terça-feira, 26 de setembro de 2023

Bolsonaro na CPMI seria um erro; faria o discurso da vítima. Até choraria



Em política, assim como na vida, é preciso tomar muito cuidado para não dar um tiro no pé, para não ser contraproducente — isto é, para não fazer coisas cujo resultado é contrário àquilo que se pretendia inicialmente. Assim seria com a eventual convocação do ex-presidente Jair Bolsonaro para depor na CPMI do 8 de Janeiro. Alguém ainda tem paciência para um lobo a se fingir cordeiro?

Desde que foi derrotado por Lula, o cara está sem uma audiência nacional, à parte duas milícias digitais. A cadeira de depoente seria uma oportunidade formidável para voltar a dizer aquelas barbaridades com que ele emporcalhava o país cotidianamente ao tempo em que usurpava a Presidência da República.  "Usurpava, Reinaldo Azevedo?" Sim! Tratei do assunto no meu artigo anterior. Leiam lá um dos sentidos da palavra. Sigamos.

Os outros

Que outros à sua volta tenham que ser chamados, bem, disso não tenho a menor dúvida. Na terça, será a vez do general Augusto Heleno. Era o ministro do GSI no governo anterior e teria se reunido, ao menos segundo o que vazou da delação de Mauro Cid, com o então presidente e comandantes militares para tratar de um golpe de Estado.

Mais: Heleno fora o chefe da equipe que atuou — quer dizer: não atuou — naquele 8 de janeiro. O general Gonçalves Dias não havia trocado ninguém. Assim, tem de ir. Também o general Braga Netto deve comparecer na semana que vem. Foi o vice na chapa derrotada. Tinha sido ministro da Defesa.

Almirante Almir Garnier está na lista, e me parece imperativo fazê-lo. Ele teria sido o único dos comandantes militares a condescender com a quartelada. Também me parece inescapável que Paulo Sergio Nogueira, então ministro da Defesa, seja obrigado a ir.

Filipe Martins, ex-assessor internacional, está na mesma situação. Não vejo como dispensá-lo. Consta que teria levado à reunião a minuta da intervenção militar, além de um "jurista" e de um padre...

E por que não o Coiso? Huuummm... A extrema direita tentou fazer um evento neste fim de semana em Minas. Foi um mico. Os governistas vão lhe dar o palanque que não consegue por conta própria?

O lugar da vítima

É claro que os democratas, aqueles que estão indignados com as revelações, poderiam até submeter o biltre a eventuais constrangimentos. Mas notem: ele também teria lá a sua tropa para fazer barulho. Há quanto tempo essa gente só fala para a própria bolha?

Os bolsonaristas país afora vão querer ouvir o seu líder. Mas ele atingirá também neutros e não convictos. O país vai parar para ver o troço. E nós sabemos do que o sujeito é capaz. Esse cara praticamente liderou o movimento antivacina, no começo da pandemia, estando na Presidência da República. E continuou a desestimular a imunização depois. Opôs-se ao distanciamento social, mesmo com a doença matando milhares por dia. Fez a divulgação de drogas sabidamente inúteis para combater o vírus e ordem a sua produção e distribuição. E não mudou de ideia nem depois de 700 mil mortos.

Não se pode partir do princípio de que o golpista se deixe intimidar, seja pelos fatos, seja pelo bom senso. Isso não acontece. E há muita gente que quer ouvi-lo justamente por isso.

Ele já está sendo investigado pela Polícia Federal, e o foro é o Supremo. Impune não ficará. Uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, como diz o nome, tem natureza política. "Ah, então quer dizer que a investigação também é manipulada?" A do MST, por exemplo, foi. Quando se tem decência, é preciso convocar pessoas que realmente contribuam para elucidar fatos. É preciso tomar cuidado para evitar os produtores de obscurantismo.

O que se espera que diga? "Ah, de fato, eu chamei uma reunião com os comandantes militares e eu queria realmente jogar as urnas no lixo..." Não vai acontecer.

Talvez peça habeas corpus para ter o direito de se calar em determinadas situações. Mesmo que não o faça, tem como se esgueirar. Nós não veríamos aquele ser malcriado, bocudo, que xingava todo mundo. Não vai aparecer aquele que gritou para o STF: "Chega, porra!" Não!

Ele iria ao palco da apuração parlamentar para desempenhar o papel da vítima. Servira para se dizer perseguido. Se derem a chance, vai chorar e contar as agruras que estaria passando com Michelle e para reiterar que sempre andou nas tais quatro linhas.

Conhecem a máxima de que não se deve jogar xadrez com pombo, né? Ele não ganha de você, mas você também não ganha dele. Sai voando, derruba as peças e ainda faz cocô no tabuleiro.

Não deem a chance de Bolsonaro aparecer como aquilo que nunca foi: vítima.

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