quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Brasil avança, apesar dos mascates do apocalipse e de suas ideias sem povo


"O Cavaleiro do Apocalipse", de Salvador Dalí

Não há coisa mais aborrecida — e, em certa medida, pilantra — do que negociantes disfarçados de poetas do fim do mundo, que estariam interessados apenas em nos contar os rigores do Apocalipse, caso o governo não faça as escolhas que eles próprios consideram corretas. Vimos isso com os números do déficit do ano passado.

Esses anjos anunciadores do mal ignoraram o peso dos precatórios, meteram o carimbo de "governo gastador" — escondendo seu antipetismo e antilulismo numa fachada de rigor técnico — e, ora vejam!, dispararam algumas sentenças premonitórias terrificantes, daquelas que nunca se cumprem. Em matéria de texto apocalíptico, sempre perdem para São João. Este, sim, sabia fazer soar a trombeta.

O Copom reduziu em 0,5 ponto a Taxa Selic nesta quarta. É uma queda modesta caso se considerem o comportamento da inflação e o baixo crescimento. O desemprego, apesar do custo do dinheiro — a economia é resiliente —, ficou em 7,4% no último trimestre do ano passado, com taxa anual de 7,8%, melhor resultado desde 2014. "Nossa, Reinaldo! Vai soltar rojão e botar uma banquinha na Praça da Sé para filiar os brasucas ao PT?" Não vou. Mas também não preciso pedir desculpas, dado que não sou um barateador de apocalipses, né? Os "expertos", com raras exceções, erraram mais do que eu. São, com efeito, espertalhões.

Mais: este escriba não é do tipo que tem borborigmo estertoroso quando se anuncia um plano de apoio à indústria. Ainda que venha a errar, erros novos serão. É mentira que repita procedimentos de um passado malsucedido. Alguns reagiram como se o país estivesse a se fechar num protecionismo caipira, a repetir mantras do nacional-desenvolvimentismo e afins. Trata-se de uma crítica velha, rancorosa, apodrecida por reacionarismo ideológico e interesses bem mais mundanos do que objeções acadêmicas — de resto, a turma do berreiro não reúne tantos doutores assim.

Nota: esses tipos remanescem no Brasil e andam a fazer barulho na Argentina. Que importância teriam hoje na União Europeia, no Reino Unido ou nos EUA os "destemidos" que se opusessem a qualquer forma de proteção à indústria, à agropecuária e à agroindústria locais?

Um dos problemas por aqui é que os "especialistas" transformaram seus respectivos empregos em uma "opinião isenta". A propósito: Trump ataca Biden com todas as armas que sua delinquência oferece, mas não disse uma vírgula contra o pacote de ajuda à economia de US$ 1,9 trilhão. Não é besta. Nestas plagas, o trabalhador é convidado a aplaudir a destruição ou a exportação de empregos. Verdadeiros gênios da raça! À margem, observo: caso o democrata se reeleja, será uma cortesia da economia. Com protecionismo explícito. Macron usa a mobilização dos agricultores europeus para tentar enterrar o acordo União Europeia-Mercosul.

COVARDES

Queria mesmo é ver os valentes nativos a ler o Plano Safra com os mesmos critérios com que alvejaram o incentivo à indústria. Não o farão e digo por quê:

a: como suas contraditas são ideológicas e nada técnicas, não é um princípio que as orienta -- e o eventual ataque ao Plano Safra, noto, seria um erro. Isso não é um convite;

b: como são covardes, não vão comprar briga com cachorro que pode mordê-los. Simples assim.

Ademais, é indecente que se aponte o dito excesso de gastos deste governo sem que se aponte onde deveria se dar o corte. E os que ousam fazê-lo ignoram que só se governa com base de sustentação no Congresso e na sociedade.

Formou-se uma má elite no Brasil, de mal escolhidos — contrariando a etimologia da palavra — que repudiam a política e só a entendem pelo prisma do arranjo escuso. Mais: deveriam ter o destemor de tirar do armário seu repúdio essencial a escolhas que implicam compensação aos que já têm muito pouco.

Não é por acaso que essa gente pode até lastimar as costeletas de um porra-louca como Javier Milei, mas não as suas sandices, incluindo as econômicas. É certo que algumas contas que faz aquele destrambelhado têm sentido, desde que se excluam delas as pessoas — no caso, as pobres. Mas, em economia, existe conta razoável sem eles?

Cadê o apocalipse? Por que ele nunca chega? É indecente, imoral mesmo, que se fale do "Déficit de Haddad" ou do "Déficit de Lula" — o genitivo varia segundo o ódio da hora — sem que se considere o calote nos precatórios dado pelo governo Bolsonaro-Guedes. Ou que se refiram com certo esgar ao titular da Fazenda porque este não conseguiu toda a receita que pretendia — "conforme havíamos advertido", estufa o peito o "tersitismo" (vejam o que é) chinfrim —, embora o ministro tenha sido bem sucedido, quase milagrosamente, em arrancar do Congresso a correção de algumas obscenidades (des)arrecadatórias que estavam em curso.

Outras permaneceram. Entre elas, a desoneração da folha — um verdadeiro maná que cai diretamente do céu dos pobres nas burras de alguns. E também sobre isso se silencia de forma obsequiosa. Qualquer crítica, ademais, à gestão do dinheiro público que ignore o sequestro do Orçamento por um Congresso hipertrofiado padece de desonestidade intelectual essencial.

Vamos sair em algum momento desse rame-rame da suposta ameaça fiscal — sim, suposta —, a justificar juros ainda indecentes, o que sempre traz no horizonte o facão contra os que já estão ferrados? Não sei. É preciso lutar por uma nova correlação de forças no Parlamento. Trabalho longo e árduo. A alternativa é a disrupção, que alternativa não é.

Se vocês, leitores, não caírem no papo-furado dos mascates de apocalipses, já se terá dado um primeiro passo.

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