Contra a alegação segundo a qual o Supremo se mete na agenda do Legislativo, Rosa esgrimiu o óbvio. Disse que, uma vez provocado, o Judiciário não tem o direito de se abster de decidir.
Bolsonaro e seus apologistas constrangeram os antecessores de Rosa. Nenhum dos homens do Supremo teve a coragem de expor a hipocrisia da defesa da vida por pessoas que não se compadecem da morte.
O bolsonarismo riu quando Bolsonaro escarneceu dos mortos da Covid. "Não sou coveiro", disse o mito. Os devotos acharam normal que Bolsonaro desdenhasse da execução, num camburão de gás, do motoqueiro negro e pobre flagrado sem capacete pela Polícia Rodoviária Federal nos fundões de Sergipe.
Alheia à lógica de quem luta pela vida em gestação ao mesmo tempo em que enaltece a política armamentista que conspirava contra vidas já existentes, Rosa foi ao ponto:
"A justiça social reprodutiva, fundada nos pilares de políticas públicas de saúde preventivas na gravidez indesejada, revela-se como desenho institucional mais eficaz na proteção do feto e da vida da mulher, comparativamente à criminalização".
A ministra prosseguiu: "Com efeito, a criminalização do ato não se mostra como política estatal adequada para dirimir os problemas que envolvem o aborto, como apontam as estatísticas e corroboraram os aportes informacionais produzidos na audiência pública".
Entre 2008 e 2017, ano em que a ação foi protocolada no Supremo pelo PSOL, ocorreram no Brasil 2,1 milhões de internações para tratar complicações decorrentes de abortos mal realizados. A coisa custou R$ 488 milhões ao SUS.
Rosa mencionou aspectos para os quais uma toga feminina tem mais sensibilidade: "...Pouco —ou nada— se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema. E mesmo nas situações de aborto legal as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade."
Há no Supremo apenas duas mulheres num colegiado de 11. Com a aposentadoria de Rosa, restará Cármen Lúcia. Ironicamente, Cármen foi indicada por Lula em administrações passadas. Hoje, o personagem sinaliza estar mais preocupado com a lealdade do que com o gênero do futuro ministro.
Como que antevendo a escolha de um homem para sua vaga, Rosa Weber revestiu seu voto de rara feminilidade: "Fomos silenciadas!", anotou num trecho em que fala sobre a origem da criminalização septuagenária do aborto.
"Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna."
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