quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

STF cria espécie de 'desenrola' para os corruptores confessos



A Justiça, como se sabe, é cega. Mas tem dispositivos de escuta terrivelmente sofisticados. Em audiência de conciliação, o ministro do Supremo André Mendonça deu ouvidos a grandes empresas que corromperam agentes públicos para obter contratos com o Estado. Autorizou-as a renegociar acordos de leniência nos quais confessaram seus crimes e toparam pagar multas bilionárias. Serão reabertos 11 acordos. Subiram no telhado multas que somam R$ 17 bilhões.

Mendonça diz considerar os acordos de leniência valiosos no combate à corrupção. Assegura que sua decisão não visa promover um "revisionismo histórico" da Lava Jato. Alega que concedeu 60 dias para a revisão das multas escorado no princípio da "boa-fé".

Ironicamente, a revisão não foi solicitada pelas empresas, mas por três partidos. PCdoB, PSOL e Solidariedade socorreram logomarcas como Braskem, Samsung, Nova Engevix, Camargo Corrêa, a antiga Odebrecht e J&F.

A velha Odebrecht, agora rebatizada de Novonor, e a J&F já haviam obtido de outro ministro do Supremo, Dias Toffoli, a suspensão de multas estimadas em R$ 3,8 bilhões e R$ 10,3 bilhões respectivamente. Insatisfeitas com tudo, querem um pouco mais.

A decisão de Toffoli envolve apenas os crimes confessados ao Ministério Público. A renegociação determinada por Mendonça engloba também acordos firmados com a Controladoria-Geral da União e Advocacia-Geral da União. Alega-se que foram celebrados antes de uma regulamentação editada em 2020.

Toffoli anotou num dos seus despachos que as confissões empresariais foram obtidas sob coação. Referiu-se à Lava Jato como "pau de arara do século 21". Na audiência com Mendonça, não se falou em coação.

Normalmente, não haveria dois relatores tratando do mesmo assunto na Corte. Mas a audição do Supremo é mesmo terrivelmente sofisticada. Alguns direitos às vezes são iguais. Os deveres são sempre muito diferentes.

Criou-se na Suprema Corte uma espécie de "desenrola" para corruptores confessos. Abençoado seja o contribuinte brasileiro, porque ele sempre herdará as grandes dívidas nacionais.

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