sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Bolsonaro será preso já? Depende! Por ora, só depois do trânsito em julgado



Tudo indica que Jair Bolsonaro reuniu os respectivos comandantes militares no fim do ano passado, depois da vitória de Lula, para conversar sobre a possibilidade de uma intervenção militar. O nome que isso recebe é "golpe de Estado". Ele vai ser preso amanhã? Não. Mas vai para a cadeia.

Noto, no entanto: é claro que ele pode decidir, nesta fase, cometer algum crime novo relacionado às investigações que estão em curso. Se assim acontecer, estará incorrendo no Artigo 312 do Código de Processo Penal. E, em nome da ordem pública ou, sei lá, da ordem econômica, pode acordar atrás das grades. Depende dele. Não acredito que seja tolo o bastante para correr esse risco. Quando, no entanto, nos referimos a este senhor, somos tentados a achar que tudo pode acontecer. Ou será que, de malucão, ele só tem o jeitão, como acredito? Suponho que, desta vez, sua defesa lhe tenha dito que a barra pesou.

Lembro, antes que avance, o que dispõe o Artigo 312 do Código de Processo Penal sobre a prisão preventiva. Leiam com atenção:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

Assim, por ora, afirmo: só será preso se resolver testar as instâncias da Justiça com delitos novos. Aí é com ele. Os dados revelados pela reportagem de Aguirre Talento, do UOL, e pela coluna de Bela Megale, no Globo, são de extrema gravidade. Se for tudo mentira, tem-se muito barulho por nada. Mas alguém minimamente razoável aposta nisso? Acho que não.

SINAIS

A entrevista concedida por Bolsonaro, no dia 11, a Mônica Bergamo, na Folha, dava pistas de uma grave tensão. Tão logo a jornalista ligou o gravador, ele desandou a falar, antes mesmo que lhe fosse feita a primeira indagação. E jurou que jamais investiu em alguma coisa parecida com golpe de Estado. Sempre, asseverou, ficou dentro das tais "quatro linhas", a metáfora mais aborrecida da história da humanidade para se referir à Constituição.

Eis aí. Então era mesmo a questão do golpe o que o assustava.

Acrescente-se ainda: depois de fazer elogios a Mauro Cid, disse que só a invencionice poderia ligá-lo a qualquer tentação disruptiva. Para todos os efeitos, rasgou elogios a seu ex-ajudante de ordens e assegurou que este não participava de suas conversas com a cúpula militar, até por uma questão de hierarquia... Convém lembrar: o próprio entrevistado evocou tal circunstância. A pulga estava atrás da sua orelha. Parece-me que, antes mesmo de virem a público alguns detalhes da delação de Mauro Cid, o próprio Bolsonaro intuiu qual era o caminho mais curto para a cadeia. Virá, sim, depois do trânsito em julgado. Mas convém lembrar o 312 do CPP, como já adverti..

Vocês sabem avaliar o noticiário. A defesa de Bolsonaro obviamente negou que o tal encontro tenho acontecido. Sim, o então presidente derrotado manteve encontro sigiloso com os comandantes militares. E também com Felipe Martins, aquele militante de Internet que, espantosamente, virou assessor internacional de um presidente da República... Já causou sensação no Senado ao fazer um gesto com as mãos que simboliza o "White Power". Disse que só estava ajeitando o terno. A Justiça Federal acreditou nele.

Cid teria dito em sua delação que foi justamente Martins a levar para a reunião a minuta de um golpe, em companhia de um padre — Deus nunca pode faltar nessas horas — e, vejam vocês!, de um "jurista"! Não saberia dizer, até onde se apurou, seus respectivos nomes. Se é o mesmo documento encontrado com Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e que lhe rendeu uma preventiva, isso ainda não está claro.

DESMENTIDO E PROVA INDICIÁRIA

Insisto: vocês sabem ler o noticiário. E, se notaram, não há um desmentido peremptório, a não ser, claro!, o da defesa de Bolsonaro. Afinal de contas, dizer o quê? O ex-presidente não tem como fazer um acordo de delação premiada... Neste ponto, cumpre indagar: basta delatar e ponto, já se tem a prova?

Não. O Pacote Anticrime de 2019 introduziu o Artigo 3º A na lei 12.850. Lá está escrito:

"Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos".

A delação de um só não é prova; é o marco inicial para se chegar a ela. Se Mauro Cid realmente afirmou o que, tudo indica parece mesmo ter afirmado, é cereto que isso vai ter de ser investigado, e os presentes à reunião terão de ser ouvidos. Nesse caso, cabe indagar: "Mas só mesmo uma gravação da reunião seria a prova provada?"

A resposta é "não!". O conjunto das circunstâncias pode eliminar dúvidas razoáveis de que o crime tenha acontecido. Para tanto, concorrem desde as evidências de que encontros fora da agenda se deram como testemunhos. Desde 1941, o ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no Código de Processo Penal, traz o fundamento da prova indiciária. Cumpre lembrar o que dispõe o Artigo 239 do CPP:

"Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias."

Se Jair Bolsonaro levou aos comandantes militares -- Almir Garnier Santos (Marinha), brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr. (Aeronáutica) e general Marcos Antônio Freire Gomes (Exército) -- a proposta de uma intervenção, ao arrepio da Constituição, é claro que ele cometeu crimes graves. Se as circunstâncias apontarem que foi assim mesmo, dois crimes graves lhe podem ser imputados: tentativa de abolição do estado de direito e de golpe de estado. Transcrevo:

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

Ainda que, a esta altura, parecesse desnecessário dizer, observe-se que a lei pune a tentativa de rompimento do estado de direito e de golpe. É uma questão lógica: não haveria como se punirem os atps consumados porque, nessa hipótese, os bandidos seriam os vitoriosos, e seriam eles a se impor aos mocinhos, não é mesmo? Pelo topo, os dois crimes rendem 20 anos de cadeia. Ocorre que a ficha corrida de Bolsonaro não para aí. Que não seja tentado a fugir. Se malsucedido, também rende preventiva, segundo o Artigo 312 do CPP.

E o almirante Garnier, que teria colocado a sua tropa à disposição para a aventura golpista? E Martins, o tal que teria ajudado a formatar a minuta? Aparecendo as provas propriamente ou "a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias", bem, se for assim, têm de ser enquadrados nos mesmos artigos do Código Penal.

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