quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Receio de Cid faz Bolsonaro soar manso como um capitão-poodle



Respondendo a indagações de Mônica Bergamo sobre o delator Mauro Cid, Bolsonaro foi respeitoso ("É uma pessoa decente. É bom caráter"), afetuoso ("Sempre o tratei como um filho") e compreensivo ("Pretendo dar um abraço nele"). A certa altura da conversa, defendeu o Judiciário de ataques feitos pelo aliado Valdemar Costa Neto: "Ele gosta de responder tudo, e às vezes dá uma extrapolada aí". Ou seja: numa entrevista em que destilou respeito, afeto, compreensão e compostura, Bolsonaro estava completamente fora de si.

Mauro Cid começou a suar o dedo há menos de duas semanas. O resultado parcial de sua delação ainda não veio à luz. Mas o tenente-coronel já realizou uma proeza que ninguém jamais havia alcançado: domesticou Bolsonaro. Antes, o capitão falava dez vezes antes de pensar. De repente, passou a medir as palavras como se carregasse uma régua no lugar da língua. Seu problema é que agora a língua do ex-faz-tudo é que se desprendeu da coleira.

Em algum momento Bolsonaro terá que decidir se deseja ser um capitãozinho-poodle ou o velho pitbull de sempre. Quando Cid foi preso, disse que cada um deveria seguir a sua vida. Agora, quer abraçá-lo. Quando a perícia no celular de Cid escancarou o comércio das joias, disse que o ajudante de ordens dispunha de autonomia. Agora, soa mais ameno: "Fez um bom trabalho. E tinha aquela vontade de resolver as coisas".

A domesticação tem prazo de validade, pois Bolsonaro disse que Mauro Cid "não participava de nada" e "não vai inventar nada". Nem poderia. Para fazer jus à premiação judicial prevista no acordo de delação, Cid precisa revelar verdades podres que observou no andar de cima do Planalto e nas patentes superiores das Forças Armadas. Quem continua com os dois pés na ficção é Bolsonaro.

O capitão declarou, por exemplo, que no acampamento que pedia golpe na frente do QG de Brasília "não tinha violência, não tinha armas, não tinha nada". Dali saíram os piromaníacos que incendiaram carros e ônibus no centro de Brasília às vésperas do Natal passado. Estavam lá os três terroristas que confessaram o plano para explodir um caminhão de combustível nos arredores do aeroporto da Capital. Desceram do acampamento os executores do quebra-quebra de 8 de janeiro.

Ou seja: mesmo numa entrevista em que está fora de si, Bolsonaro não consegue esconder o farsante que tem por dentro.

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