segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Ao privilegiar amigos, Lula perde nexo no debate sobre Orçamento



Numa República, todos são iguais aos olhos do Estado. Mas o rateio do Orçamento federal brasileiro segue a lógica de Pasárgada, onde a amizade vale mais do que a cidadania. Num instante em que Lula acusa o Congresso de "sequestrar" verbas do governo por meio de emendas opacas e impositivas, descobre-se que o Planalto também envia para meia dúzia de prefeituras as suas remessas Pix. Coisa de R$ 1,4 bilhão em um ano e meio.

Desde que Manuel Bandeira revelou o desejo de estar em Pasárgada, onde era amigo do Rei, o apreço do soberano nunca foi tão ansiado. A amizade real virou um refrão nacional de cunho pecuniário. Para alguns, ser amigo do Rei significa dar o passo mágico com o qual, no Brasil, os que estão fora passam para dentro do cofre do Tesouro. Foi o que ocorreu com os gestores petistas de quatro prefeituras paulistas —Araraquara, Mauá, Diadema e Hortolândia— e os aliados de um par de cidades fluminenses —Cabo Frio e Belford Roxo.

As seis cidades privilegiadas abrigam apenas 0,86% da população brasileira. Estão longe, muito longe dos piores índices de desenvolvimento do país. Enquanto municípios com indicadores sociais bem mais precários tropeçam na burocracia, os amigos do Rei têm acesso à garagem, sobem pelo elevador privativo e entram no gabinete presidencial sem bater, levados pela mão por Marcola, o chefe de Gabinete de Lula.

Ao beneficiar os amigos, Lula perde o nexo na guerra que trava com o Congresso para reaver parte dos R$ 50 bilhões distribuídos anualmente aos municípios por meio de emendas parlamentares. Numa República em que a Presidência é a Pasárgada de alguns, dependendo do desfecho da controvérsia orçamentária mediada pelo Supremo Tribunal Federal, quem assegurar o apreço do Rei pode até dispensar os outros atrativos da terra sonhada do poeta —ginástica, bicicleta, burro brabo, pau-de-sebo, banho de mar, beira de rio e amor desejado na cama escolhida... Tudo isso ficaria irrisório diante do acesso privilegiado à maçaneta do gabinete do Rei e, sobretudo, à chave do cofre.

Um comentário:

AHT disse...

Ao avaliar candidatos para o Executivo e Legislativo, seja qual for a esfera - federal, estadual e municipal, é imperativo verificar suas referências nos quesitos integridade, competência e capacitação.


O Brasil e o Dilema do "Menos Pior"

O Brasil, ao longo de sua história, tem oscilado entre momentos de ufanismo e crises de identidade nacional. Em várias ocasiões, o fervor patriótico ofuscou a racionalidade necessária às decisões políticas e administrativas, resultando em ações imediatistas e casuísticas. Esses impulsos, em detrimento de soluções planejadas e controles eficazes, levaram as instituições ao desgaste e o país a sucumbir repetidamente à corrupção.

É lamentável perceber que, do ufanismo às incertezas, resta apenas o "espírito de Copa do Mundo", enquanto os cidadãos, apáticos ou desiludidos, oscilam entre o desalento e o conformismo. Eleitores descrentes, desviados por promessas vãs, seguem o ciclo de votos ilusórios, optando pelo "menos pior" não por esperança, mas por falta de alternativas reais.

Essa cultura do "menos pior" é amplificada por uma manipulação sutil, mas perigosa: desestabilizar o que ainda funciona, corroer as bases institucionais e otimizar o princípio do "quanto pior, melhor". A lógica perversa perpetua-se, e a nação, escaldada e insegura, pode errar mais uma vez, escolhendo perpetuar o círculo vicioso ou insistindo na ilusão de que esse ou aquele 'experiente líder' salvará o país.

Entretanto, surge a pergunta: seria possível romper de vez com esses vícios e buscar uma verdadeira renovação? A maior participação cidadã e uma fiscalização rigorosa dos atos legislativos e executivos poderiam, enfim, trazer a mudança tão desejada? Ou as raízes danosas do passado continuarão a operar, desafiando qualquer tentativa de real transformação?

Infelizmente, o destino do Brasil parece estar preso a essa encruzilhada. E enquanto o conformismo falar mais alto, a esperança de uma mudança verdadeira permanecerá uma miragem distante.

AHT
19/08/2024