segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Novos crimes: Na Londres plural, Inominável prega Bolsonaristão a fanáticos


Bolsonaro se emporcalha comendo farofa e espalha sujeira à volta. Quer parecer povão, mas falha. O povo é limpo Imagem: Reprodução


Jair Bolsonaro em Londres demonstra: o território brasileiro se tornou pequeno para a disposição criminosa do presidente. Não bastam os mais de oito milhões de quilômetros quadrados para espalhar pestilência institucional, ética e moral.

"Pô, Reinaldo, há cidades, florestas, agropecuária e plantas industriais nessa vasta extensão". Eu sei. Corrompe as urbes, dando maus exemplos aos cidadãos. Corrompe as florestas, destruindo-as por meio da incúria do governo. Corrompe o agronegócio, opondo-o ao meio ambiente. Corrompe os empresários, enredando-os em suas tentações golpistas — e boa parte deles, é verdade, não tem lá muito amor pela democracia. Bolsonaro encarna, como potência, o colapso da natureza e da vida civilizada. Não chegará a tanto porque não haverá tempo. Mas é certo que deteriora tudo aquilo em que toca.

Que a leitora e o leitor entendam. O presidente do Brasil é notavelmente grosseiro, malcriado, ignorante... E outros atributos nada lisonjeiros poderiam ser aqui enfileirados. Alguns lhe são, digamos, imanentes como ser social. É fruto do seu meio, da educação que teve, das escolhas que fez e das que fizeram por ele antes de responder por si mesmo. Assim somos todos. É perceptível que não é do tipo que gosta de se render a convenções sociais, pouco importando se boas ou más. Criou uma persona política que faz da inadequação um ativo.

Bolsonaro não é o primeiro político — ou o primeiro presidente — a tentar imprimir, vamos dizer, o seu próprio estilo à rotina do poder. A rigor, assim fazem todos. Fernando Henrique Cardoso exibia uma certa "nonchalance" do intelectual refinado que "já viu tudo", ao menos pelas lentes de sua biblioteca. Tinha, no cargo, uma propensão à autoironia nem sempre compreendida pela imprensa. Lula, que veio, recorrendo a expressão antiga, do chão de fábrica, "dessolenizou" o poder para "ressolenizá-lo". E o símbolo dessa operação é o seu conhecido orgulho de ser o presidente sem curso universitário que mais abriu universidades no país. Não vinha romper com a ordem, mas mostrar como "um de baixo" poderia transformá-la para mantê-la.

Lula nunca foi um disruptivo. Nas vezes em que o petista, no poder, evocou a memória da classe operária, ele o fez para, voltando ao decoro, demonstrar que o filho de Dona Lindu havia chegado lá. Nota à margem, para os especialistas em comportamento: perceberam como Bolsonaro nunca evoca os genitores? Na condição de "Mito", parece ter vindo ao mundo como geração espontânea. E seus filhos, que são suas cópias políticas idênticas, parecem oriundos da partenogênese — uma estranha partenogênese do espermatozoide...

VOLTANDO AO CARA
É conversa mole essa história de que haveria um certo preconceito contra Bolsonaro porque ele teria lá o seu próprio modo de fazer as coisas. Ademais, personagens de ideia e estilo mal-ajambrados não chegam a ser uma novidade na vida pública brasileira. Poderia até ser bacana, mas acho que não precisamos primeiro criar um Eton College para, um dia, ter uma elite política. Isso é papo-furado.

Não me incomoda a educação deficiente de Bolsonaro, embora preferível que houvesse lido um livro ao menos que não a autobiografia de um torturador. Não me importa seu comportamento meio apalermado em solenidades — incluindo o riso a pregas soltas com o rei Charles, quando está em Londres para participar de pompas fúnebres. Não me provocam sua vestimenta mal ajambrada e seus hábitos alimentares que só fazem mal a si mesmo. Minhas reservas a esse senhor não têm a ver com o seu pouco repertório, qualquer que seja o tema.

O Bolsonaro sobre o qual me obrigo a escrever e a falar quase que diariamente é o criminoso contumaz. É o dever profissional — além do compromisso com a cidadania — que me impõe lembrar os mais de 40 crimes de responsabilidade que já cometeu no exercício da Presidência, o que inclui a viagem a Londres — além dos comuns e dos eleitorais.

O que me nego a fazer, aí sim, é apelar ao pouco traquejo social do ogro para tentar minimizar a sua rotina de ataques às instituições e à ordem legal. O pouco que ele sabe sobre quase tudo não o torna um inimputável. De resto, se não consegue transitar num mundo em que se debatem ideias e se não se sente à vontade entre os que, vá lá, têm algum cultivo do espírito, é certo que tem experiência o bastante para entender como funciona o poder. Não por acaso, esse que diz gostar das vestes de homem do povo, "meio simplão", teve notável habilidade para acumular patrimônio — e recorrendo ao dinheiro vivo. O grosseirão autêntico é credencial que serve para criar o tal "Mito" das redes sociais, que engabela tolos.

EM LONDRES
Bolsonaro viajou a Londres para o funeral da rainha Elizabeth e levou na comitiva um pastor, um padre e um dos homens que cuidam de sua campanha eleitoral. Para quê?

Uma vez na cidade, fez o que seria inimaginável até outro dia: usou a embaixada brasileira como palanque. Da sacada do imóvel, falou para um grupo de uns 150 brasileiros, ou que moram lá ou que estão em viagem:
"Somos um país que não quer discutir liberação de drogas; que não quer discutir legalizar o aborto e um país que não aceita também a ideologia de gênero. O lema é de Deus, pátria, família e liberdade. Esse é o sentimento da grande maioria do povo brasileiro. Em qualquer lugar que eu vá, para quem conhece aqui? Ontem eu estive no interior de Pernambuco, e a aceitação é simplesmente excepcional. Não tem como a gente não ganhar no primeiro turno".

A cada frase, seus entusiastas gritavam "Uhhuuuu", não explicando o que faziam, afinal, em uma pais em que:
1 - o aborto é legal desde 1967 (também para Escócia e País de Gales), podendo ser realizado pelo sistema público de Saúde ou por clínicas particulares;
2 - já foi liberado o uso medicinal da cannabis; está em debate a liberação do consumo da maconha;
3 - o casamento gay não sofre qualquer restrição.

A propósito: não está na pauta de nenhum dos presidenciáveis do Brasil a descriminalização do aborto, a liberação das drogas ou "ideologia de gênero", uma invenção da extrema-direita que nem eles mesmos sabem o que significa. Uma coisa é certa: Londres é uma das cidades mais diversas e plurais do mundo. Gostaria de saber por que os talibãs de Bolsonaro estão naquela "perdição". Ora, venham tentando construir o Bolsonaristão. É uma ironia!

CRIMES
Jair Bolsonaro e sua turma foram a Londres colher imagens para empregar na campanha eleitoral, e o presidente, como se nota pela fala acima, usa recursos públicos para tentar se reeleger. Trata-se de um caso escancarado de abuso de poder político, de abuso se poder econômico e desvio de finalidade no emprego de dinheiro público -- a começar já dos integrantes de sua comitiva.

As campanhas de Lula e se Soraya Thorinicke já recorreram ao TSE. De imediato, é preciso proibir o uso das imagens de sua passagem por Londres na campanha eleitoral. Mas é preciso também abrir uma investigação.

A história de vencer a eleição no primeiro turno é delírio que nem os institutos picaretas a soldo lhe oferecem porque é preciso manter ao menos um tiquinho do senso de ridículo. Usar Pernambuco como evidência dessa possibilidade é uma insanidade: no Estado, Lula tem 60% dos votos ou mais.

De Londres, Bolsonaro deu uma entrevista ao SBT e afirmou:
"Eu digo, se eu tiver menos de 60% dos votos, algo de anormal aconteceu no TSE, tendo em vista obviamente o data povo, que você mede pela quantidade de pessoas que não só vão nos meus eventos, bem como nos recepcionam ao longo do percurso até chegar ao local do evento".

É evidente que ele sabe que os que comparecem aos eventos eleitorais que promove e às manifestações golpistas que incentiva não representam a maioria do povo brasileiro, muito menos a 60%, número que tira da cartola. E lhe resta, então, uma vez mais, acuar o TSE de fraude, a menos que vença. Mais um crime de responsabilidade.

ENCERRO
Pouco me importa, em síntese, o Bolsonaro notavelmente ridículo e despreparado. O que condena o país ao desastre é aquele que agride permanentemente a democracia e o estado de direito. Não temos como educá-lo. Mas temos como pará-lo.

A propósito, há uma síntese impecável de sua obra no "Hino ao Inominável", lançado neste fim de semana, com letra de Carlos Rennó e música de Chico Brown e Pedro Luiz, que reproduzo depois do vídeo. É esse que não pode governar e tem de responder por seus atos, não o que se deixa fotografar emporcalhado de farofa para se fingir de homem do povo.

Até porque o povo é limpo.


HINO AO INOMINÁVEL

"Sou a favor da ditadura", disse ele,
"Do pau de arara e da tortura", concluiu.
"Mas o regime, mais do que ter torturado,
Tinha que ter matado trinta mil".
E em contradita ao que afirmou, na caradura
Disse: "Não houve ditadura no país".

E no real o incrível, o inacreditável
Entrou que nem um pesadelo, infeliz,
Ao som raivoso de uma voz inconfiável
Que diz e mente e se desmente e se desdiz.

Disse que num quilombo "os afrodescendentes
Pesavam sete arrobas" - e daí pra mais:
Que "não serviam nem pra procriar",
Como se fôssemos, nós negros, animais.
E ainda insiste que não é racista
E que racismo não existe no país.

Como é possível, como é aceitável
Que tal se diga e fique impune quem o diz?
Tamanha injúria não inocentável,
Quem a julgou, que júri, que juiz?

Disse que agora "o índio está evoluindo,
Cada vez mais é um ser humano igual a nós.
Mas isolado é como um bicho no zoológico",
E decretou e declarou de viva voz:
"Nem um centímetro a mais de terra indígena!,
Que nela jaz muita riqueza pro país".

Se pronuncia assim o impronunciável
Tal qual o nome que tal "hino" nunca diz,
Do inumano ser, o ser inominável,
Do qual emanam mil pronunciamentos vis.

Disse que se tivesse um filho homossexual,
Preferiria que o progênito "morresse".
Pruma mulher disse que não a estupraria,
Porque "você é feia, não merece".
E ainda disse que a mulher, "porque engravida",
"Deve ganhar menos que o homem" no país.

Por tal conduta e atitude deplorável,
Sempre o comparam com alguns quadrúpedes.
Uma maldade, uma injustiça inaceitável!
Tais animais são mais afáveis e gentis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Chamou o tema ambiental de "importante
Só pra vegano que só come vegetal";
Chamou de "mentirosos" dados científicos
Do aumento do desmatamento florestal.
Disse que "a Amazônia segue intocada,
Praticamente preservada no país".

E assim negou e renegou o inegável,
As evidências que a Ciência vê e diz,
Da derrubada e da queimada comprovável
Pelas imagens de satélites.

E proclamou : "Policial tem que matar,
Tem que matar, senão não é policial.
Matar com dez ou trinta tiros o bandido,
Pois criminoso é um ser humano anormal.
Matar uns quinze ou vinte e ser condecorado,
Não processado" e condenado no país.

Por essa fala inflexível, inflamável,
Que só a morte, a violência e o mal bendiz,
Por tal discurso de ódio, odiável,
O que resolve são canhões, revólveres.

"A minha especialidade é matar,
Sou capitão do exército", assim grunhiu.
E induziu o brasileiro a se armar,
Que "todo mundo, pô, tem que comprar fuzil",
Pois "povo armado não será escravizado",
Numa cruzada pela morte no país

E num desprezo pela vida inolvidável,
Que nem quando lotavam UTIs
E o número de mortos era inumerável,
Disse "E daí? Não sou coveiro". "E daí?"

"Os livros são hoje 'um montão de amontoado'
De muita coisa escrita", veio a declarar.
Tentou dizer "conclamo" e disse "eu canclomo";
Não sabe conjugar o verbo "concl?amar".
Clamou que "no Brasil tem professor demais",
Tal qual um imbecil pra imbecis.

Vigora agora o que não é ignorável:
Os ignorantes ora imperam no país
(O que era antes, ó pensantes, impensável)?
Quem é essa gente que não sabe o que diz?

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Chamou de "herói" um coronel torturador
E um capitão miliciano e assassino.
Chamou de "escória" bolivianos, haitianos?
De "paraíba" e "pau de arara" o nordestino.
E diz que "ser patrão aqui é uma desgraça",
E diz que "fome ninguém passa no país".

Tal qual num filme de terror, inenarrável,
Em que a verdade não importa nem se diz,
Desenrolou-se, incontível, incontável,
Um rol idiota de chacotas e pitis.

Disse que mera "fantasia" era o vírus
E "histeria" a reação à pandemia;
Que brasileiro "pula e nada no esgoto,
Não pega nada", então também não pegaria
O que chamou de "gripezinha" e receitou (sim!),
Sim, cloroquina, e não vacina, pro país.

E assim sem ter que pôr à prova o improvável,
Um ditador tampouco põe pingo nos is,
E nem responde, falador irresponsável,
Por todo ato ou toda fala pros Brasis.

E repetiu o mote "Deus, pátria e família"
Do integralismo e da Itália do fascismo,
Colando ao lema uma suspeita "liberdade"?
Tal qual tinha parodiado do nazismo
O slogan "Alemanha acima de tudo",
Pondo ao invés "Brasil" no nome do país.

E qual num sonho horroroso, detestável,
A gente viu sem crer o que não quer nem quis:
Comemorarem o que não é memorável,
Como sinistras, tristes efemérides?

Já declarou: "Quem queira vir para o Brasil
Pra fazer sexo com mulher, fique à vontade.
Nós não podemos promover turismo gay,
Temos famílias", disse com moralidade.
E já gritou um dia: "Toda minoria
Tem de curvar-se à maioria!" no país.

E assim o incrível, o inacreditável,
Se torna natural, quanto mais se rediz,
E a intolerância, essa sim intolerável,
Nessa figura dá chiliques mis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Por vezes saem, caem, soam como fezes
Da sua boca cada som, cada sentença?
É um nonsense, é um caô, umas fake-news,
É um libelo leviano ou uma ofensa.
Porque mal pensa no que diz, porque mal pensa,
"Não falo mais com a imprensa", um dia diz.

Mas de fanáticos a horda lamentável,
Que louva a volta à ditadura no país,
A turba cega-surda surta, insuportável,
E grita "mito!", "eu autorizo!", e pede "bis!"

E disse "merda, bosta, porra, putaria,
Filho da puta, puta que pariu, caguei!"
E a cada internação tratando do intestino
E a cada termo grosso e um "Talquei?",
O cheiro podre da sua retórica
Escatológica se espalha no país.

"Sou imorrível, incomível e imbrochável",
Já se gabou em sua tão caracterís-
Tica linguagem baixo nível, reprovável,
Esse boçal ignaro, rei de mimimis.

Mas nada disse de Moise Kabagambe,
O jovem congolês que foi aqui linchado.
Do caso Evaldo Rosa, preto, musicista,
Com a família no automóvel baleado,
Disse que a tropa "não matou ninguém", somente
"Foi um incidente" oitenta tiros de fuzis?

"O exército é do povo e não foi responsável",
Falou o homem da gravata de fuzis,
Que é bem provável ser-lhe a vida descartável,
Sendo de negro ou de imigrante no país.

Bradou que "o presidente já não cumprirá
Mais decisão" do magistrado do Supremo,
Ao qual se dirigiu xingando: "Seu canalha!"
Mas acuado recuou do tom extremo,
E em nota disse: "Nunca tive intenção
(Não!) De agredir quaisquer Poderes" do país.

Falhou o golpe mas safou-se o impeachável,
Machão cagão de atos pusilânimes,
O que talvez se ache algum herói da Marvel
Mas que tá mais pra algum bandido de gibis.

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

E sugeriu pra poluição ambiental:
"É só fazer cocô, dia sim, dia não".
E pra quem sugeriu feijão e não fuzil:
"Querem comida? Então, dá tiro de feijão".
É sem preparo, sem noção, sem compostura.
Sua postura com o posto não condiz.

No entanto "chega! [?] vai agora [inominável]",
Cravou o maior poeta vivo, no país,
E ecoou o coro "fora, [inominável]!"
E o panelaço das janelas nas metrópoles!

E numa live de golpista prometeu:
"Sem voto impresso não haverá eleição!"
E praguejou pra jornalistas: "Cala a boca!
Vocês são uma raça em extinção!"
E no seu tosco português ele não para:
Dispara sempre um disparate o que maldiz.

Hoje um mal-dito dito dele é deletável
Pelo Insta, Face, YouTube e Twitter no país.
Mas para nós, mais do que um post, é enquadrável
O impostor que com o posto não condiz.

Disse que não aceitará o resultado
Se derrotado na eleição da nossa história,
E: "Eu tenho três alternativas pro futuro:
Ou estar preso, ou ser morto ou a vitória",
Porque "somente Deus me tira da cadeira
De presidente" (Oh Deus proteja esse país!").

Tivéssemos um parlamento confiável,
Sem x comparsas seus cupinchas, cúmplices,
E seu impeachment seria inescapável,
Com n inquéritos, pedidos, CPIs.

Não há cortina de fumaça indevassável
Que encubra o crime desses tempos inci-vis
E tampe o sol que vem com o dia inadiável
E brilha agora qual farol na noite gris.
É a esperança que renasce onde HÁ véu,
De um horizonte menos cinza e mais feliz.
É a passagem muito além do instagramável
Do pesadelo à utopia por um triz,
No instante crucial de liberdade instável
Pros democráticos de fato, equânimes,
Com a missão difícil mas realizável
De erguer das cinzas como fênix o país.

E quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

Mas quem dirá que não é mais imaginável
Erguer de novo das ruínas o país?

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