quinta-feira, 11 de abril de 2019

Entrevista de novo ministro é soma assombrosa de asneiras


Bolsonaro cumprimenta novo ministro da Educação, Abraham Weintraub,
depois de empossá-lo ministro. Se as palavras fazem sentido, vem confusão por aí

O novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, evidencia que, com ele, não tem essa de "olavo-bolsonarismo" na teoria. Ele quer dar consequência prática ao, digamos, pensamento da turma. Chegou substituindo os quadros de comando, o que está dentro de sua competência, indicando pessoas sem experiência nenhuma na área. Bem, até aí, vá lá, experiência se ganha. O ponto não é esse. As dificuldades estão nas ideias que animam o ministro. Ele concedeu uma entrevista ao Estadão que constitui uma das mais formidáveis coleções de bobagens ditas por homens públicos em muito tempo. É verdade: Ricardo Vélez Rodrígez dizia besteiras assombrosas, mas não se notava nele um ânimo truculento. Com Weintraub é diferente: ele consegue usar até a condição de judeu para barbarizar o debate.

Weintraub defende fim do Bolsa Família para pais de infrator

Preste atenção à pergunta feita pelo jornal e à resposta dada por Weintraub: 
O programa de governo fala do problema da disciplina das escolas. Quais são as medidas para enfrentar a questão? 

No curto prazo, não faremos nada nesse aspecto. Mas sou a favor de seguir a lei. Se o aluno agride, o professor tem de fazer boletim de ocorrência. Chama a polícia, os pais vão ser processados e, no limite, tem que tirar o Bolsa Família dos pais e até a tutela do filho. A gente não tem que inventar a roda. Tem que cumprir a Constituição e as leis ou caminhamos para a barbárie. Hoje há muito o "deixa disso", "coitado". O coitado está agredindo o professor. Tem que registrar, o pai tem que ser punido. Se não corrigir, tira a tutela da criança. Se o professor alega que ele não tem apoio do Estado, um recado: o Estado somos nós. Se o professor alegar que não tem apoio do Estado, um recado: o Estado somos nós. "Ah, mas é o PCC (Primeiro Comando da Capital) que está fazendo." Tem que chamar prefeito, secretário de Educação e enfrentar o problema. Não tem que sentar e achar que nunca vai mudar. 

A coleção de bobagens que vai nessa resposta é gigantesca.

Ministro é tão reaça que é contra novidade do Direito Romano

De saída, na resposta do ministro, há a agressão a um fundamento inscrito no Inciso XLV do Artigo 5º: "Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio." O que isso quer dizer? Na esfera penal, e é disso que trata o ministro em sua resposta estúpida, a responsabilização por uma agressão cometida por um menor inexiste — e tem de ser assim mesmo. Desde o direito romano, as penalidades pelos crimes dos pais não recaem sobre os filhos. E também o contrário. Existe, aí sim, na esfera cível, a reparação de danos, conforme estabelece o Artigo 932 do Código Civil, que diz especificamente sobre o caso: "São também responsáveis pela reparação civil:I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia". O mais curioso é que, em seu brutalismo, Weintraub fala em cumprir a lei e a Constituição.

Ministro ignora leis e Constituição. Acho que é ódio a pobre

As punições ao menor infrator estão previstas no Artigo 112 da Lei 8.609, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Entre elas, encontra-se a reparação do dano a terceiros, conforme está no Código Civil. Sim, o Código Penal pune o abandono de crianças (Art. 133) e a negligência (Art. 136) e até a desídia com menor em risco, ainda que a pessoa não tenha nenhum vínculo com a dita-cuja (Art. 135). Mas não custa lembrar que a Constituição define no Artigo 227 que a proteção à criança e ao adolescente "é dever da família, da sociedade e do Estado". O que se nota na fala do ministro é uma sede de punir — e, nas circunstâncias dadas, a evidência: é vontade de punir pobre! Uma coisa é não cultivar o "coitadismo" e o "vitimismo". Outra, distinta, é olhar para comunidades desassistidas como inimigas. Ora, não é por acaso que o Weintraub fala até em tirar o Bolsa Família. E, é claro, a isso ele não chama "barbárie". Releiam: na sua cabeça delirante, o pai tem de ser punido porque o filho agrediu um professor. É ódio a pobre.

Weintraub apela a avô, prisioneiro de campo de concentração

Abraham Weintraub não conseguiu citar uma única medida prática que pretende adotar no MEC. Ele está preparado é para a guerra cultural com os comunistas… E, para explicar seu método, recorre ao avô, preso num campo de concentração quando criança. O que diz a respeito da memória da própria família é assombroso. Ao falar sobre a necessidade de, sei lá, converter um comunista, afirmou: "Quero convencê-lo pela lógica, pelas evidências. A pessoa não é má pura e simplesmente. Ela está envolvida numa mentira e aquilo é uma realidade para ela. Ela se mexe pela causa. Meu avô foi para campo de concentração. E como ele escapou? Tinha um sargento da SS (tropa nazista) que protegia ele dentro do campo e o salvou. O cara falou: isso aqui é loucura. Meu avô foi parar no campo com 14 anos. O cara estava dentro de um contexto. A gente precisa explicar que é uma ideologia errada essa (a do comunismo). Você nunca vai escutar de mim – ou de pessoas próximas a mim – falar em matar. A gente não fala em matar, falamos em confrontar com força, mas ideologicamente, verbalmente. Com conversa. Não quero matar ninguém. Evidentemente, se a pessoa vem me matar eu tenho direito de me defender".

Ministro degrada a história dos judeus

Quando um homem público dá exemplos, está, obviamente, tratando de escolhas que, acredita, se generalizadas, podem fazer um mundo melhor. A leitura que o ministro oferece de seu avô não me ofende como judeu, porque não tenho essa condição em particular, mas me agride na condição geral: a humana. Estratégias de sobrevivência num campo de concentração não se prestam à elaboração de uma teoria geral sobre como lutar contra a estupidez e a tirania. Ditas as coisas desse modo, parece que faltou aos outros seis milhões de vítimas, para me ater aos judeus, um discurso suficientemente convincente para amansar o opressor. Ele nem mesmo se dá conta de que o exemplo a que apela nega a essência do próprio discurso. Seu avô, então, deparou-se com um soldado que, embora personagem da tal "loucura" coletiva, por ela não estava contaminado. E só por isso não considerou aquela criança expressão da praga a ser eliminada da Terra, como queria a pregação nazista. Weintraub certamente é do tipo que assistiu ao filme "A Vida é Bela", de Roberto Benigni, e gostou. A moral da história poderia ser mais ou menos esta: "Judeu, se a vida lhe deu um campo de concentração, invente uma Disneylândia". O avô é dele, mas a história pertence à humanidade. sua fala é asquerosa e degradante. 

Ah, sim: parece-me que devemos ser gratos pelo fato de que Weintraub não pretende matar ninguém. É a boa notícia de sua entrevista.

Por Reinaldo Azevedo

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