sábado, 9 de setembro de 2023

Ao premiar Fufuca sem punir Juscelino Lula ignora o óbvio



Um presidente da República é as escolhas que ele faz. Como qualquer ser humano, o presidente está sujeito a equívocos. E não são os erros que arruínam uma Presidência, mas o modo como o presidente age depois de cometê-los. Lula concluiu nesta semana a mexida no seu ministério.

Ao premiar o centrão com novos cofres na Esplanada sem afastar das arcas da pasta das Comunicações Juscelino Filho, um ministro sob investigação da Polícia Federal e com bens bloqueados pelo Supremo, Lula subverteu o provérbio. Mostrou que é errando que se aprende... a errar.

No poder desde a chegada das caravalas, o centrão não tem piedade de nenhum governo. Mas Lula deveria ter compaixão pelo contribuinte brasileiro. Em março, quando já estava claro que a nomeação de Juscelino fora um erro crasso, Lula declarou: "Se ele não conseguir provar a inocência, ele não pode ficar no governo". Após ouvir o ministro, o presidente o manteve no cargo.

Decorridos cinco meses, as investigações da PF fizeram de Juscelino um inocente muito parecido com as virgens de Sodoma e Gomorra. Lula deu de ombros para os achados da polícia. Simultaneamente, entregou o Ministério dos Esportes a André Fufuca e a pasta dos Portos e Aeroportos a Silvio Costa Filho.

A troca de Ana Moser, uma medalhista olímpica sem filiação partidária, por Fufuca, um zagueiro do PP de Arthur Lira, evoca uma passagem do livro de memórias de Fernando Henrique Cardoso. Nela, o ex-presidente tucano contou experiência amarga que viveu em 26 de abril de 1996. Espremido pelo centrão, aceitou desalojar Dorothea Werneck, uma técnica de mostruário, do Ministério da Indústria e Comércio.

"Hoje foi talvez o dia mais difícil, o mais duro para mim", escreveu FHC. "Fui à casa da Dorothea. Eu tinha que ir. Eu me emocionei, ela chorou, eu também. Ela acha que estamos fazendo um pacto com o Diabo." Lula provavelmente não leu o livro de Fernando Henrique. Nem precisava.

O PP de Lira estrelou o escândalo do petrolão. Foi um dos principais sócios do petismo no saque à Petrobras. Ao ignorar o próprio passado, Lula 3 tropeça no óbvio e passa adiante, fingindo não notar que o óbvio é o óbvio. Com tanto desprezo pelo óbvio, Lula como que sinaliza que, para obter o apoio do centrão bolsonarista, está disposto a renovar o pacto com o Tinhoso.

Ironicamente, o centrão colocou um pé no governo sem retirar o outro da oposição. Braço partidário da igreja bolsonarista do bispo Edir Macedo, o Republicamos, legenda de Silvio Costa Filho, apressou-se em soltar nota para informar que "não fará parte da base do governo e seguirá atuando de forma independente".

Embora convidado, Arthur Lira preencheu com sua ausência uma lacuna reservada à presidência da Câmara no palanque de autoridades do 7 de Setembro. Foi como se recordasse a Lula que a conta não foi fechada. O condestável do centrão aguarda pela entrega da Caixa Econômica Federal. Seu correligionário Ciro Nogueira, ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro e presidente do PP, fez troça nas redes sociais.

Numa postagem escrachada, Ciro Nogueira anotou que Lula "desfilou para ninguém" no Dia da Pátria. Escreveu: "7 de Setembro sem Jair Bolsonaro é como Fórmula 1 sem Ayrton Senna".

Ou seja: Lula pagou no atacado e à vista por um apoio legislativo que terá que renegociar no varejo a cada nova votação de interesse do seu governo. O centrão sinaliza que, a despeito da meia-sola ministerial, o Planalto mastigará no Congresso o pão que Asmodeu amassou.

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