Defendi, no começo desta quarta, com muita ênfase, no "Olha Aqui", no UOL, e também em "O É da Coisa", na BandNews FM e no BandNews TV, que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) suspendesse o envio de observadores para a eleição da Venezuela no domingo. E foi o que tribunal, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, fez na noite desta quarta. Parece-me o óbvio. Até porque há sinais consistentes de que o ditador Nicolás Maduro prepara uma nova fraude sobre a já existente. Gente decente não coonesta arruaceiros.
O TSE já havia desistido da empreitada, mas voltou atrás. Depois do ataque do tiranete sanguinolento ao sistema eleitoral brasileiro, ecoando as acusações sem fundamento que por aqui fazem os fascistas nativos, seria um despropósito a Justiça Eleitoral brasileira atuar como "observadora" da votação. Se o tribunal não é, como quer herdeiro de Hugo Chávez, digno de confiança, iria lá para observar o quê? Estar-se-ia ou diante de um paradoxo ou de uma armadilha. Se atestasse lisura em caso de vitória do governo, como lisura teria havido se o próprio ganhador desqualificava o avaliador? Se reconhecesse o triunfo da oposição, o tirante acusaria uma conspiração.
Justiça Eleitoral não é diplomacia e não tem de fazer média com ninguém. Devemos a essa parte do Judiciário e ao STF a preservação da democracia, com o menor solavanco possível. Acusar a manipulação do sistema eleitoral sem haver uma prova é coisa muito grave. Isso custou, até agora, a inelegibilidade de um ex-presidente — e é provável que crimes associados a essa acusação, numa conspiração golpista, ainda lhe rendam a cadeia.
O TSE nada tem a fazer na Venezuela. Até porque, qualquer que seja o resultado, eleições democráticas não terão ocorrido pela simples e evidente razão de que a oposição não goza de liberdade de manifestação. Ela é representada pelo moderadíssimo Edmundo González porque outros nomes mais identificados com a resistência ao regime foram desabilitados por um tribunal aparelhado pela ditadura. Inexiste democracia sem eleições. É condição necessária, mas não suficiente, para um regime democrático, que também se traduz por um conjunto de valores.
Lula queimou capital político interno por apostar numa transição pacífica na Venezuela. O Acordo de Barbados foi para o ralo. O ditador não respeita nem mesmo aqueles que lhe estendem a mão. Atacou miseravelmente o processo eleitora no Brasil, unindo-se, na prática, aos golpistas daqui.
E nós sabemos que os tribunais superiores foram os grandes fiadores do processo eleitoral e aturam como forças de contenção do golpismo. O que faria a nossa Corte Eleitoral num regime que se organizou para fraudar eleições, ainda que possa não haver irregularidades no registro e na contagem de votos? A burla já está dada e consiste em usar o aparato estatal para garantir a desigualdade na disputa.
ITAMARATY
Lula tem de deixar claro outra vez quão importante e inegociável é para ele o processo democrático -- e todos sabemos que assim é para o único brasileiro a presidir o país três vezes, ungido pelo voto.
Que o presidente constate a gravidade da acusação de Maduro, dado o contexto que se vive aqui e no mundo. O Planalto deveria, de pronto, suspender a ida de Celso Amorim, assessor especial, e de diplomatas brasileiros a Caracas com o objetivo de acompanhar o pleito. Até porque o herdeiro de Hugo Chávez dá todos os indícios de que não vai aceitar um resultado adverso, razão por que ameaçou o país com um "banho de sangue" se perder. Lula expressou seu inconformismo com a fala, e o provocador recomendou que tomasse chá de camomila.
Antidemocráticas as eleições já são à medida que a oposição não disputa com o governo em igualdade de condições. Cabe ao Brasil se distanciar dessa farsa. O governo brasileiro não tem de romper com ninguém: nem com a Venezuela nem com a Argentina. Mas não pode correr o risco de entrar para a história como quem coonesta um processo criminoso por sua própria natureza.
CONCLUO
O líder petista já cobrou duas vezes um pedido de desculpas do argentino Javier Milei. É um erro. Empresta grandeza a um provocador. Um dos mais importantes e respeitados chefes de Estado do planeta não deve conferir a um faroleiro o poder da recusa.
Ocorre que a ofensa de Maduro é ainda mais grave. Chega, Lula — para lembrar o Machado de Assis de "Um Apólogo" —, de "servir de agulha a muita linha ordinária".
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