Num instante em que se esforça para fugir do figurino de "rainha da Inglaterra" que o Congresso tenta lhe impingir, Jair Bolsonaro foi privado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, de exercitar os poderes imperiais que imagina possuir. Em decisão liminar, Barroso suspendeu a transferência da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Com isso, a atribuição continua no âmbito da Funai, na pasta da Justiça, conforme havia decidido o Congresso Nacional.
Deve-se o despacho de Barroso a recursos protocolados na Suprema Corte por três legendas oposicionistas: Rede, PT e PDT. Alegaram que Bolsonaro já havia tentado pendurar as terras indígenas no organograma da Agricultura. Tentara também transferir a Funai para a pasta dos Direitos Humanos. Entretanto, o Congresso rejeitou ambas as providências ao votar a medida provisória que o presidente editara no início de sua gestão, para reformular a máquina federal.
Fingindo-se de morto, Bolsonaro reenviou as terras indígenas para a Agricultura em nova medida provisória. Fez isso atropelando a norma constitucional que proíbe a reedição de MPs rejeitadas no Parlamento no mesmo ano.
Barroso deu razão aos rivais do capitão: "No caso em exame, a MP 870/2019 vigorou na atual sessão legislativa. A transferência da competência para a demarcação das terras indígenas foi igualmente rejeitada na atual sessão legislativa. Por conseguinte, o debate, quanto ao ponto, não pode ser reaberto por nova medida provisória."
O ministro realçou o óbvio: "A se admitir tal situação, não se chegaria jamais a uma decisão definitiva e haveria clara situação de violação ao princípio da separação dos poderes. A palavra final sobre o conteúdo da lei de conversão [resultante de uma medida provisória] compete ao Congresso Nacional, que atua, no caso, em sua função típica e precípua de legislador."
A decisão de Barroso, por liminar, terá de ser submetida ao plenário do Supremo. Considerando-se a jurisprudência da Corte a confirmação do despacho é certa como o nascer do Sol que tinge as aldeias indígenas de amarelo a cada manhã.
É o segundo revés sofrido por Bolsonaro no Supremo em menos de duas semanas. No primeiro, nove dos 11 ministros da Corte votaram em 13 de junho a favor da suspensão do decreto que o capitão baixara para extinguir todos os conselhos da administração pública. Ficou entendido que o presidente não tem poderes para decretar unilateralmente a extinção de conselhos criados por lei.
Aos pouquinhos, Bolsonaro vai aprendendo que o presidente da República, embora disponha de muito poder, também está sujeito à condição humana e ao convívio com os outros dois Poderes. Numa democracia genuína, nada pode ser mais impotente do que o poder que se imagina absoluto.
Por Josias de Souza
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