domingo, 18 de novembro de 2012

Política e psiquiatria


Ruy Fabiano
Nélson Rodrigues dizia que o século XX, entre outras façanhas, introduziu o idiota na vida pública. Pessoas sem qualquer conhecimento de causa passavam a influir e decidir em questões as mais complexas, a partir de slogans e palavras de ordem.

Numa de suas crônicas de “O Óbvio Ululante” (1968), dizia que “os idiotas estão por toda a parte – na política como nas letras, nas finanças como no cinema, no teatro como na pintura (...), liderando povos, fazendo História e fazendo Lendas”.

Sob esse prisma, esboçou um rico e caricatural painel da vida pública brasileira na segunda metade do século passado, atribuindo tal decadência à hegemonia cultural da esquerda, já então em curso, não obstante ainda não no poder.

Ortega y Gasset anteviu o mesmo fenômeno bem antes, no interregno entre as duas guerras mundiais.

No clássico “A Rebelião das Massas”, que começou a ser escrito ainda nos anos 20, deu consistência sociológica e abrangência universal ao fenômeno, ao examinar a ascensão das ideologias coletivistas - fascismo, socialismo e comunismo.

O que nenhum dos dois previu foi que, naquela sequência, outro personagem entraria em cena: o psicopata.

Segundo os doutores norte-americanos Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz, poucos transtornos são tão incompreendidos quanto a personalidade psicopática. Pensa-se, em regra, que são violentos, mas, segundo eles, não são – muito pelo contrário.

Descrita pela primeira vez em 1941 pelo psiquiatra americano Hervey M. Cleckley, do Medical College da Geórgia, a psicopatia consiste num conjunto de comportamentos e traços de personalidade específicos.

São pessoas muito inteligentes, encantadoras à primeira vista, causam boa impressão e são tidas como “normais” pelos que as conhecem superficialmente.

No entanto, “costumam ser egocêntricas, desonestas e indignas de confiança”. Os psicopatas não sentem culpa jamais. Nos relacionamentos amorosos “são insensíveis e detestam compromisso”.

Sempre têm desculpas para seus erros, atribuindo-os em geral a terceiros. Raramente aprendem com seus equívocos ou conseguem frear impulsos predadores.

Nada menos que 25% dos prisioneiros americanos são diagnosticados como psicopatas, mas as mesmas pesquisas constatam que uma quantidade ao menos equivalente está livre – e no topo.

Os especialistas atestam que muitos são profissionalmente bem-sucedidos e ocupam posições de destaque na política, nos negócios ou nas artes. Pronto: chegamos ao Brasil.

Quem leu a nota de protesto do PT, emitida há três dias, contra o Supremo Tribunal Federal não tem dúvida: foi escrita por alguém portador dos sintomas descritos pelos especialistas.

O mesmo partido que, dias depois da reeleição de Fernando Henrique, propunha uma campanha de “Fora FHC”, pedia a prisão de pessoas que acusava sem prova e sem qualquer fundamento (caso, entre muitos outros, do ex-ministro Eduardo Jorge), protesta agora contra sentenças proferidas a partir de vastíssima documentação, exposta em julgamentos transmitidos ao vivo.

Não é verdade que o ex-ministro José Dirceu tenha sido condenado apenas por ocupar na época dos acontecimentos o cargo de ministro-chefe da Casa Civil.

Há testemunhos abundantes de que lhe cabia avalizar os acordos espúrios. Mais: de que houve encontros em seu próprio gabinete com os infratores.

A nota busca atribuir as condenações a “campanhas de ódio e preconceito” contra Lula e Dilma.

A presidente, porém, em momento algum foi citada, nem nos autos, nem pelos ministros, sendo que oito, dos dez que julgaram, foram nomeados por ela e por Lula – e avalizados pelo PT. Os sofismas são abundantes.

Num deles, atribuem-se os “erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados” não a eles mesmos, mas “a um sistema eleitoral inconsistente, que o PT luta para transformar”.

A culpa está sempre em algum lugar, desde que longe do infrator. Nada mais psicopático. O partido, que está no poder há uma década, sempre com maioria no Congresso, não só não tem culpa como tem feito tudo para sanear o panorama eleitoral.

É, pois, uma vítima. Pena que os fatos não combinem. Todas as propostas de reforma eleitoral, até aqui apresentadas, foram casuísticas, superficiais, sem qualquer propósito moralizador.

A nota faz crer aos desavisados – e não são poucos – que a condenação decorreria tão somente da acusação de compra de parlamentares. Nenhuma palavra sobre o desvio de recursos, os tais “erros e ilegalidades cometidos por filiados”.

Roubo é roubo, não importa o destino que se lhe dê – e isso foi dito e repetido por quase todos os ministros. Mas quanto ao destino, restou comprovadíssimo, em documentos e testemunhos.

Ainda dentro de uma argumentação psicopática, a nota evoca a origem operária de Lula e os benefícios sociais de seu governo, como se tais fatores tivessem qualquer relação com as sentenças ou as pudesse revogar ou atenuar.

A iminência das prisões de algumas de suas lideranças fez com que o partido, que historicamente pedia a prisão dos criminosos de colarinho branco e postulava a igualdade de tratamento penal para ricos e pobres, passasse a sustentar o contrário: as prisões são péssimas e só devem acolher os criminosos de sangue.

O ministro da Justiça, responsável pelo sistema carcerário, diz que prefere morrer a habitá-lo.

A nota politicamente é patética. Mas, do ponto de vista psiquiátrico, é um prato cheio. Com a palavra, os especialistas.



Ruy Fabiano é jornalista

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