quinta-feira, 4 de abril de 2019

É preciso um Tigrão da habilidade política; só há tchutchucas



É evidente que a reforma da Previdência não pode ficar à deriva como está. É claro que o papel de Paulo Guedes não é fazer corpo a corpo com parlamentares. Ainda que sua presença na CCJ fosse politicamente obrigatória, deveria haver um grupo organizado para protegê-lo. E não havia. Lá estavam os parlamentares da "nova política" para espalhar gritaria e pontos de exclamação. Mais do que eu, o mercado é que decidiu repreender Paulo Guedes por seu desempenho na CCJ — repreensão que se estende ao governo. A Bolsa caiu 0,93%; o dólar subiu 0,54%. E, obviamente, esses números nada têm a ver com o comportamento do deputado Zeca Dirceu (PT-PR) e dos petistas em geral. Daqueles que se opõem à reforma da Previdência, esperava-se que se opusessem. Isso já estava precificado. Aquilo com o que não contavam, aí sim, era a bagunça a que se assistiu. Não me surpreendeu porque que já havia advertido para o risco. O curioso é que o ministro cancelara uma ida à CCJ porque pressentira o perigo. Oito dias depois, o governo não conseguiu evitar o desastre. A razão é simples: não existem articulação política, estratégia, nada. Trata-se de um amontoado de gente a fazer e a dizer coisas sem sentido. Aí fica difícil. O governo precisa de um "Tigrão" da articulação e da habilidade políticas. Até agora, só há tchutchucas. Despreparadas.

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É razoável que um deputado diga que um ministro de Estado é "tigrão" quando trata da aposentadoria dos pobres, mas é "tchutchuca" quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país"? Não! É claro que não é. Mas foi o que fez Zeca Dirceu (PT-PR) nesta quarta ao se referir ao ministro Paulo Guedes, que participava de uma audiência na Comissão de Constituição e Justiça. Aí foi a vez de Guedes demonstrar que podia ir ainda mais longe: "Tchutchuca é sua mãe, é sua avó". A sessão foi encerrada. Mas, àquela altura, a vaca chafurdava no brejo havia muito tempo. Como já escrevi aqui, Guedes compareceu à CCJ pintado para a guerra. Já tinha errado o tom ao falar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia 27 de março. O membro de um governo que tenta emplacar uma mudança impopular, como é a reforma da Previdência, tem de saber que aqueles que a ela se opõem vão tentar desestabilizá-lo. Aconteceu em todos as gestões passadas. Mas reitero: àquela altura, Guedes já havia abusado dos "argumentum ad plenarium", uma variante desastrosa, se o objetivo é ganhar votos, do "argumentum ad hominem". Nesse caso, tenta-se desqualificar o interlocutor apontando alguma característica sua que o torne um… mau interlocutor. Guedes adotou como expediente evidenciar que os deputados que com ele conversavam eram ou insensíveis aos problemas do Brasil ou, eles mesmos, beneficiários de um regime de previdência injusto. Nunca vi tanta inabilidade concentrada num só político — e hoje é o que ele é: político. Afinal, a reforma depende do voto daqueles que ele tratava com evidente menoscabo.

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É claro que a diatribe de Zeca Dirceu é inaceitável. A reação idem. Mas, se pararmos por aqui, seremos apenas judiciosos sobre comportamentos que consideramos errados. A questão está em saber por que aquele desastre aconteceu, não é mesmo? A resposta é simples: essa é a consequência lógica, elementar e fatal de uma escolha: o governo não dispõe até agora de uma base de apoio organizada no Congresso. Isso entregou a sessão praticamente aos adversários da reforma. Não por falta de aviso ou advertência. Em que pesem esforços certamente sinceros do deputado Felipe Francischini (PSL-PR), marinheiro de primeira viagem, em primeiro mandato, sua inexperiência o fez refém de pessoas que conhecem as marcações do palco muito melhor do que ele. Noto nas redes sociais o esforço de governistas para caracterizar Guedes como vítima da truculência petista, mas é difícil emplacar esse discurso porque a oposição explícita ao governo Bolsonaro na comissão é uma ampla minoria. Mais: até o episódio da tchutchuca, Guedes não havia procurado evitar o confronto em nenhum momento. Ao contrário: ele também o buscou. E, que se reitere, não só com deputados marcadamente da oposição. Havia ali uma pronunciada indisposição com o próprio Parlamento. Ou se arruma isso, ou não é a reforma de Guedes que vai para o vinagre. Esta já foi. Nesse ritmo, não haverá reforma nenhuma.

Por Reinaldo Azevedo

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