quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Decisão sobre Odebrecht é um passo; falta muito; Moro na origem das provas


Ministro Dias Toffoli faz a coisa certa no caso dos absurdos perpetrados pela Lava Jato no acordo de leniência da Odebrecht

A decisão do ministro Dias Toffoli, que determinou a anulação das provas obtidas no âmbito do acordo de leniência da Odebrecht, representa mais um triunfo do estado de direito sobre a arbitrariedade. Parte da reparação já está em curso e também tem sua origem no STF: a anulação das condenações de Lula por incompetência do juiz e a declaração de suspeição de Sergio Moro. É pouco. É muito pouco para o tamanho do estrago.

Na sua decisão, Toffoli observou que o acordo de leniência da Odebrecht, dado o modo como se operou, não foi um ao isolado, um desvio eventual num conjunto de condutas retas e legais. Ao contrário: trata-se apenas de um emblema de um projeto de poder capitaneado por agentes públicos, incrustrados na Justiça e no Ministério Público. E, por óbvio, é preciso que se apurem as responsabilidades nas esferas administrativa, cível e criminal.

Há um aspecto nisso tudo que poderia ser classificado, recorrendo a um jargão, como "ironia da história". O início desta decisão está, indubitavelmente, na chamada "Vaza Jato". As conversas entre membros da Lava Jato e do então juiz Moro com o à época coordenador da operação, Deltan Dallagnol, apontavam para o conluio entre os respectivos representantes do órgão julgado e do órgão acusador.

A primeira reação dos envolvidos, para crença de ninguém, foi afirmar que se tratava de uma armação, insistindo em que não havia como evidenciar que as conversas eram verdadeiras. Eram. Mas Moro, então "condottiere" da Justiça e Segurança Pública, foi determinar a caça aos "hackers". E determinou, então, depois de breve viagem aos EUA — não se sabe até hoje para quê —, a deflagração da Operação Spoofing.

O nome tem lá a sua graça. Em "tecnologês" designa uma falsificação que busca dar aparência de verdade ao que é falso. A ideia é que o conteúdo capturado por Walter Delgatti era uma armação contra os patriotas da Lava Jato... Acontece que o que havia chegado às mãos do "The Intercept Brasil", depois compartilhado com parceiros da imprensa em múltiplas reportagens, era apenas uma parte ínfima do que a Polícia Federal colheu na referida operação. E, no entanto, os veículos de comunicação e jornalistas — fiz parte do grupo — já constataram uma soma de aberrações legais.

Mas elas eram estupidamente maiores. No afã de calar os críticos e de tentar provar uma armação que nunca existiu entre o PT, parte da imprensa e os hackers, Moro contribuiu para criar uma fantástica montanha de provas contra si mesmo, contra a operação e contra seus parceiros de Ministério Público. É o chamado tiro que sai pela culatra, recorrendo a um clichê. A outra metáfora não posso empregar aqui.

Toffoli determinou uma série de providências em várias instâncias. Dado que crimes foram obviamente cometidos — ou as provas estariam sendo anuladas, certo? —, é claro que aqueles que os cometeram terão de responder à Justiça. "Ah, isso significa que nada de também criminoso se fez na Petrobras etc?" Isso é a indagação retórica a que os Moros e Dallagnois recorrem para tentar engabelar a opinião pública.

Não. Não significa. Mas é certo que não se deve recorrer a uma arquitetura também criminosa para combater malfeitos. Tanto pior quando esta se arma de objetivos evidentemente políticos. Não por acaso, as duas principais personagens daquela armação se tornaram políticos, militantes das hostes da extrema-direita. Dallagnol já foi cassado; Moro ainda será.

Estavam certos aqueles poucos que se opuseram, desde sempre, à Lava Jato, notando que ela abusava de expedientes extralegais. Com orgulho, estou entre eles. Paguei um preço altíssimo, sim, porque virei alvo da canalha. Perdi dois empregos por isso. Mas, para a tristeza da malta, estou muito melhor do que antes. Nem sempre quem está certo acaba tendo tempo de contestar a versão se ajustando ao fato. Nesse caso, acontece.

PARA LEMBRAR
Há uma ADPF no Supremo questionando os acordos de leniência porque feitos sob coação. A ação foi impetrada pelo PSOL, PcdoB e Solidariedade. Transcrevo trecho de post que já escrevi a respeito:

O que é que as três legendas peticionaram ao Supremo, em ação liderada pelo escritório Warde Advogados, com o concurso de Maimoni Advogados Associados e Oliveira, Moraes & Silva, Advogados? Deixemos que fale o próprio pleito, transcrevendo um trecho do documento:
(i) suspender, liminarmente, a eficácia das obrigações pecuniárias (indenizações e multas) impostas em todos os acordos de leniência celebrados entre o Estado e empresas investigadas durante a Operação Lava Jato, antes da celebração do ACT, em 06.08.2020;
(ii) obter, do Supremo, a fixação de interpretação conforme a Constituição da Lei no 12.846/2013 e do Decreto no 11.129/2022, afastando, de uma vez por todas, a hermenêutica punitivista e inconstitucional do lava-jatismo, garantindo, nesse particular, a presença, no âmbito federal, da Controladoria-Geral da União ("CGU") como proponente ou órgão de controle, enquanto centro racionalizador do agir estatal, para a celebração de acordos desse gênero;
(iii) fazer com que se reconheça, em sede de jurisdição constitucional, que os acordos foram pactuados em situação de extrema anormalidade político-jurídico-institucional, mediante situação de coação e, portanto, sob um Estado de Coisas Inconstitucional ("ECI"); e, por fim,
(iv) possibilitar a revisão de tais acordos à luz dos critérios a serem fixados pelo Supremo Tribunal Federal mediante julgamento desta ADPF.

NÃO É ANULAÇÃO DE ACORDO. E O "ACT"
Como se lê, jamais se pretendeu anular os acordos. O que se pleiteia é que sejam revistos, reconhecendo-se que as circunstâncias em que foram celebrados estavam marcadas por excepcionalidades que ferem disposições e garantias constitucionais.

A ADPF se refere a todos os acordos? Não! Apenas àqueles feitos — ou impostos, segundo a dinâmica apontada na petição — antes da celebração do ACT (Acordo de Cooperação Técnica), que é de 6 de agosto de 2020. Então é preciso dizer o que é esse tal ACT.

Acordo de Cooperação Técnica: tratou-se de um entendimento firmado, por iniciativa do STF, entre Advocacia Geral da União, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Tribunal de Contas da União e o próprio Supremo para estabelecer parâmetros para os acordos de leniência. A Procuradoria Geral da República acabou não assinando em razão da oposição de uma fatia do Ministério Público Federal.

COMO QUEBRAR EMPRESAS, O PAÍS E INFLUENCIAR PESSOAS
Um dos advogados que assinam a petição é Walfrido Warde, parceiro deste escriba no podcast "Reconversa". Ele é autor do livro "O Espetáculo da Corrupção" - Como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país", publicado em 2018. Aliás, aproximaram-nos, num primeiro momento, a ojeriza aos métodos da Lava Jato e a constatação de que ela destruía empresas, empregos e o Brasil.

O relator é o ministro André Mendonça

O que decisão ele tomou até agora? Admitiu, neste primeiro momento, o processamento da ADPF. Trata-se de decisão de extrema relevância em virtude de dois aspectos principais:
1: o ministro aceita que se trata de tema com status constitucional. Ou seja, o caso deve ser analisado e julgado pelo STF;

2: como consequência lógica do primeiro, a ADPF se torna, por assim dizer, uma instância reguladora para que o STF determine os parâmetros constitucionais para a revisão das obrigações pecuniárias, de modo a coibir, e isto escrevo eu, não ele, os abusos perpetrados pela força-tarefa, o que concorrerá para a reestruturação de empresas — ENTES SOCIAIS, LEMBRAM-SE? — destruídas pela sanha lava-jatista.

Escreve o relator:
"Preambularmente, consigno que a relevância da matéria demanda apreciação com maior grau de verticalidade e estabilidade, pelo que deve o exame da controvérsia ser realizado em caráter definitivo. Assim, entendo pertinente adotar o rito abreviado previsto no Art. 12 da Lei nº 9.868, de 1999, aplicado por analogia, igualmente às Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental".

E o que diz o Artigo 12 da lei citado por ele? Isto:
"Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação."

Estão afastados os "amici curiae" (amigos da corte) inscritos para defender e se opor à ação. O ministro reconhece que a ordem social (sobrevivência das empresas) e a segurança jurídica impõem celeridade. Afinal, quem se submeteu às exigências para a negociação, que negociação não era, antes da existência do Acordo de Cooperação Técnica o fez nas piores condições.

Por isso, a decisão determina que várias instâncias da administração pública — MPF, CGU, AGU, Ministério da Justiça e TCU — prestem esclarecimentos. Mendonça decidirá, na sequência, se concede ou não a liminar. Depois haverá juízo de mérito, submetido ao pleno.

Reitere-se: o primeiro e fundamental passo no resgate da legalidade foi dado. Trata-se, sim, de matéria constitucional, reconhece o relator. Ao contrário do que pregavam as viúvas carpideiras.

ENCERRO
Os três partidos e os escritórios de advocacia foram demonizados pelas viúvas e viúvos da Lava Jato que ainda vagam como zumbis pela imprensa. A operação fez a fama e a fortuna de muitos picaretas, que serviram como esbirros da ilegalidade e contribuíram para empurrar o país para o buraco.

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