Reportagem publicada pela "Folha", em parceria com o site "The Intercept Brasil", pode despertar o espírito caridoso das pessoas de boa-vontade e conduzi-las a um grave equívoco. Vamos lá. Procuradores se mobilizaram em março de 2016 para tentar proteger o então juiz Sérgio Moro de tensões com o STF, como revela a publicação de novos diálogos entre Moro e Deltan Dallagnol, coordenador (oficial ao menos) da força-tarefa. Essa mobilização é só o sintoma. Grave mesmo é a doença.
Qual era o busílis?
Moro e o Dallagnol temiam que "a divulgação de papéis encontrados pela Polícia Federal na casa de um executivo da Odebrecht acirrasse o confronto com o STF ao expor indevidamente dezenas de políticos que tinham direito a foro especial — e que só podiam ser investigados com autorização da corte."
E prossegue a reportagem: As mensagens indicam que os procuradores e o então juiz temiam que o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, desmembrasse os inquéritos que estavam sob controle de Moro em Curitiba e os esvaziasse num momento em que as investigações sobre a Odebrecht avançavam rapidamente.
Os diálogos sugerem que o incidente foi causado por um descuido da Polícia Federal no dia 22 de março de 2016, quando ela anexou os documentos da Odebrecht aos autos de um processo da Lava Jato sem preservar seu sigilo, o que permitiu a divulgação do material por um blog mantido pelo jornalista Fernando Rodrigues na época.
Assim que soube, do dia seguinte, Moro escreveu ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, para reclamar da polícia e avisar que acabara de impor sigilo aos papéis.
"Tremenda bola nas costas da Pf", disse. "E vai parecer afronta", acrescentou, referindo-se à reação que esperava do Supremo.
Moro avisou que teria de enviar ao tribunal pelo menos um dos inquéritos em andamento em Curitiba, que tinha o marqueteiro petista João Santana como alvo. Deltan disse ter contatado a Procuradoria-Geral da República e sugeriu que o juiz enviasse outro inquérito, com foco na Odebrecht.
Horas depois, o procurador escreveu novamente a Moro para discutir a situação e sugeriu que não tinha havido má-fé na divulgação dos papéis pela PF. "Continua sendo lambança", respondeu o juiz, no Telegram. "Não pode cometer esse tipo de erro agora."
Deltan procurou então encorajar Moro e lhe prometeu apoio incondicional. "Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações", escreveu.
Moro disse que temia pressões para que sua atuação fosse examinada pelo Conselho Nacional de Justiça e comunicou que mandaria para o Supremo os três principais processos que envolviam a Odebrecht, inclusive os que a força-tarefa tinha sugerido manter em Curitiba.
Deltan prometeu ao juiz que falaria com o representante do Ministério Público Federal no CNJ e sugeriu que tentaria apressar uma das denúncias que a força-tarefa estava preparando. A medida permitiria que o caso fosse encaminhado ao STF já com os acusados e crimes definidos na denúncia.
(…)
RETOMO
Não faltará quem diga, para empregar uma expressão de Moro: "Não há nada de mais nisso!"
Não sei se notaram, mas o juiz e, agora pode-se dizer, SUPOSTO coordenador da força-tarefa atuam para manipular a investigação, o Ministério Público e o próprio Supremo. Esse tipo de colaboração é absolutamente inaceitável, ainda que todos estivessem imbuídos de boas intenções. E não me parece que fosse o caso.
A "boa intenção" única no estado de direito, no caso das democracias, é garantir o devido processo legal. O resto é feitiçaria destinada a servir a justiceiros que, cedo ou tarde, provocam mais estragos do que aqueles que se mostravam dispostos a sanar quando se lançaram em sua sanha "justicida". É o caso da Lava Jato. A operação destruiu, por exemplo, a indústria de construção pesada no Brasil. Como já evidenciou o advogado Walfrido Warde no excelente livro "O Espetáculo da Corrupção", não é apenas um sistema corrupto que está destruindo o Brasil, mas também "o modo de combatê-lo". O modo Moro.
Destruiu mais do que isso: os espaços institucionais da política foram dinamitados por esse modo de combater a corrupção.
Um dos aspectos relevantes que podem passar despercebidos na reportagem publicada é a evidência de que Lula e o PT não eram os alvos únicos de procedimentos escancaradamente ilegais. Toda a operação, como se nota, se movia — e, penso, se move ainda — nas sombras e se dava (e se dá) ao arrepio do Estado legal.
São escancaradas as provas de que nunca foi Dallagnol o verdadeiro coordenador da força-tarefa. Moro a comanda desde sempre. O então juiz mobiliza o procurador até mesmo para entrar em contato com os "tontos daquele movimento brasil livre", descontente que estava com um protesto que um grupo ligado ao MBL havia feito em frente ao condomínio em que morava o ministro Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no Supremo.
Bolsonaro acha que foi eleito com a intervenção de Deus. Moro tem certeza de que é Deus.
UM ESTRATEGISTA CONTRA A ORDEM LEGAL
Nos diálogos agora revelados, aparece o contexto em que Moro enuncia a frase que me parece ser a síntese de sua atuação: "Não pode cometer esse tipo de erro agora". Vale dizer: ele tem um alvo. Seria combater a corrupção? Parece que seus horizontes são bem mais amplos, não é?
A manipulação se estende também à Polícia Federal. Como se verá, o delegado não atende aos fundamentos da PF, que tinha e tem um diretor-geral, mas aos reclamos de um procurador, que está sendo instruído pelo juiz.
Leiam:
Assim que recebeu a reclamação de Moro no início da tarde, Deltan procurou o delegado Márcio Anselmo, da Polícia Federal, para discutir o problema. Ele respondeu à noite
Deltan (13:19:06) – Moro está chateado. Vai apanhar mais do STF, porque vai parecer afronta. Por favor nos ajude a pensar o que podemos fazer em relação a isso. Vcs conseguiriam fazer uma análise para ver se corresponde a doações oficiais? Num site diz que não… Se não corresponde, é indicativo de ilícitos, pq há valores
Anselmo (19:41:13) – Vi a manifestação de vcs no procedimento
(19:41:31) – Em que pese termos sido movidos pelo atropelo no último mês (19:41:52) – Era o prazo fatal para inserir nos autos o resultado da busca (19:42:23) – Também é importante saber que algumas das planilhas foram mostradas pro Carlos ainda no dia da busca
(19:42:36) – Assim como roberson e Laura
(19:43:16) – Sinceramente eu não vi motivo pra todo esse alvoroco
(19:43:17) – Acabou coincidindo c a decisão estranha do teori
(19:43:36) – Planilhas semelhantes foram apreendidas na Andrade
(19:43:52) – Na Camargo e em várias outras empreiteiras
(19:44:07) – Nós até cogitamos em ter falado c o Dr Sergio
(19:44:23) – Mas em razão de todos os acontecimentos isso acabou ficando pra trás Deltan
(19:54:20) – Compreendo, Márcio. O problema não foi juntar, mas juntar no público, e não em algum sob sigilo e sem análise… Creio que foi um erro, mas que atire a primeira pedra quem não errou ainda num caso cheio de pressões de tempo, de atividades e de mídia. Não se trata de procurar culpados ou julgar erros, mas de pensarmos como agir para não acontecer nada nos próximos momentos que possa complicar mais a situação que e está delicada. O receio é que isso seja usado pelo STF contra a operação e contra o Moro. O momento é que ficou ruim… Pra ter ideia, já pedimos articulação da ANPR junto ao CNJ. Vem porrada.
RETOMO
Eis aí. Os donos do mundo também se articularam para manipular o Conselho de Nacional de Justiça, com a ajuda de um sindicato: a Associação Nacional dos Procuradores da República.
O homem não é só o real coordenador da força-tarefa. Ele coordenada um Estado paralelo. A esse conjunto chamei "Papol", o Partido da Polícia.
A propósito: onde está o agora ministro? Informou o Estadão na quinta: "Sérgio Moro viaja para os EUA neste fim de semana. Passa por agências governamentais no Texas, Virginia e Washington estudando operações integradas de forças de segurança (chamadas "fusion centers"), que ele pretende implementar no País."
Pois é… Quando aceitou o cargo de ministro da Justiça, Moro deu a entender que, nessa função, poderia trabalhar com ainda mais poder e liberdade do que tinha como juiz.
E, como juiz, ele fez o que fez.
Com a palavra, o Supremo Tribunal Federal — aquele que já foi manipulado por Moro algumas vezes.
Por Reinaldo Azevedo
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