domingo, 17 de setembro de 2023

Brasil passa a ver militar como político típico, indica Datafolha



Militarizar a política foi fácil. Difícil será desbolsonarizar os militares. Segundo o Datafolha, seis em cada dez brasileiros (61%) acreditam que as Forças Armadas meteram-se em irregularidades durante os quatro anos da Presidência de Bolsonaro. A reversão de uma urucubaca tão disseminada exige mandinga mais forte do que o lero-lero segundo o qual é preciso "separar o joio do trigo".

O 8 de janeiro vai ao verbete da enciclopédia como um golpe pifado porque, no varejo, Bolsonaro não dispunha do apoio do "meu Exército." No atacado, também não contava com as "minhas Forças Armadas." Mas não há dúvida de que parte do oficialato alistou-se na milícia bolsonarista.

Há mãos fardadas em todas as cumbucas de Bolsonaro —da trama golpista ao comércio de joias; da pazuellização da Saúde à falsificação de cartões de vacina; do ataque sistemático ao sistema eleitoral às visitas do hacker de Araraquara à pasta da Defesa.

Ao testemunhar em silêncio as extravagâncias de Bolsonaro, a banda muda do Alto-Comando das Forças Armadas flertou com o risco. O sentimento foi plenamente correspondido pelas multidões que acamparam na porta dos quarteis para pedir intervenção militar por quase três meses.

Os militares merecem a má fama detectada pelo Datafolha, pois deixaram-se cavalgar por um capitão que foi expurgado do Exército pela porta de incêndio de uma carreira em chamas. Bolsonaro foi acusado de planejar a explosão de uma bomba numa adutora, no Rio de Janeiro.

Em dezembro de 2018, antes da posse de Bolsonaro, ganhou as manchetes um personagem radioativo: Fabrício Queiroz. O operador de rachadinhas abrigara na folha do gabinete do primogênito Flávio Bolsonaro até familiares do miliciano Adriano da Nóbrega. Realizara depósitos na conta de Michelle Bolsonaro.

Ignorando todos os sinais, os generais subordinaram-se a um capitão que Ernesto Geisel, o ditador que começou a desmontar a ditadura, definira como "um mau militar".

Quase quatro décadas depois do fim da ditadura, a vida pública reduziu-se novamente a uma dimensão de caserna. Altas nomeações políticas passaram a depender da confiança num antigo companheiro de guarnição. Sob Bolsonaro, o Estado tornou-se quartel.

O pedaço da caserna que viu em Bolsonaro a chance de substituir-se novamente à sociedade para "salvá-la do comunismo" deu à ala do quartel que manteve os pés na democracia uma péssima fama. É natural que o brasileiro agora tenha dificuldades para distinguir general de generalidades.

Hoje, imagina-se que as desculpas esfarrapadas das Forças Armadas não conseguirão vestir nem 5% dos segredos que o tenente-coronel Mauro Cid incluirá na sua delação. Aos olhos da população, os militares ficaram muito parecidos com um típico político brasileiro —grosso modo falando.

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