ministro foi borrifada nas 271 páginas de "Sem Data Venia", livro que lançou em 2020, pela editora História Real. Tudo o que se atribuirá a Barroso abaixo, entre aspas, foi extraído de sua obra.

Além das atribuições inspiradas no Iluminismo, Barroso atribui a cortes constitucionais como o Supremo outros dois papeis. Ambos sujeitam os magistrados a incompreensões políticas:

1) "O [papel] contramajoritário, que é o apelido que se dá no Direito constitucional ao fato de que juízes não eleitos podem invalidar decisões do Congresso ou do presidente. Foi o que ocorreu, segundo Barroso, quando "o Supremo considerou inconstitucionais os dispositivos legais que impediam a publicação de biografias não autorizadas."

2) "O representativo, que é o papel que as Cortes exercem quando atendem a demandas sociais que tinham amparo na Constituição, mas não foram satisfeitas a tempo e à hora pelo Congresso Nacional." Por exemplo: "A decisão que derrubou, por inconstitucional, o modelo mafioso de financiamento eleitoral que vigorava no Brasil."

Barroso anota que, "como regra geral, decisões políticas devem ser tomadas por quem tem voto. Nessa linha, se o Congresso tiver atuado, editando uma lei, a postura do Judiciário deve ser de contenção, de deferência para com o Parlamento".

O ministro realça, entretanto, que, "nas situações em que o Congresso deveria ter atuado, mas não quis ou não conseguiu, por falta de consenso mínimo, o quadro se modifica." Sobretudo se estiver em jogo "um direito fundamental que dependa, para ser exercido em plenitude, de uma providência legislativa" sonegada pelo Congresso.

Refletindo sobre o princípio da separação de Poderes, Barroso avalia que, num "modelo idealizado", os "juízes não criam o direito, mas se limitam a aplicar a Constituição e as leis, que são obras de agentes políticos eleitos para esse fim." Mas o ministro pondera: "Para muitas situações da vida, inexiste uma clara e prévia decisão política do constituinte ou do legislador definindo a solução a ser adotada."

Quando não há uma fórmula legislativa para a resolução de determinado problema, escreve Barroso, "é o próprio juiz que tem que elaborá-la, o que o torna coparticipante do processo de criação do direito. Nesse caso, a linha divisória entre política e direito deixa de ser nítida, porque essa função criativa do juiz sempre terá uma natureza política."

Para Barroso, julgamentos que envolvem "direitos fundamentais —como liberdade de expressão, liberdade religiosa, proteção de minorias—, ou defesa da democracia —impedir o prolongamento de um modelo de financiamento eleitoral que gerou sucessivos escândalos de corrupção— podem legitimar um comportamento mais ativista" do Supremo.

Barroso lamenta algo que foi festejado por oligarcas da política e do empresariado: a decisão do Supremo que reverteu a regra que permitia a prisão de corruptos condenados em segunda instância. Sem essa regra, avalia o ministro, processos criminais se eternizam até a prescrição, "dando salvo-conduto aos ladrões de casaca."

Barroso defende a descriminalização do aborto: "Tratar a interrupção da gestação como crime, nas primeiras semanas de gravidez, afeta, sobretudo, as mulheres pobres, que não têm acesso a médicos e clínicas particulares." É defensor do casamento homoafetivo: "O que vale na vida são os nossos afetos. Impedir uma pessoa de colocar o seu amor e a sua sexualidade onde mora o seu desejo é privá-la de uma dimensão essencial de sua existência."

O ministro defende a liberação das drogas: "Há décadas se pratica no Brasil o mesmo tipo de política de enfrentamento contra as drogas. Polícia, armamentos, mortes e muitas prisões. Não é preciso ser expert no assunto para reconhecer o óbvio: não tem dado certo."

Novo dono da pauta do Supremo, o sucessor de Rosa Weber provoca reações que talvez o forcem a retardar a conclusão de julgamentos que gostaria de apressar. Entre eles o que trata da descriminalização do aborto até o terceiro mês de gravidez e o que impede a prisão de consumidores de maconha.

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