José Casado, O Globo
Dilma Rousseff trabalha em silêncio com o vice Michel Temer, à margem do ronco das ruas.
Combinaram começar a primavera com quase todos os grupos parlamentares governistas instalados em cargos-chave na administração direta federal, autarquias, fundações e empresas estatais.
O mapa do novo loteamento está com o ministro Eliseu Padilha (Aviação), assessor do vice-presidente nas negociações conduzidas dentro do Palácio do Planalto. Fundador do PMDB, ele se dedica a estudar a geografia do poder no Legislativo desde a era Fernando Henrique, duas décadas atrás.
Se realizada, talvez venha a ser uma das maiores obras do clientelismo nos últimos tempos. O objetivo é cooptar mais de duas centenas de deputados, assegurando votos suficientes no plenário da Câmara para, no mínimo, dificultar eventuais pedidos de impeachment.
Dilma, Temer e Padilha, com a bênção de Lula, acreditam que a redivisão em lotes dos núcleos de poder deve aplainar a “travessia” da presidente na crise política até meados do ano eleitoral de 2016, quando, imaginam, acabaria o inverno da desesperança na economia.
Nesse jardim primaveril, prepara-se um desbaste do PT em algumas áreas para dar espaço ao florescimento do PMDB como “fiador da governabilidade”. Aglutinado em torno de Temer, porque o futuro dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, agora depende do imponderável: o rumo dos inquéritos sobre corrupção na Petrobras conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal.
Os negócios avançam na rotina de quietude do Planalto, com episódicas intervenções da Casa Civil, para informar líderes sobre vetos, por “falta de consenso partidário” ou simplesmente por causa da “folha corrida” do indicado.
O resultado desse novo loteamento governamental tende a ser praticamente invisível para os contribuintes. Vai ficar encoberto pelos cargos e funções multiplicadas na última década.
Foram 130 mil contratações entre a posse de Lula, no 1º de janeiro de 2003, e os primeiros 90 dias deste segundo governo Dilma.
Significa que o governo federal contratou 40 novos servidores a cada dia útil, na média dos últimos 13 anos — segundo o banco de dados do Ministério do Planejamento.
Entre Lula e Dilma, a folha de pagamentos da administração federal (excluídas as estatais) inchou na proporção de cinco contratações por hora — uma a cada 12 minutos — em cada jornada de trabalho, durante 3.117 dias úteis.
Ao mesmo tempo, proliferaram as remunerações por “confiança” e “gratificação”, sem contar adicionais por “incorporação”, “periculosidade” etc. São cerca de cem mil as funções comissionadas na estrutura governamental.
Em março contavam-se 615,6 mil funcionários civis ativos. Dilma dispõe de uma força de trabalho 26% maior que Lula em 2003. No entanto, os serviços públicos estão em colapso, especialmente na saúde e educação. O peso e a intensidade do “ajuste” necessário para financiar o setor público demonstram quanto o Estado ficou maior que a economia — e não apenas por causa do funcionalismo.
Visto do palácio, está tudo dominado. Só falta combinar com a rua, renitente em protestos ressonantes e cada vez mais ásperos, como os do último domingo.
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