
A reforma da Previdência ainda são favas contadas. Vai ser aprovada uma reforma, sim. Vamos ver qual e com que economia. Só os muito otimistas acreditam que possa ser votada na Câmara em julho. Hoje, tudo indica que ficará para o segundo semestre. Uma questão de suma importância, como a extensão da reforma aos Estados, ainda não está definida. Dado o cenário, o governo decidiu ter uma ideia: lançar uma campanha publicitária que, mais uma vez, tem a nada disfarçada intenção de pressionar o Congresso e jogá-lo contra a opinião pública. E a estrela da hora em mais esse trabalhinho de tentativa de degradação do Parlamento é o ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Com a reforma da Previdência ainda por acontecer, pois, o governo lança na próxima semana uma campanha publicitária para popularizar o chamado "pacote anticrime" de Moro. Quem entendesse a democracia segundo o filtro da independência entre os Poderes, faria o quê? O óbvio. Entregaria as propostas ao Congresso, daria o devido tempo para que os senhores parlamentares analisassem o texto, faria o debate de ideias, negociaria… Mas não Bolsonaro. Não Sérgio Moro. Tudo tem de ser feito na base do confronto.
O projeto de Moro é uma soma de aberrações. Sem que este senhor tenha apresentado até agora nem sequer um diagnóstico da superlotação dos presídios, seu texto investe no aumento do encarceramento. As mudanças propostas nos Artigos 23 e 25 do Código Penal dão licença escancarada para matar.
O 23 trata da legítima defesa. Moro quer acrescentar a ele um trecho tóxico, a saber:
"O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção."
Alguém, sob o pretexto de se defender, poderia cometer qualquer excesso, sem consequência, desde que alegasse "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
Ao Artigo 25, que define o que é "legítima defesa", ele acrescenta dois incisos. Também praticaria legítima defesa:
I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes."
Não é preciso ser um leitor muito sagaz para perceber que o texto autoriza a morte preventiva.
Há aberrações de outra natureza. O Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição define que "ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Moro pretende driblar o princípio constitucional por meio de projeto de lei.
Quer ainda instituir no país a chamada "barganha judicial". Em resumo, o Ministério Público propõe benefícios a um acusado para que assuma a culpa por um determinado crime. E se dá a investigação por encerrada. De um lado da mesa, o semianalfabeto pobre, preto e desdentado e, do outro, o seu acusador de terninho preto. "Ah, isso existe nos EUA". Fato. Com quase 2,5 milhões, os EUA são o país com a maior população encarcerada do mundo. Ninguém o chamou até hoje de o país mais justo do mundo. Não sei se notaram que a tal "barganha" dispensa o poder público de investigar.
O pacote anticrime de Moro é o pacote de barbárie judicial contra os pobres. Não é papo de esquerdista. A menos que se tome essa condição como sinônimo de vergonha na cara. Tenho vergonha na cara e não sou de esquerda,
Seja com silêncio cúmplice, seja com anuência explícita, Moro endossou três decretos de Bolsonaro sobre armamento e o projeto de lei enviado à Câmara nesta terça com mudanças na Carteira Nacional de Habilitação que, se aprovadas, aumentarão a barbárie nas ruas e nas estradas.
Agora começa a fase de pressionar o Congresso para aprovar o pacote de quem, não tendo a mais remota noção do que fazer no Ministério da Justiça, optou pelo terror penal e pela legalização da violência de Estado.
A próxima etapa, quem sabe, será a incorporação das milícias como forças regulares de defesa da sociedade.
Por Reinaldo Azevedo
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