O presidente Jair Bolsonaro publicou a seguinte mensagem em seu perfil no Twitter:
"Tales Volpi, conhecido como MC Reaça, nos deixou no dia de ontem. Tinha o sonho de mudar o país e apostou em meu nome por meio de seu grande talento. Será lembrando pelo dom, pela humildade e por sua vontade de mudar o Brasil. Que Deus o conforte juntamente com seus familiares e amigos"
MC Reaça fez jingles para a campanha do então candidato Bolsonaro.
As coisas terminassem aí, muito bem. Mas a história é bem mais feia. E, mais uma vez, o chefe da nação evidencia a sua absurda falta de limites, de bom senso, de razoabilidade.
Tales, que era casado, tinha 25 anos e morava em Indaiatuba. Segundo o jornal "Correio", ele cometeu suicídio. Não sem antes espancar gravemente uma agente de viagens de 28 anos, com quem mantinha um relacionamento extraconjugal. Ela está internada em estado grave no Hospital Augusto de Oliveira Camargo.
Informava o jornal às 17h36 deste domingo: "De acordo com o boletim de ocorrência registrado na delegacia de Indaiatuba por um metalúrgico de 62 anos, a filha namorava Volpi e, na madrugada de ontem, ligou para a mãe, que está no Rio Grande do Sul, avisando que havia sido agredida pelo namorado e estava internada no hospital. O pai seguiu até o HAOC onde foi informado que a agente de viagem passará por cirurgia, uma vez que apresenta edema e hematomas no lado direito do rosto e no olho, além de fraturas no maxilar."
As coisas não param por aí.
GRÁVIDA
A amante de Volpi está grávida. E ele sabia.
Ainda segundo o Correio:
"Antes de se enforcar, o funkeiro gravou dois áudios para a mulher, pedindo perdão, agradecendo e também para que cuidassem do pai dele. Também pediu para que a mulher ajudasse a amante cuidar do filho dele, caso a criança sobrevivesse."
Dizer o quê?
Seria estúpido ser judicioso sobre o suicídio. É evidente que ele tomou essa decisão num momento de extremo sofrimento. E pouco há a dizer a respeito além de lamentar a tragédia, que se abate também sobre seus familiares.
Acontece que Volpi espancou gravemente uma mulher grávida — gravidez que ele não ignorava. Tratava-se de um relacionamento extraconjungal. Os "reaças" não se confundem com conservadores. Estes, numa democracia, querem conservar instituições para que a sociedade possa operar de forma segura as mudanças necessárias.
Um reacionário — de que "reaça" é a expressão sincopada, prega a restauração de uma ordem que teria se perdido, não é? As escolhas de Volpi, mesmo a atribuição que deixou à viúva, não parecem enquadrá-lo numa rigidez tradicionalista.
E talvez seja esse um tormento que habita a existência de rodos os "reaças": eles não vivem segundo os valores de que são prosélitos.
Valia para Volpi. Vale para os Bolsonaros. Vale para os bolsonaristas.
Que a alma desse rapaz encontre descanso e que seus familiares consigam se recompor do enorme sofrimento por que estão passando.
Que a mulher espancada, grávida, consiga igualmente se recompor e que a criança sobreviva.
Nada mais a dizer. Só o lamento. Agora o papo é com Bolsonaro;
ABSURDO!
Jair Messias Bolsonaro ainda não se deu conta de que é presidente da República. Não parece que manter um caso extraconjungal seja a melhor ideia para "mudar o Brasil". Mas, vá lá, não conhecemos as circunstâncias e como se operavam as relações triangulares. Qualquer juízo a respeito pode esbarrar em padrões de moral privada que não se encaixam à realidade.
Uma coisa, no entanto, parece estar acima de dissensões: espancar uma mulher é o crime que é, conhecido. Acontece a toda hora. Por isso há a lei Maria da Penha. Muitas mulheres morrem. Por isso o Brasil pune especialmente o feminicídio — não deveria ser necessário. Mas é. Espancar uma mulher grávida toca as raias do absurdo. E isso também não parece ser um jeito de bom de "mudar o Brasil".
Nota: segundo os bolsonaristas, as mulheres devem comprar uma arma para circunstâncias assim. Eles dizem que a pistola é muito melhor do que a Lei Maria da Penha…
Não! Não estou dizendo que Bolsonaro deveria ter se calado necessariamente. Se deixou se tocar pelo evento trágico, que se manifestasse. Mas não apelando à linguagem cívica quando há no hospital uma mulher internada, com o maxilar quebrado, em estado grave. E esperando um filho, o que o agressor, está claro, não ignorava.
Dado o texto presidencial, fica claro: se alguém escolheu votar em Bolsonaro, então tudo lhe é permitido.
O que deveria ser uma manifestação de condolência se transforma em condescendência com a barbárie.
Por Reinaldo Azevedo
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