quinta-feira, 19 de setembro de 2024

JORNAL NACIONAL 19/09/2024 Quinta Feira Completo

 

JORNAL DA BAND - 19/09/2024

 

Elon Musk brinca de Tom & Jerry

 


Elon Musk escondeu na nuvem o portal de acesso à rede X, reabrindo o acesso dos brasileiros a uma plataforma que Alexandre de Moraes mandou bloquear. Simultaneamente, começaram a ser desativados perfis bolsonaristas que continuavam no ar à revelia da suspensão ordenada por Moraes.

É como se Musk convidasse Moraes para uma brincadeira de Tom & Jerry. O bilionário esboça rendição ao mesmo tempo em que desafia o seu algoz, sinalizando que dispõe de múltiplos buracos para a fuga.

Em nota, a empresa disse que o X foi reativado no Brasil por ação "involuntária". Num post, Musk gargalhou por dentro: "Qualquer magia suficientemente avançada é indistinguível da tecnologia", anotou. Em decisão relâmpago, Moraes impôs ao X multa de R$ 5 milhões por dia de vigência de duração da mágica, informa Reinaldo Azevedo.

Com uma mão, Musk tirou do ar bolsonaristas como Allan dos Santos e Paulo Figueiredo. Com a outra, fez chegar a boa-nova a Bolsonaro, permitindo que o "mito" do pau oco derramasse no cristal líquido do X um textão com críticas a Moraes e elogios ao dono da rede. Coisa planejada e bem escrita. Nada a ver com os garranchos de Carluxo.

Nesse jogo de gato e rato, Musk ri muito. Mas cumpre, em conta-gotas, as ordens de Xandão. Na semana passada, pagou na marra R$ 18 milhões em multas. Começa a tirar do ar perfis bolsonaristas que o Supremo considera tóxicos. Falta indicar um representante do X no Brasil. Alguém que possa receber as muitas intimações judiciais que Tom ainda terá que mandar entregar ao Jerry.

BC sobe os juros e Lula não tem mais 'esse cidadão' para chutar


Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo

O silêncio de Lula foi a reação mais eloquente à decisão do Banco Central de elevar os juros em 0,25 ponto percentual, para 10,75%. Entre agosto de 2023 e maio deste ano, a taxa caiu de 13,75% para 10,5% ao ano. Lula reclamou incessantemente. Queixou-se também quando os juros ficaram estacionados.

"Isso só vai melhorar quando eu puder indiciar o presidente" do Banco Central, afirmara Lula, em junho. Agora, na primeira elevação da Selic de sua gestão, ele não deu um mísero pio. Escolhido por Lula, Gabriel Galípolo aguarda aprovação do Senado. Substituirá Roberto Campos Neto em janeiro.

Na prática, a alta dos juros funcionou como uma espécie de posse antecipada de Galípolo. A decisão foi unânime. Votaram a favor, além do próprio Galípolo, outros três diretores indicados por Lula. A diretoria do BC deixou entreaberta a porta para novas altas. A próxima elevação deve ocorrer em novembro. Tudo dentro do manual.

Não se sabe quanto tempo vai durar, mas o mutismo de Lula é uma boa notícia. Primeiro porque o silêncio não trai. Segundo porque bater numa decisão avalizada por Galípolo seria como esmurrar o espelho. Lula perdeu o bode expiatório. Não tem mais "esse cidadão" pra chutar. A satanização de Campos Neto perdeu a serventia.

Reinaldo Azevedo ao vivo: Moraes multa X e Starlink, de Elon Musk; diferença de Nunes e Marçal

 

Moraes precisa abrir porta para que Elon Musk saia, mas com rabo entre as pernas, diz Maierovitch


Datena x Pablo Marçal; Moraes multa X e Starlink em R$ 5 milhões ao dia, próximo debate - UOL News

 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Marçal enfeitiçou-se com seu próprio feitiço após cadeirada




Mago dos memes e dos recortes, Pablo Marçal foi enfeitiçado pelo próprio feitiço no debate da TV Cultura. Privado pelas artimanhas do sorteio de trocar farpas com Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, mais bem-postos nas pesquisas, esmerou-se nas provocações ao quinto colocado, insinuando que José Luiz Datena seria estuprador. Alvo de uma cadeirada, passou a administrar a agressão com método. Foi engolido pela esperteza.

Primeiro, Marçal esboçou a intenção de permanecer no debate após a expulsão de Datena. Chegou a esticar a troca de ofensas com seu agressor no intervalo comercial. De repente, em conversa com assessores, optou por refugiar-se nas redes sociais, seu habitat natural. Deixou-se filmar no interior de uma ambulância e no leito do hospital Sírio-Libanês. Exibiu as imagens na internet em meio à tese segundo a qual a cadeirada seria uma repetição dos atentados sofridos por Bolsonaro, em 2018, e Donald Trump, há pouco mais de dois meses.

Num dos vídeos que postou, Marçal exibia uma pulseira verde no pulso. O adereço identifica pacientes sem gravidade. De madrugada, enviou mensagem para o WhatsApp de Datena. Nela, escreveu: "Você fraturou minha costela, cara". O marketing da cadeirada foi pulverizado num boletim divulgado pelo Sírio-Libanês na manhã desta segunda-feira. Marçal sofreu traumatismo na região do tórax à direita e no punho direito, "sem maiores complicações associadas", informou o hospital, dando alta ao candidato.

Percebendo que havia micado o plano de migrar da posição de encrenqueiro profissional para a de vítima, Marçal recalibrou rapidamente o discurso. Em entrevista, retomou o discurso belicoso. Queixou-se da falta de solidariedade dos adversários. Às vésperas de um novo debate, que será levado ao ar pela Rede TV e pelo UOL na manhã desta terça-feira, Marçal declarou-se pronto para a guerra. Aprendeu da pior maneira um velho ensinamento de Tancredo Neves: a esperteza, quando é muita, engole o dono.

O episódio engolfou também o processo eleitoral paulistano. O histrionismo de Marçal e o descontrole emocional de Datena transferiram a disputa do caos para o pântano. Os conflitos já não são dirimidos no âmbito da Justiça Eleitoral, mas na delegacia de polícia. No limite, a própria democracia escorrega no lodaçal.

Ironicamente, Marçal acenara com uma trégua em mensagens enviadas ao celular de Datena 48 horas antes do debate de domingo. Numa das mensagens, Marçal desculpou-se: "Oi, Datena, me perdoe pelas palavras pesadas contra você". Noutra, escreveu: "Tenho sentido que somos animais num zoológico e todos querem ver agressões gratuitas". Em ligação telefônica, um assessor de Marçal sugeriu um encontro. Farejando o que estava por vir, Datena refugou a oferta.

Costuma-se dizer que um macaco senta no próprio rabo para falar mal do rabo dos outros. Ao cobrar serenidade de Datena depois de fustigá-lo na noite de domingo, Marçal estava sentado em cima do seu próprio cinismo. Vivo, Charles Darwin diria que a campanha municipal de São Paulo é a prova de que o ser humano parou de evoluir. Pior: Faz o caminho inverso, rumo às cavernas.

Cadeiradas que importam serão desferidas pelo eleitor, na urna



Os debates eleitorais de São Paulo são tão violentos que a cadeirada de José Luiz Datena em Pablo Marçal parece uma cena de mutilação democrática destinada a descansar o espectador para coisas mais fortes que estão por vir. O diabo é que o descanso tem a duração de um intervalo comercial.

Datena foi expulso do programa. Marçal ainda voltou ao púlpito da TV Cultura. Mas preferiu transferir seu espetáculo, de ambulância, para as redes sociais. Ali, indagou: "Por que todo esse ódio?" Exagerando na pose de vítima, igualou a agressão de Datena às tentativas de homicídio contra Bolsonaro, em 2022, e Trump, neste ano.

Como cadeira não é faca nem rifle, o marketing da cadeirada serve para expor a debilidade de uma onda eleitoral que tem dificuldades para realizar o sonho de virar tsunami. Mais próximos do segundo turno, Ricardo Nunes e Guilherme Boulos cuidaram de manter o debate na sarjeta.

Nunes chegou a perguntar para Boulos: "Você cheirou?" Tanto lodo deu a Marina Helena uma aparência de Irmã Dulce. E permitiu a Tabata Amaral lamentar a "postura dos homens".

Na ribalta da internet, os recortes de Marçal foram compartilhados na velocidade da luz. Ganharam as redes caretas do candidato com trilha sonora de sirene, o "M" feito com ar compungido no leito do hospital Sírio Libanês, a palavra do médico sobre uma "linhazinha de fratura" no sexto arco costal...

Datena diz que continua candidato. E Marçal manda dizer que agora é ele quem exige regras mais duras para os debates. Quer, por exemplo, seguranças no palco. Antes que seja necessário impor focinheira aos debatedores, o eleitor talvez perceba que que, numa democracia, as únicas cadeiradas que importam são aquelas desferidas por ele, nas urnas. Faltam 20 dias para para o primeiro turno. É tempo suficiente para deixar de confundir certos candidatos com candidatos certos.


segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Jornal Nacional 16/09/2024 Completo Segunda Feira

 

Datena x Pablo Marçal: Reinaldo Azevedo analisa ao vivo agressão com cadeirada em debate

 

É possível fazer debate decente? Cadeirada no bom senso e tolices de gênero


Datena dá uma cadeirada em Marçal depois de ter sido desafiado pelo "coach", que disse que o outro não seria homem o bastante para bater nele

É claro que eu vou escrever sobre a "noite da cadeirada". Mas preciso do contexto.

Escrevi aqui e comentei no "Olha Aqui", neste UOL, e em "O É da Coisa", na BandNews FM e no BandNews TV, que a ABC News havia dado algumas boas lições sobre o modo de fazer um debate. Refiro-me ao confronto entre Donald Trump e Kamala Harris ocorrido na Filadélfia, no dia 10, com mediação exemplar de David Muir e Linsey Davis. Fez-se, então, um real confronto de ideias. Foi tão bom tecnicamente que Trump odiou e ameaçou processar a emissora. No Brasil, antes de se lamentar a escuridão, é preciso indagar se não se ajuda a apagar a luz.

É mais fácil, claro!, organizar um embate entre dois postulantes do que entre seis. Ainda assim, as virtudes que vejo no modelo da ABC News se aplicam. Vamos de cara ao que não funciona: candidato perguntar a candidato. Para quê? Convenham: quem pergunta não quer ouvir a resposta. Quem responde finge não ter ouvido o que foi perguntado. Os postulantes usam o tempo para dizer o que vão fazer e para desqualificar o adversário. Ou, então, assiste-se à "dobradinha": dois se juntam para atacar um terceiro.

Marçal é experimentado nas artimanhas de ação e reação. Ganhou muito dinheiro com isso. Levou ao ar uma acusação pesada, de suposto assédio sexual, contra o oponente -- caso que conta com um desmentido assinado pela própria acusadora. E o desafiou para o embate físico:
"Você é um arregão. Você atravessou o debate esses dias para me dar um tapa e falou que você queria ter feito. Você não é homem nem para fazer isso. Você não é homem".

Ao perceber que o outro erguia a cadeira para atacá-lo, não hesitou. Disse: "Vai!".

Não custa notar que "arregão" foi o adjetivo que o bolsonarismo, com vídeo reproduzido pelo próprio Jair Bolsonaro, pespegou no próprio Marçal.

É evidente que não endosso o comportamento de Datena e creio que ele próprio deve saber que passou dos limites. Mas não vou ignorar o comportamento delinquente de Marçal ao longo desse e de outros embates. Ele não comparece a esses eventos para expor propostas, defender ideias, acusar falhas em curso na gestão da cidade.

Já afirmei isto e repito: não há lei que imponha a presença num debate de um candidato que nem direito ao horário eleitoral tem porque seu partido, afinal, não tem existência de fato.

Aí cumpre que as emissoras e organizadores de debates se perguntem: "Afinal, o que queremos? Um encontro para que o público possa avaliar a qualidade das propostas dos postulantes?" Se é assim, então Marçal não pode estar presente. É simples. E há amparo na lei para impedir a sua pantomima.

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BOBAGEM
Na única vez em que tentou ser propositivo -- e se deu justamente respondendo a uma pergunta da produção sobre o que fazer com transporte público, ficou claro que Marçal não tem a menor ideia sobre... o que fazer com o transporte público. A saída? Respondeu isto:
"A gente vai recuperar a vocação dessa cidade com algumas indústrias e profissões do futuro (...) Nós vamos criar dois milhões de empregos em 1.460 dias. E quem cria não é o governo. O governo é facilitador. Essa é uma promessa que vai ser cumprida".

Só para vocês terem uma noção do tamanho do despropósito: a população ocupada na cidade, segundo o BGE, era de 6.728.485 em 2022. Digamos que seja agora de 7 milhões. Marçal promete criar o correspondente a 30% das vagas de trabalho hoje ocupadas. Trata-se de uma besteira estratosférica. Obviamente, não sabe o que diz sobre transporte, sobre emprego e sobre nada. Foi a única vez que tentou parecer propositivo. Percebeu que estava se dando mal e, então, investiu no caos.

A Internet já está infestada de vídeos com o rapaz numa ambulância, recebendo oxigênio, sabe-se lá por quê. Também circulam montagens com a facada em Bolsonaro, o tiro na orelha de Donald Trump e, agora, a cadeirada em Marçal. Só falta ele resolver dar entrevistas numa cama de hospital...

OUTRAS LÁSTIMAS
Com Datena e Marçal fora do debate, Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB) travaram os embates mais duros. O candidato do PSOL acusou irregularidades em contratos da Prefeitura. O prefeito, no melhor figurino bolsonarista, o acusava de ser invasor de propriedade e, assumindo o figurino de Marçal, chegou a indagar ao oponente: "Você cheirou? Você está louco, rapaz?"

Cumpre notar que o embate direto entre os dois não foi por escolha, mas por sorteio.

Tabata Amaral (PSB) resolveu impor um viés de gênero ao encontro e chegou a elogiar a bolsonarista radical Marina Helena, do Novo:
"Eu quero agradecer também à Marina por, aparentemente, ter sido a única que quis manter o nível do debate dos que restaram".

A "Maria Helena com nível", nas palavras de Tabata, já tinha apresentado a sua proposta para segurança pública. Esta:
"Eu vejo que o primeiro ponto para a gente realmente cuidar da segurança na cidade é não eleger a esquerda, que passa a mão na cabeça de bandido. Não dá, gente, para eleger aqueles que não querem que a polícia seja armada; não dá para eleger aqueles que são contra a redução da maioridade penal ou que são contra o fim da saidinha. Esse é o primeiro ponto."

Houve um outro momento de "nível" de tal senhora. Ainda no debate, Marçal afirmou que Marina Helena teria algumas coisas contra Nunes. Instou-a, então, a dizer o que ela sabia e que estaria sendo omitido pelo "consórcio comunista" da mídia. A candidata do Novo respondeu:
"Bom, Marçal, eu vejo que você não fez uma pergunta diretamente para mim, né? Eu gostaria que, às vezes, você se dirigisse diretamente a mim porque eu vejo isso com uma certa falta de respeito. Falando de Nunes, eu mostrei já no outro debate que, na rede da Prefeitura, tinha sim um programa chamado 'Saúde para Todos' e vários outros problemas que a gente vê aí com linguagem neutra, inclusive mudança de gênero para crianças. Mas, se você não tem uma pergunta para mim, Marçal, eu tenho agora uma pergunta para você muito simples: eu fui a primeira a te defender quando caíram as suas redes sociais porque eu sou contra a censura de todo tipo. Nessa manifestação do 7 de Setembro, eu fiquei com uma grande dúvida: afinal de contas, Marçal, você é a favor do impeachment do Alexandre de Moraes?

E o "coach" respondeu que é. Marina voltou à carga:
"Bom, gente, vamos lá. A direita tá cansada de ser enganada, essa é a grande verdade. A gente precisa de líderes com coragem (...). Aliás, eu cheguei na hora na manifestação do 7 de Setembro. Eu discursei no caminhão de som; depois, eu fui ao do Silas [Malafaia], e a gente estava ali por um motivo único que é o fim da censura do nosso país. É importante sim que verdades sejam ditas, e uma delas é "Fora, Xandão"!

É o puro chorume do bolsonarismo, que Tabata considerou ser "de nível". Nas suas palavras finais, a candidata do PSB insistiu no viés de gênero:
"É fato que existe um candidato que não respeita ninguém e vem tumultuando desde o primeiro debate. Mas esse candidato saiu. O Datena saiu. E, ainda assim, o nível continuou baixo. Ainda assim, os egos e os ataque prevaleceram. (...) Eu quero que você reflita comigo se esses homens, que, claramente não colocam isso [o atendimento à população] como prioridade, se eles vão ter a humidade, a seriedade para enfrentar esses problemas tão graves".

Na sequência, demonstrando que ego é mesmo um problema masculino, emendou:
"Eu venho demonstrando que me preparei, que tenho um bom time, mas acho importante dizer também que tenho muita pressa. Eu, como deputada federal, fui autora, coautora, relatora de 19 projetos que viraram lei (...).

ENCERRO
Estou certo de que as bobagens que Marina Helena disse no debate não guardam nenhuma relação com o fato de ser mulher. Têm a ver, isto sim, com o seu reacionarismo abjeto. Afinal, na única vez em que a candidata do Novo confrontou Marçal, um homem, ela o estava acusando de não ser reacionário o bastante.

Eleição em SP e no Rio e o retrato anatômico da decadência de Bolsonaro


Bolsonaro se encontra com lideranças evangélicas em março de 2022 e chora ao lembrar a facada. Essa sempre foi a aposta para criar a figura do indestrutível sensível, enquanto diz enormidades. Não funciona mais como antes.

A sucessão de Jair Bolsonaro na extrema direita já começou. Antes que entre no mérito, algumas considerações importantes.

A eleição na cidade de São Paulo é importante, sabemos, não pelo reflexo que possa ter na sucessão presidencial ou por seu eventual caráter de amostragem do, digamos, "estado ideológico geral". As questões locais, ligadas às tarefas da prefeitura, que tem um impacto importante no dia a dia das pessoas, pesam muito mais, ainda que as rinhas ideológicas se manifestem.

A importância se deve ao fato de que se está a falar de um dos maiores Orçamentos do país, e os políticos se articulam com o poder econômico para dar uma destinação à dinheirama, em maior ou menor conexão com os pobres, a depender da pessoa eleita.

E isso faz sentido. As desconstruções a que o ex-presidente foi submetido — seja pela via dos fatos, seja pela da crítica política — o caracterizam como um adversário da democracia, uma pessoa tóxica para os direitos humanos, um aspirante a ditador. Ocorre que nada disso abala a sua reputação junto à parcela da população que lhe dá suporte. Ela o aprecia justamente por isso. O jogo de Marçal é outro, como a dizer: "Você hoje está ocupado das suas questões pessoais e já não tem mais o ímpeto necessário para encarnar os valores da extrema direita". Não que um ou outro conheçam a teoria o suficiente para saber o que isso significa precisamente. Não importa. Basta que fale com propriedade ao âmago da desrazão.

De repente, o "statu quo" da extrema direita ficou bagunçado porque parte importante do seu eleitorado passou a obedecer a um comando que lhe pareceu, se não mais legítimo, mais autêntico ao menos, embora Marçal, nas hostes do extremismo, seja um neófito. Mas e daí? Bolsonaro também foi um dia. Era um reacionário desde sempre, mas a sua conversão à mistura de Deus com bobajada da Faria Lima é relativamente nova.

Tudo indica que Marçal não vai para o segundo turno, mas isso é menos importante do que o fato de que demonstrou que a fortaleza dos ódios pode ser assaltada por outro aventureiro. Farei uma pausa para falar do Rio, o que ajuda a compor o quadro, e depois volto a São Paulo

RIO
Some-se a essa investida dos fatos contra Bolsonaro aquilo a que se assiste na disputa pela Prefeitura do Rio. Só um evento verdadeiramente formidável -- ou um erro histórico das pesquisas de opinião -- tira a reeleição de Eduardo Paes (PSD). E, tudo indica, no primeiro turno.

Os poderes miraculosos de Bolsonaro de transferir voto a quem lhe der na veneta entraram em falência, lembrando que ele venceu Lula na cidade por 52,66% a 47,34% no segundo turno. Se o jornalismo conservador ou francamente reacionário se diverte com o fato de que Lula, até agora, não transferiu votos de maneira convincente a Guilherme Boulos em São Paulo — onde o presidente venceu a disputa —, o resultado até agora, convenham, está longe de ser vexaminoso.

Mas e Alexandre Ramagem no Rio? Paes, é verdade, fez uma ampla política de alianças na cidade, que não se limitou aos partidos. Conquistou também fortalezas do voto considerado bolsonarista, como as igrejas evangélicas. Seria uma tolice atribuir o resultado só ao declínio na figura de Bolsonaro. O talento do prefeito na articulação tem um grande peso. Fato: este, por ora, esmaga os superpoderes daquele. O ex-presidente está sendo desafiado na sua própria cidadela, a extrema direita, em São Paulo, e humilhado em sua base política, no Rio. Nesse caso, uma articulação política competente e, vá lá, um candidato muito fraco se encarregam de evidenciar seus pés de barro.

Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.Quero receber

DE VOLTA A SÃO PAULO
Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador de São Paulo, não desistiu de Ricardo Nunes nem no auge da turbulência. Ao contrário: acabou comprando briga com o "coach", a despeito da migração do eleitorado bolsonarista, e se colocou como fiador da candidatura do prefeito à reeleição.

Aos reacionários endinheirados de São Paulo e do país — que não têm pensamento assim tão distinto do de Bolsonaro, mas não rasgam dinheiro nem apreciam excesso de incertezas —, é evidente que se robustece a figura de Tarcísio como líder da extrema direita e, eventualmente, da direita, quanto esta demonstrar onde se esconde.

Tarcísio fez carreira no serviço público nos governos petistas, mas é uma invenção política de Bolsonaro, não se cansando de lhe demonstrar gratidão. Tanto é assim que um governador de estado, que tem sérios e graves encargos institucionais, exibiu a irresponsabilidade de comparecer a um ato que pede o impeachment de um ministro do Supremo e anistia a golpistas.

Na encolha, no entanto, ele costuma deixar claro que prefere menos crispação e confronto. Bem, nessas coisas, só acredito vendo. E eu o vi no palanque da insensatez. De toda sorte, no embate de São Paulo, repeliu a ameaça Marçal em vez de se render a ela. Ao fazê-lo, registrem aí, a criatura se tornou um pouco mais independente do seu criador.

AFETOS SANGUINOLENTOS DE NUNES
Também merece menção o Ricardo Nunes que pode sair das urnas, se vitorioso. Numa entrevista à revista Oeste, defendeu a CPI do Supremo, atacou Alexandre de Moraes e se disse contra a suspensão do X. O moderado do MDB, do mesmo partido de Michel Temer, resolveu exercitar seus afetos sanguinolentos, numa campanha eleitoral em que precisa, a um só tempo, repelir Marçal, mas competir com ele em reacionarismo.

É uma estratégia: sua turma considera que o eleitorado não bolsonarista que já tem está assegurado e que o incerto é justamente a fatia extremista, atraída por Marçal. Se ela migrasse em massa para o "coach", haveria o risco de o prefeito não passar para o segundo turno. Assim, vejam vocês, temos o candidato de Temer em São Paulo a defender uma inconstitucional CPI do Supremo e a atacar o ministro indicado pelo ex-presidente.

Longe de mim sustentar que Nunes está fingindo ser o extremista de direita que não seria. Se alguém decide falar de si mesmo as piores coisas e exibir os piores instintos, não serei eu a dizer: "Ah, você não é tão mau assim..." Se ele diz ser, então acredito. Mas a história não deixa de existir.

Parece-me que até esse Nunes a babar besteiras indica mais a fragilidade do que a força de Bolsonaro. Depois de resistir, o prefeito aderiu a essa pauta, no fim das contas, em parceria com Tarcísio, para fazer as vontades do líder decadente, mas ainda influente, com o objetivo de atravessar o deserto. Caso reeleito, veremos se continuará a ser um inimigo do STF à frente da prefeitura.

ENCERRO
Bolsonaro adora se mirar em Lula. É quase patológico. Perdeu mais uma para a sua nêmesis. O processo sucessório no PT ou no campo progressista está longe de começar. Não há nem sinal. Na extrema direita, no entanto, já está em andamento. O Mito tinha pés de barro. E todos sabem que ainda vai para a cadeia.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Horário de verão: uma cortina de fumaça? - G1

 

Marçal promete banir livros e causa tumulto em visita à Bienal em São Paulo


Marçal na Bienal do Livro, nesta quarta — Foto: Edilson Dantas

O empresário Pablo Marçal (PRTB), candidato a prefeito de São Paulo, provocou tumulto na 27ª Bienal do Livro, nesta quarta-feira. Desde a chegada até a saída do pavilhão do Anhembi, na Zona Norte da cidade, foi assediado por estudantes de ensino fundamental e médio que gritavam e pediam fotos a todo momento. O ex-coach prometeu ainda "banir" títulos da rede pública que "deturpem a liberdade", caso seja eleito, sem apresentar exemplos concretos. A postura de Marçal no evento irritou alguns livreiros e seguranças, que precisaram da ajuda de bombeiros para conter o público e evitar danos nas bancas e acidentes. No entorno, pessoas também gritaram ofensas como "ladrão", "bandido" e "lixo".

Um dos mais exaltados era Rodrigo Barros, 47 anos, expositor da editora Cartola. Ele disse ao GLOBO que foi chamado de "cheirador" pelo candidato, que reproduz a mesma ofensa, sem provas, a Guilherme Boulos (PSOL).

— Aqui não é lugar de campanha eleitoral — criticou ele, acrescentando que também não concordou com a vinda de Boulos no final de semana, mas houve menos atribulação.

Marçal, então, se dirigiu ao estande da editora que publicou seus livros de mentoria e coach. De pé em uma banca, pisando nos livros, mostrou obras de sua autoria para o público. Entrou na área destinada a funcionários e continuou a propaganda, ensaiando uma sessão de autógrafos.

O comboio se chocou diversas vezes com os mostruários, e a dificuldade de transitar pelos corredores obrigou a segurança a intervir. Eles fizeram um cordão para proteger a estrutura e as pessoas. Visivelmente irritado, um profissional disse à reportagem que aquela situação não havia sido combinada, apenas uma visita de cortesia. "Não subir, incitar", disse.

Dono da livraria que publica as obras de Marçal, Paulo Houch estranhou a pergunta do GLOBO a respeito do fato de um candidato a prefeito estar promovendo os próprios livros na Bienal. Disse que o jornal estava tentando "cavar uma falta" e se recusou a dar entrevista.

A organização também foi procurada para comentar o ocorrido. Por meio de nota, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) declarou que, "por a Bienal do Livro ser um evento de grande visibilidade, é comum que candidatos procurem visitar o evento" e que "recebe a todos sem distinção". "Sempre esperamos que as visitas transcorram sem intercorrências e preservando a segurança de todos", acrescenta a entidade.

Promessa de censura a livros

Em conversa com jornalistas, Marçal prometeu trazer a rede pública inteira para a Bienal do Livro, caso seja eleito, e tornar São Paulo a capital com maior nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Atualmente, a cidade está em 14º lugar no ranking do primeiro ao quinto ano e em 11º do sexto ao nono ano do ensino fundamental, pela avaliação divulgada em agosto, referente a 2023.

O candidato declarou ainda que não descarta banir livros da rede pública, “tudo o que for deturpar a produtividade, o crescimento e a liberdade”. O comentário não foi direcionado a nenhuma obra específica, apesar de a pergunta ter sido motivada pelo caso de O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, recolhido pelas secretarias de educação de Goiás e do Paraná, em medida revertida posteriormente.

Alegou que as escolas promovem “erotização” e “comunismo”. Indagado sobre medidas práticas que pretende adotar para monitorar os professores, acusados em outras oportunidades de agir como "militantes de esquerda", Marçal disse que elas serão conhecidas somente a partir do próximo ano.

— O ensino no Brasil sempre foi pautado pelo comunismo. Vamos dar uma mudadinha nisso aí. Vamos chamar muitas pessoas para estudar os livros que serão colocados e tirados, mas com certeza terão livros que não fazem sentido para a formação cognitiva de ninguém, que estão deturpando ideologia — dispara.

A ida ao estante da sua editora já havia sido anunciada neste momento, com Marçal fazendo autoelogios ao seu histórico. Ele negou, no entanto, a intenção de colocar as próprias obras na mão dos alunos, mesmo diante da promessa de inserir conteúdos sobre “empresarização” e “inteligência socioemocional” em sala de aula.

— Não precisa, não (ter livros dele na rede pública). A gente já vende muito livro no privado — respondeu o candidato.

Marçal diz que ‘torce por Lula’, mas pede para petista não concorrer em 2026 por ‘estar idoso’

Em sabatina do jornal “O Estado de S. Paulo”, Marçal prometeu manter diálogo institucional com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caso seja eleito prefeito de São Paulo. O petista apoia Boulos na disputa.

— A questão da relação vai depender dele. Eu sou republicano. O que é republicano? Sou uma pessoa que, na hora que acabar a eleição, a gente precisa governar — disse.

Ele acrescentou que Lula seria bem-vindo na cidade e que não torce contra o seu governo.

— Eu não estou contra ele não. Eu luto para que ele faça as coisas certas. Que ele diminua o imposto como o Bolsonaro diminuiu. Que ele seja um cara que não gaste tanto dinheiro igual está gastando. Que ele não interfira no Banco Central. Eu estou a favor. Eu quero que ele dê certo.

Na agenda da tarde, esclareceu que pretende ter apenas “encontros públicos” para pedir recursos e que discorda da sua orientação política. Pediu ainda que Lula não se candidate em 2026 por estar “idoso”.

— É notório que eu discordo da filosofia dele, da ideologia que ele carrega, que nunca resolveu absolutamente nada. Fica trazendo uma falsa esperança para o povo.

O empresário já afirmou anteriormente que cogitaria disputar a presidência da República se o petista estiver morto daqui a dois anos.


quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Jornal Nacional 12/09/2024 Quinta Feira Completo

 

O É da Coisa de 12/09/2024, com Reinaldo Azevedo

 

Reinaldo Azevedo ao vivo: Boulos mira Nunes; declaração de Marçal, avaliação do governo Lula

 

Embraer faz tour pela Índia em busca de fornecedores para seus aviões



A disputa pelo contrato MTA (Medium Transport Aircraft, Aeronave de Transporte de Porte Médio) da Força Aérea da Índia está se intensificando entre a Lockheed Martin, que oferece o C-130J Super Hercules, e a Embraer, que tenta emplacar mais uma vitória do C-390 Millennium.

Dias após a gigante aeroespacial dos EUA anunciar que terá uma segunda linha de montagem do turboélice na Índia caso vença a concorrência, a Embraer revelou ter concluído um tour pelo país em busca de fornecedores para suas aeronaves.

A proposta da empresa brasileira é mais ampla e avalia potenciais fornecedores para várias de suas aeronaves, não apenas em defesa como também na aviação comercial e executiva.

O ERJ 145 AEW “Netra” da Força Aérea da Índia (Embraer)

Entre as áreas sondadas estão aeroestruturas, usinagem, forja e fundição, conformações metálicas, compostos, cablagem, desenvolvimento de hardware e de software.

“A Índia tem uma indústria robusta de aviação e defesa e vemos grandes possibilidades para que os fabricantes e desenvolvedores de sistemas indianos se tornem fornecedores da Embraer”, disse Roberto Chaves, Vice-Presidente Executivo de Compras e Suprimentos Globais da Embraer.

“Make in India”

Em fevereiro, a Embraer assinou um Memorando de Entendimento com o grupo indiano Mahindra para viabilizar uma linha de montagem para o C-390 caso ele seja o escolhido pela Força Aérea do país, que planeja encomendat até 80 aeronaves.

Com uma economia em franca expansão, a Índia tem atraído atenção mundial tanto na aviação civil quanto na área de defesa.

O governo local lançou o programa “Make in India” (Faça na Índia), que estabelece as bases industriais para programas importantes de desenvolvimento.

O E175 voa na Índia com a Star Air (Embraer)

Para a Embraer, o mercado indiano ainda é pouco explorado. Apenas 44 aeronaves da fabricante voam no país, entre cinco jatos executivos no governo e três EMB 145 AEW “Netra” na Força Aérea.

Na aviação comercial, a operadora com a frota mais relevante da Embraer é a Star Air que possui quatro E175 e quatro ERJ 145.

Ao ameaçar delegados da PF, delinquência muda de patamar



Quando alguns brasileiros foram pedir golpe na porta dos quarteis, imaginou-se que os devotos de Bolsonaro eram incapazes de todo. O quebra-quebra do 8 de janeiro revelou que, na verdade, eram capazes de tudo. Numa evidência de que a política brasileira está longe de superar a fase primitiva, a delinquência mudou de patamar. Já não poupa nem delegado da Polícia Federal.

Encontram-se sob ataque os delegados Fábio Shor e Raphael Astini. Um comanda a investigação sobre milícias digitais, com os seus agregados —da falsificação de cartões de vacina ao roubo de joias. O outro toca o inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado. Ambos tiveram os dados pessoais capturados. E passaram a amargar ataques nas redes e ameaças fora delas. Nem os familiares são poupados.

A milícia bolsonarista migrou do ambiente digital para o mundo presencial, emitindo sinais de que conhece veículos e endereços dos seus alvos. A investida engrossou o caldo em que ferve o bloqueio da rede X, determinado por Alexandre de Moraes. A plataforma de Elon Musk descumpriu ordens do ministro do Supremo Tribunal Federal para remover perfis tóxicos das redes.

É contra esse pano de fundo que Bolsonaro molha a camiseta da seleção brasileira por uma anistia para os golpistas. Aposta que os inquéritos estrelados por ele cairão por "falta de materialidade". Pede no Congresso um diálogo que conduza à pacificação. Os fatos evidenciam a falta que faz um bom lote de condenações criminais contra o capitão.

domingo, 8 de setembro de 2024

Silvio-Anielle: eis um texto contra o assédio e contra tribunais de exceção


Silvio Almeida, então ministro dos Direitos Humanos, e Anielle Franco, ministra a Igualdade Racial. As coisas desandaram.

Um dia depois de Silvio Almeida ter sido esquartejado em praça pública antes das provas, milhares de pessoas foram à Paulista para cobrar a anistia a condenados com provas. Também querem, como é sabido, o impeachment de Alexandre de Moraes, ministro-relator do Supremo que conduziu os processos. Dada a temporalidade dos eventos e o "timing" do "Me Too Brasil", o massacre de Almeida serviu de esquenta para o ato convocado pela extrema-direita fascistoide. E, segundo se reporta, assim as coisas se deram nas redes. O resultado não foi lá essas coisas para a fascistada. Mas isso, em particular, é matéria para outro texto.

Ou bem a gente começa a pensar a respeito de certas práticas, ou bem se cria um novo tribunal no Brasil, composto por membros dessa ONG, que poderia ser batizado de STES: Supremo Tribunal de Execução Sumária. Há uma algaravia condenatória segundo a qual não há alternativa ao aplauso a uma cabeça no poste (a de Almeida) ou à condescendência com o assédio.

Sempre que debatedores e opinadores se veem na contingência — e vou fazer precisamente isto agora — de evidenciar seu compromisso com os direitos fundamentais e com a civilidade como uma espécie de alerta e vacina para que não sejam mal compreendidos, isso é evidência de que se está sob o signo de uma doxa que não admite contestação ou contraditório. Aí se torna obrigatório dizer, por exemplo, que apontar as ilegalidades da Lava Jato não implica conivência com a corrupção; que condenar o massacre do povo palestino não é um flerte com o ataque terrorista do Hamas; que se opor à execução sumária de um ministro não é uma forma de minimizar a agressão às mulheres.

Já me expressei a respeito no programa "O É da Coisa" na BandNews FM e no BandNews TV. Torço muito para que o ex-ministro consiga provar que nada fez de errado, dado que, nessa área, o princípio da presunção da inocência — segundo o qual cabe ao acusador o ônus da prova — entrou em falência faz tempo. E também isso precisa ser compreendido à luz da realidade.

De fato, ao longo da história, homens usaram a sua posição de poder para assediar mulheres, que não encontravam caminho para que sua voz fosse ouvida, de sorte que o aparato legal acabava, na prática, protegendo o criminoso, não a vítima. Posto isso, pergunto: podemos abrir mão, no caso do assédio ou de outro crime qualquer, da presunção da inocência? Sem ela, teremos o quê? Logo, e chegarei lá, é preciso que se faça também um questionamento sobre os métodos do Me Too.

A DEMISSÃO
Dadas as circunstâncias -- a voragem desencadeada pela denúncia do Me Too e a informação, nunca contestada por Anielle Franco, de que ela própria havia sido sexualmente importunada --, não restava ao presidente Lula alternativa à demissão de Almeida.

Se, na esfera penal, a presunção da inocência pede que o acusador apresente a evidência de que o crime foi cometido, já que o acusado não tem como produzir prova negativa — a menos que tenha um álibi para contestar cada uma das acusações, o que é impossível porque ele as desconhece —, não é assim na política. Um ministro não pode continuar no cargo com tal suspeita sobre os ombros, mormente se titular de uma pasta que defende os direitos humanos e a cidadania. Ainda que só cuidasse, sei lá, de Assuntos Aleatórios e Generalidades, como permanecer?

O tempo e os critérios da política não são os de um processo. E por isso mesmo é preciso que se tome especial cuidado.

SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL
Retomo um fio lá do começo para dar continuidade à tecitura do meu texto e convidá-los a algumas reflexões. Vivemos um tempo muito particular em que criminosos contumazes reivindicam o seu suposto "direito" de afrontar o Código Penal e a Constituição. Faz-se um ato em defesa do impeachment de um ministro do Supremo que ousou e tem ousado cumprir a lei, o que, ó desdita!, tem-lhe rendido a animosidade até de setores da imprensa.

Um fanfarrão na Presidência da República passou quatro anos a ameaçar o país com um golpe de Estado. Reuniu o seu ministério, incluindo o da Defesa, no dia 5 de julho de 2022, com o fito de suspender a realização da eleição. Não tendo logrado o intento e tendo sido derrotado, maquinou modos de impedir que se cumprisse a vontade da maioria expressa nas urnas. Dado um novo malogro, chegou-se ao 8 de janeiro de 2023. O evento deste 7 de setembro pede que se passe uma borracha na história e que se puna o juiz que ousou expulsar do jogo os que estavam em campo para quebrar canelas, não para jogar bola.

O que isso tem a ver com Almeida, Reinaldo? A ordem democrática trava uma luta agônica, de vida ou morte mesmo, com as forças do caos. E não é só no Brasil. Já há farta bibliografia a respeito. Os que estamos em defesa de tal ordem — e eu estou — não temos outra arma que não a afirmação dos nossos princípios, tão permanentemente vilipendiados nas redes, por exemplo, e dos nossos valores. E um deles atende precisamente pelo nome de "devido processo legal".

"Ah, mas não querem a cabeça de Alexandre justamente porque ele não o respeita?" Não! Eles a querem precisamente em razão do contrário: porque não aceitam que os ditames da vida democrática imponham limites a suas ações, vontades e prefigurações escatológicas. Quando até a OAB recorre a uma ADPF para contestar decisão de ministro e de Turma do Supremo, sabendo que o instrumento é escandalosamente impróprio para tal fim, não se trata apenas de uma divergência; o que se tem é a depredação dos fundamentos do estado de direito.

ERROS
Não havia como, sabemos, Almeida permanecer no governo, e sua demissão foi fulminante depois que o Me Too tornou pública a acusação, sem o desmentido de Anielle Franco. Se verdadeiro o buchicho de que suspeitas circulavam havia tempos pelos corredores de Brasília, é preciso, então, que se revejam ou se criem protocolos.

Sendo assim, há uma coleção de erros. Se realmente importunada, a ministra não poderia ter permitido que o caso ficasse no limbo. Ou bem cobrava uma atitude do governo e, não sendo atendida, deixava a pasta, explicando a razão, ou bem colocava a conveniência política acima de sua indignação. Se, por seu turno, Almeida tinha ciência de que algo se adensava a ameaçar o seu cargo, deveria ter mobilizado instâncias oficiais ou para confrontar acusadores ou para deixar a função. Sendo como se diz, igualmente erraram todos os que, podendo interferir, permitiram que o caso ficasse fermentando até que uma ONG, falando em nome de denunciadoras anônimas, optasse pelo "cortem-lhe a cabeça", usando a guilhotina da imprensa.

Não me peçam para condescender, em qualquer caso, com instrumentos discricionários, ainda que não oficiais. Sei bem o quanto me custou — e como foi caro! — opor-me aos métodos da Lava Jato. Naquele tempo, para apelar a expressão bíblica, uma miserável indagação sobre os métodos de Sergio Moro ou de Deltan Dallagnol tornava o autor suspeito de conivência com a corrupção. Hoje, eles são quem são. Dallagnol, diga-se, estava num dos carros da Avenida Paulista, a pedir o impeachment de Moraes.

Uma coisa é Almeida não ter como permanecer no governo, e não tinha; outra, distinta, é receber tratamento de condenado sem que se conheçam nem mesmo suas acusadoras. À diferença de alguns colegas, acho, sim, relevante que a ONG tenha tido seus interesses contrariados pelo Ministério, numa licitação envolvendo algumas milhões, antes da denúncia fulminante. Nesse caso, tem de valer o que, antes, valia apenas para a mulher de César e, hoje, felizmente, vale também para o marido da mulher de César: não basta que sejam honestos; também têm de parecer.

Ou os meus colegas vão ignorar o fato de que, sendo verdadeira a história de que a suspeita já circulava para cá e para lá, as negociações milionárias do Me Too se desenvolviam enquanto, nos subterrâneos, existia uma espécie de ameaça? A resposta furiosa da ONG à nota emitida por Almeida em suas ultimas horas no ministério não resolve a questão. As coisas se deram ou não daquela maneira?

QUE SAÍDA?
Almeida enfrenta a maior de todas as punições, que é a impossibilidade de se defender porque, por ora, o que se tem é a acusação de uma ONG, antes de qualquer investigação, e a da ministra Anielle, ainda que vazada numa linguagem indireta. É claro que existe a possibilidade de que tudo seja verdade. Não estou eu aqui a asseverar a inocência de Almeida. Como eu poderia fazê-lo? Mas que sistema de direito se está erigindo no país quando se atribui a uma entidade, que ouve pessoas que não se mostram, um poder que nenhum tribunal superior tem: o da condenação sem direito a defesa ou recurso?

Sim, eu mesmo escrevo acima que a natureza do assédio supõe que se busque uma saída que impeça o criminoso de se esconder nas dobras da lei. Se me perguntarem agora qual é o caminho, também não sei. Talvez se possa pensar numa vara especializada de Justiça, em que o acusado e seu defensor possam saber quem são os acusadores, com os processos tramitando em rigoroso sigilo — e, nesse caso, para proteger as vítimas, já que, então, teriam tomado a decisão de não aparecer.

Não estou aqui, de modo oblíquo, a pôr em dúvida o testemunho das mulheres que disseram ao Me Too terem sido assediadas por Almeida. Como eu poderia fazê-lo? Não sei quem são nem conheço as circunstâncias. Mas também não sabem e também não conhecem os que estão tratando o ex-ministro como culpado. Li em algum lugar que só os homens se importam com esta questão. Em primeiro lugar, não é verdade. Em segundo lugar, não se trata de um debate de gênero. Temos de nos perguntar se podemos trabalhar com o conceito de que existem acusadores que estão acima da lei. Se decidirmos que sim, estamos também admitindo que existem acusados que estão abaixo do direito de defesa. Sendo o Me Too, nesses casos, o porta-voz legitimado das vítimas, então se terá criado a quarta instância da Justiça em que se condena sumariamente, sem julgamento.

TRIBUNAIS DE EXCEÇÃO E IDEOLOGIA
Situei o caso de Almeida no Brasil de hoje. Para quê? Para criar diversionismo? Para assegurar que ele é inocente? Os que leram com atenção sabem que não. Quando evoco, acima, as lambanças do bolsonarismo e a tentativa de derrubar um ministro do Supremo porque este condenou golpistas com provas, estou chamando a atenção para o fato de que, mundo afora, a prática típica e recorrente da extrema-direita consiste em desmoralizar a Justiça, acusando-a de ser seletiva e de estar a serviço do interesse de... (as acusações variam segundo os fascistoides locais) comunistas, globalistas, ateus etc.

A rigor, não querem Justiça nenhuma. Advogam o vale-tudo do que chamam "liberdade de expressão" porque querem eleger, sem que respondam por isso, os inimigos que lhes são úteis: os esquerdistas, os imigrantes, os gays, as mulheres, os negros... Usam as redes e suas milícias digitais como tribunais de exceção. Espezinham, humilham, avacalham, promovem linchamentos virtuais.

No caso de Almeida, extremistas de direita — notórias e notórios inimigos do feminismo e das políticas afirmativas para negros — levantaram a sua voz não para se solidarizar com Anielle e com as acusadoras ainda anônimas, mas para espezinhar os então dois ministros, os progressistas, as políticas de reparação, o livro de Almeida sobre o racismo estrutural, as lutas contra a barbárie, que constituem pauta importante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e da Igualdade Racial. Seriam, asseguram esses monumentos morais, todos hipócritas. E, claro!, a verdade estaria com eles, que se orgulham de seu antifeminismo, de sua oposição às políticas afirmativas e de seu apego, que pretendem contestador, ao politicamente incorreto.

Quando deixam claro não respeitar a Justiça porque esta seria parcial — e se ouviu isso de novo no evento flopado da Paulista —, estão, na verdade, a deixar claro que só aceitam o seu próprio julgamento, segundo os seus próprios critérios.

Nem o Me Too nem entidade nenhuma, pouco importa a causa que defendam, podem ambicionar a condição de tribunal de exceção. Como fazer para que o direito de defesa não proteja o assediador? Acima, dou uma sugestão. Muitas outras podem ser debatidas. Uma coisa me parece inequívoca: a parceria de uma ONG com um veículo de imprensa não pode ser uma sentença única e irrecorrível.

Não faz tempo, advogados do grupo Prerrogativas se levantaram, de modo correto, contra a palavra do delator como prova e estão na raiz de uma mudança importante na Lei 12.850: a delação é meio para obtenção da dita-cuja. Sabemos o que a aberração que estava em curso custou ao Brasil. "Está comparando uma eventual vítima de assédio com um delator, Reinaldo?" Não. Mas o Me Too não pode ter mais poder do que tinha a teratológica Lava Jato naqueles dias insanos, que levaram o país à ruína.

ENCERRO
Que se faça, no caso das acusações contra Almeida, a devida investigação e que ele arque, se culpado, com as consequências, na forma da lei.

O grupo Prerrogativas, diga-se, só se formou porque advogados diziam não aceitar o vale-tudo da Lava Jato, não é isso?, nem a conversa de que o combate à corrupção era tão importante que se podia abrir mão do devido processo legal, ou, de outro modo, não se faria justiça. Aquele Prerrogativas estava certo.

Este é um texto inequivocamente contra o assédio. E contra tribunais de exceção.

Ah, sim: "E se a investigação vier a comprovar, Reinaldo, que o ex-ministro é culpado das acusações?" Não retiro uma linha do meu texto. Eu o escrevo em defesa do devido processo legal, não da impunidade. Ou teria ido neste 7 de setembro à Avenida Paulista aplaudir a fascistada.

Jornal Nacional 07/09/2024 Sábado Completo

 

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

 

Caso Silvio Almeida: Saia justa leva grupo Prerrogativas a pacto de silêncio no caso

 

Sonho de Bolsonaro de liderar a direita ganhou ares de pesadelo


A um mês do primeiro turno das eleições municipais, o sonho de Bolsonaro de liderar a direita nacional vai ganhando a aparência de pesadelo. De acordo com o Dadtafolha, o incômodo é maior nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, três das principais vitrines da temporada.

Em São Paulo, Bolsonaro tenta se equilibrar em meio ao entrechoque dos eleitores que votaram nele em 2022. Em vez de comandar, é comandado pelas circunstâncias. Assiste atônito à briga particular entre Ricardo Nunes, o bolsonarista oficial; e Pablo Marçal, o dissidente —ambos com 22%— pela vaga de adversário do lulista Guilherme Boulos (23%), num hipotético segundo turno.

Zonzo, Bolsonaro já se dá por satisfeito se alcançar em São Paulo o objetivo estratégico de evitar a associação com uma derrota. Tarcísio de Freitas cresce em cima da hesitação do "mito". Prega o voto útil da direita em Nunes, que se manteve vivo no Datafolha

Escorado nas estatísticas, Tarcísio sustenta que Marçal representaria num eventual segundo turno "a porta de entrada para Boulos" na prefeitura. Se for bem sucedido na sua estratégia, o governador retira um escorpião de ultradireita do seu caminho e consolida-se como polo alternativo a Lula em 2026.

No Rio, berço político do capitão, a evidência de que o conservadorismo não é sinônimo de bolsonarismo é ainda mais eloquente. Ali, o preferido do clã Bolsonaro, Alexandre Ramagem (11%), tornou-se candidato favorito a levar uma surra eleitoral do prefeito Eduardo Paes (59%) ainda no primeiro turno.

Em Belo Horizonte, o bolsonarista Bruno Engler (13%), está embolado num pelotão intermediário, 16 pontos percentuais atrás do líder Mauro Tramonte (29%). Mantidas as tendências, as urnas de 2024 podem reservar para Bolsonaro uma notícia desalentadora: embora o capitão se considere um "cabo eleitoral de luxo", o pedaço conservador da sociedade não parece disposto a fazer o papel de gado eleitoral.


Josias: Tabata mostra que tem proposta, mas não tem a menor chance