quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Carlos Vilela - Candidato a Prefeito de Caçapava

 

Jornal Nacional 28/08/2024 Quarta Feira

 

A ordem de Bolsonaro sobre os confrontos com Pablo Marçal


O empresário e pré-candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal e o ex-presidente Jair Bolsonaro

— Não temos que bater nele — determinou o ex-presidente.

Integrantes do clã Bolsonaro avaliam que hoje o principal fator que afasta Jair Bolsonaro do influencer são as ofensas públicas que ele faz ao vereador Carlos Bolsonaro. Na sabatina da Globonews, nesta segunda-feira, o candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo voltou a ofender o filho do ex-presidente com o termo "retardado", além de atribuir a derrota para Lula, em 2022, à sua postura de centralizar as decisões de campanha.

Na noite de quarta-feira, no entanto, Carlos Bolsonaro postou uma mensagem contando que fez as pazes com o influencer. "Conversei há pouco com Pablo Marçal, foi muito educado e bacana comigo. Expusemos nossos pontos e fico feliz em ter a consciência que queremos rumar nas mesmas direções quando falamos de Brasil”, escreveu o vereador.

Jair Bolsonaro também fez um gesto a Marçal ao afirmar, em vídeo sobre o ato marcado para 7 de setembro na Avenida Paulista, que “qualquer outro candidato a prefeito da capital está autorizado a subir no carro de som” da manifestação. O capitão reformado apoia formalmente o prefeito Ricardo Nunes, que deve comparecer à manifestação.

O clima mudou após a quinta-feira passada (22), quando Bolsonaro e Marçal trocaram farpas no Instagram. Tudo começou após o empresário comentar uma publicação de Bolsonaro: "Pra cima, capitão. Como você disse: eles vão sentir saudades de nós". Bolsonaro, porém, negou proximidade: "Nós? Um abraço". O deputado federal Eduardo Bolsonaro também entrou no debate.

Aliados do ex-presidente relataram que Bolsonaro e seu filho foram surpreendidos com o movimento em defesa do influencer.

Reinaldo: Tarcísio está disposto a fazer 'M de Marcola' contra a esquerda?

 

Indago à turma do 'Ave, César Musk!' sobre a X: há alternativa à suspensão?





O ministro Alexandre de Moraes deu 24 horas para que a plataforma X indique um representante legal no Brasil, sob pena de a rede ser suspensa. Para protesto ou ironia burra dos idiotas, a comunicação se fez por intermédio da própria X. A razão é simples: não há a quem entregar uma intimação, uma vez que Elon Musk decidiu que o Marco Civil da Internet, que exige um representante legal por aqui, não vale para a sua empresa.

Um militante de extrema-direita disfarçado de "especialista em liberdade de expressão", que dá plantão a qualquer um que queira colher uma opinião contra o STF, especialmente contra Moraes, vocifera que o ato é ilegal porque a intimação não poderia ter sido feita desse modo. É mesmo? E qual seria o meio adequado? Sinal de fumaça?

A tese de que a STF só poderia agir por meio de uma carta rogatória é conversa para boi dormir. Não se trata de cooperação judicial entre países. A objeção seria uma estultice vergonhosa, não fosse má fé em estado bruto. Bem, de toda sorte, sempre resta a esperança de que o Musk decida contratar um abelhudo a peso de ouro. Apresentem-se, valentes!

É claro que a eventual suspensão da X pode gerar uma onda de desagrado contra o ministro e contra o Supremo. Mas, antes que se diga que o magistrado está caindo numa cilada armada por Musk — e eu mesmo já escrevi que é preciso, sim, tomar cuidado com este delinquente internacional —, cabe que se aponte uma alternativa. Qual?

Seria o quê? Abrir uma exceção, dispensando a X de ter uma representação legal, de modo a que o Marco Civil da Internet valesse para as outras empresas, menos para ela? Que se desse de barato que a plataforma poderia ignorar decisões judiciais, sem que nada lhe acontecesse e a seus representantes, dado que inexistem? Que o Judiciário, sabe-se lá por qual por qual diploma legal, resolvesse acionar o indivíduo Elon Musk no Tribunal das Santas Escrituras?

Alguma resposta há de haver que não seja pura e simplesmente o descumprimento da lei.

"Ah, isso é tudo o que Musk quer..." Ele preferiu investir no impasse, já que passou a tratar a Corte como inimiga. Mais do que isso: emitiu no dia 17 de agosto um comunicado "urbi et orbi" — como se falasse a Roma e ao mundo —, informando que encerrava suas operações por aqui, ainda que mantendo disponível o serviço.

Assim, César Musk, o imperador, comunica às terras ocupadas de seu império que não reconhece a autoridade do Poder Judiciário nativo. É claro que a eventual suspensão das atividades da X geraria uma enorme dor de cabeça ao Supremo. Mas, então, é preciso que se aponte uma alternativa que não seja a admissão de que há um ente com autorização para operar acima da lei.

Se ela não é alcançada por decisões judiciais, então que se declare que estas terras passaram, oficialmente, à condição de colônia da X. Musk já realizou esse intento na Bolívia, por algum tempo, por intermédio de golpe de Estado.

Se não restar ao Supremo outro caminho, a X será suspensa. E não! Não se trata de um confronto "entre Moraes e César Musk". O ministro atua com respaldo de seus pares. Não ocorre, até onde sei, a nenhum ministro da Corte defender que decisões judiciais sejam ignoradas por quem quer seja, nativo ou não.

"Pô, Reinaldo, se Alexandre e o Supremo não tivessem tomado decisões contra a vontade do imperador..." Pois é. Isso nos devolve àquele ponto de sermos ou não uma colônia ocupada...

Jornal da Cultura | 28/08/2024

 

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

O É da Coisa de 28/08/2024, com Reinaldo Azevedo

 

CNN ARENA - 28/08/2024

 

JORNAL DA BAND - 28/08/2024

 

Jornal Nacional 27/08/2024 Terça Feira Completo

 

O É da Coisa de 27/08/2024, com Reinaldo Azevedo: Instituições inermes e o crime; Nunes sendo rifado

 

CCJ da Câmara analisa propostas que limitam os poderes do STF

 

Assista à íntegra do Jornal da Record | 27/08/2024

 

terça-feira, 27 de agosto de 2024

JORNAL DA BAND - 27/08/2024


Jornal Nacional 26/08/2024 Segunda Feira Completo

 

Tabata desafia Pablo Marçal: 'Não foge que vai ser pior!'

 

"Semileais" à democracia querem eleitor como único juiz de crimes de Marçal



A última palavra dos idiotas é deixar Pablo Marçal em paz nas redes, a cometer crimes eleitorais em penca porque, vejam vocês, "se mexer, piora, e ele cresce". Imagino esses gigantes do pensamento a medir o direito penal com a mesma régua com que medem o direito eleitoral. Na sua fórmula genial, a melhor maneira de combater os criminosos é descriminando (ou "descriminalizando", como se escreve por aí) o próprio crime. É um raciocínio asnal. É claro que, numa democracia, o adversário tem de ser vencido pelo voto. Já o inimigo das regras do jogo tem de ser vencido pela Polícia e pela Justiça. In casu: Pablo Marçal não tem de ser banido da disputa porque fala asneiras, porque é um reacionário asqueroso ou porque pretende ser o líder da extrema-direita. Ele tem de ter o registro cassado porque já cometeu crimes eleitorais em penca. Que parte os sonsos não entenderam?

OS SEMILEAIS
Leiam com atenção o que segue em negrito:
"Durante anos, a política no Brasil e a política nos Estados Unidos pareceram seguir caminhos paralelos. Não faz muito tempo, os dois países elegeram figuras de extrema-direita que ameaçaram a democracia. A eleição de Donald Trump em 2016 nos inspirou a escrever 'Como as Democracias Morrem'. Jair Bolsonaro foi eleito dois anos depois (no ano em que 'Como as Democracias Morrem' foi publicado). Bolsonaro admirava Trump abertamente, e a mídia americana o descrevia como o "Trump dos Trópicos".
(...)
A regra básica da democracia é que os políticos aceitem os resultados das eleições, ganhando ou perdendo. E nem Trump nem Bolsonaro estavam dispostos a perder. Trump se tornou o primeiro ocupante da Presidência dos Estados Unidos a não aceitar a derrota e conspirou para subverter os resultados da eleição de 2020, num esforço que culminou na violenta insurreição de 6 de janeiro de 2021.

Bolsonaro trabalhou para solapar a legitimidade da eleição de 2022 no Brasil, alegando, sem fundamento, ter havido fraude. Tudo indica que ele tentou conseguir apoio militar para invalidar o pleito, e, quando isso não funcionou, seus seguidores invadiram as sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
(...)
Donald Trump continua sendo uma ameaça iminente à democracia americana. (...) Já no Brasil, Jair Bolsonaro vem sendo politicamente marginalizado, e a crise democrática dá sinais de ter sido, em grande parte, superada. Em outras palavras, o Brasil rechaçou a recente ameaça a democracia, ao contrário dos Estados Unidos.

A principal diferença entre os dois países é o comportamento dos líderes políticos, especialmente os da direita.

Um presidente autocrático sozinho jamais é suficiente para matar uma democracia. Os autocratas precisam de cúmplices — políticos tradicionais que tornam possível a sua existência. O cientista político espanhol Juan Linz os chama de 'democratas semileais' — políticos tradicionais que toleram, ajudam e protegem os autoritários.

Diante de uma ameaça autoritária, políticos comprometidos com a democracia — que Linz chama de 'democratas leais' — fazem três coisas: condenam publicamente o comportamento antidemocrático e agem para responsabilizar os culpados, ainda que sejam aliados ideológicos; expulsam as figuras autoritárias de suas fileiras, recusando-se a nomeá-las ou a indicá-las para cargos públicos; trabalham com forças pró-democracia de todo o espectro ideológico para isolar e derrotar extremistas antidemocráticos.

Democratas semileais não fazem nada disso: em vez de expulsar figuras autoritárias, eles as toleram, entram em acordo e até colaboram discretamente com elas; em vez de repudiar o comportamento autoritário de seus aliados, minimizaram o aceitam esse comportamento, ou simplesmente se calam; recusam-se a trabalhar com rivais ideológicos para isolar autoritários, mesmo que a democracia esteja em perigo."

RETOMO
São trechos do prefácio brasileiro de "Como Salvar a Democracia", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores do já clássico "Como as Democracias Morrem".

Observem que os autores se referem aos "políticos semileais" à democracia, que condescendem com os autoritários. Falei sobre eles ontem aqui, ao comentar "A Anatomia do Fascismo", de Robert O. Paxton. O exemplo mais eloquente é o conservador Franz von Papen, que decidiu ser vice-chanceler de Hitler na Alemanha na certeza de que estava, a um só tempo, combatendo as esquerdas e contendo o furor disruptivo do "cabo austríaco". O resultado é conhecido.

Seguem Levitsky e Ziblatt no prefácio:
"Este livro mostra que a semilealdade pode matar a democracia. Uma lição importante que pode ser extraída de colapsos democráticos anteriores -- na Itália, na Alemanha e na Espanha nas décadas de 1920 e 1930; na Argentina, no Brasil e no Chile nos anos 1960 e 1970 -- é que, quando partidos ou políticos tradicionais toleram, protegem e possibilitam a ação violenta ou antidemocrática de extremistas, as democracias enfrentam dificuldades.

Quando comparamos os políticos de direita dos Estados Unidos depois de 2020 com os do Brasil depois de 2022, a diferença é gritante. Nos Estados Unidos, líderes republicanos têm sido esmagadoramente semileais,  tolerando consistentemente e até tornando possível o autoritarismo de Trump. A maioria deles, por exemplo, se recusou a aceitar publicamente os resultados da eleição de 2020. De acordo com o 'Republican Accountability Project, 86% dos membros republicanos do Congresso fizeram declarações públicas pondo em dúvida a legitimidade do pleito."

De fato, parte considerável dos conservadores brasileiros admitiu o resultado da eleição — coisa que a esmagadora maioria dos republicanos não fez —, ainda que uma facção barulhenta do Congresso, fiel a seu líder, continue a acusar uma suposta fraude eleitoral em 2022 e faça oposição sistemática ao governo, pouco importando o que esteja em votação. A "semilealdade" também no Brasil é expressiva, ainda que distante do que se vê no Estados Unidos. E há um outro fator fundamental, também destacado pelos autores no seu prefácio.

OS TRIBUNAIS
Leiam mais esta passagem:
"Por fim, enquanto líderes republicanos pretendem apoiar a candidatura de Trump em 2024, mesmo que ele seja condenado por tentativa de golpe, no Brasil, os tribunais proibiram Bolsonaro de concorrer a qualquer cargo público por oito anos -- e pouquíssimos políticos de direita saíram em sua defesa. Embora a decisão do Tribunal Eleitoral tenha sido controversa, poucos políticos brasileiros atacaram a legitimidade do Judiciário ou alegaram que o ex-presidente estava sendo vítima de perseguição. Portanto, Bolsonaro não só está legalmente proibido de concorrer a presidente como, pelo menos por hora, parece estar politicamente enfraquecido de maneira que, enquanto o Partido Republicano continua ligado a Trump, o que lhe permite continuar ameaçando a democracia americana, a maioria dos políticos de direita no Brasil se distanciou de Bolsonaro, deixando isolado".

Há aí o registro fundamental do papel da Justiça na contenção do golpismo e na inabilitação daquele que tramou contra a democracia — e rejeito, como sabem, que a decisão do TSE tenha sido "controversa". Levitsky e Ziblatt exageram um tanto a dizer que Bolsonaro está "isolado". Não está. Ainda é o maior líder da direita brasileira e tem uma bancada expressiva na Câmara e no Senado. Já nem se diga que são "semileais" à democracia. A relação é mesmo de deslealdade.

Ainda que se encontrem imprecisões quando lido o texto nas suas minudências, é evidente que a dupla enxergou corretamente as particularidades do Brasil — virtuosas no que respeita à manutenção da democracia — em contraste com o que se deu e se dá nos EUA.

Ter havido uma direita no Brasil que reconheceu o resultado das urnas foi, sim, importante para evidenciar que o pretendido golpe daria com os burros n'água, embora muitos tenham decidido ir até o fim. O próprio Bolsonaro, e há evidências em penca, estimulava, com meias-palavras e silêncios, a virada de mesa. Não aconteceu.

A JUSTIÇA ELEITORAL
Ambos têm razão quando afirmam, mais adiante, que "a resposta a direita brasileira à crise desencadeada por Bolsonaro foi mais favorável à democracia do que a resposta americana à Trump". Mas esbarram de novo em certo exagero quando escrevem: "Como os políticos brasileiros, via de regra aceitaram o resultado da eleição de 2022, condenando de maneira veemente a insurreição de 8 de janeiro, e cooperaram com as investigações sobre os esforços bolsonaristas para enfraquecer a democracia, a ameaça representada por Bolsonaro perdeu força".

Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito dos inquéritos de que Alexandre de Moraes é o relator, notadamente o 4.781, que abriga parte considerável da investigação sobre as ações golpistas.

Não fosse a atuação dos tribunais, o desfecho poderia, sim, ser outro. Se é fato que houve por aqui uma direita conservadora que lamentou, mas aceitou a vitória do Lula, cumpre não superestimar o seu papel: sem a força dos dois tribunais, a coisa teria ido para a breca. Não faltam aos EUA defensores da democracia; não falta aos Estados Unidos uma direita democrática legalista— parte considerável dos democratas, diga-se; não faltam aos Estados Unidos a certeza de que Trump tentou golpear a eleição. Mas faltam aos Estados Unidos leis e um aparato judicial que possam inabilitar um golpista.

DE VOLTA AO COMEÇO
Os semileais à democracia também estão entre nós. E um dos seus modos de ser é se articular contra o magistrado que encarnou justamente o triunfo da legalidade democrática em oposição às tramoias golpistas. E é certo que me refiro a Alexandre de Moraes.

Esses mesmos "semileais" se manifestam de novo agora, inclusive na imprensa. Diante dos crimes cometidos por um tal Pablo Marçal, propõem que sejam os eleitores os únicos juízes aptos a barrar a sua ascensão. A ser assim, a eleição se torna não a arena em que os contendores disputam em igualdade de condições, mas o instrumento de absolvição dos que cometerem crimes com mais habilidade.

A urna deve, sim, acolher a vontade do eleitor. Mas o eleitor não se converte em juiz de absolvição de criminosos.

Numa democracia, creio, é também um dever da imprensa:
- condenar publicamente o comportamento antidemocrático, cobrando a responsabilização de culpados;
- defender a expulsão de figuras autoritárias da vida pública;
- alinhar-se com forças pró-democracia de todo o espectro ideológico para derrotar os extremistas antidemocráticos.

Ou devemos ser isentos na disputa entre a corda e o pescoço?

Cabe, sim, ao eleitor a palavra final desde que sua vontade não seja previamente sequestrada pelo crime. A democracia é o regime em que nem tudo pode.

Tudo pode na tirania — para o tirano e seus amigos.

O É DA COISA: Marçal, as redes, crime e fascismo; o fogo. E o Brasil cresce


sábado, 24 de agosto de 2024

Jornal Nacional 23/08/2024 Sexta Feira Completo

 

Emparedado por Maduro, Lula exibe uma nudez democrática



Pior do que a nudez inesperada é o nu que não causa espanto. Ao avalizar nesta semana a fraudulenta reeleição de Nicolás Maduro, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela impôs a Lula o pior tipo de impudor: a indecência que ninguém pediu para ver, embora todos já intuíssem que o presidente brasileiro ficaria, por assim dizer, com o derrière exposto na janela.

Na noita desta sexta-feira, Lula conversou por telefone com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro. Ambos buscavam uma saída negociada para a crise venezuelana. Intimados pelas circunstâncias a se reposionar, ainda hesitam em reconhecer o óbvio. Combinaram uma nova conversa para a próxima semana.

A articulação incluía também o presidente mexicano Andrés López Obrador. Entretanto, acometido pela síndrome do que estava por vir, Obrador retirou-se da negociação. Livrou-se preventivamenre do constrangimento de admitir em público a obviedade de que a Venezuela tornou-se uma ditadura clássica.

O constrangimento é maior para Lula. Na semana passada, tropeçando no óbvio, Lula declarou que "a Venezuela vive um regime muito desagradável". Admitiu que Maduro adquiriu um "viés autoritário". Mas sustentou que o país vizinho "ainda não é uma ditadura".

Acorrentado a vícios ideológicos do passado, Lula demora a se dar conta de que, aplicando-se os seus conceitos à conjuntura brasileira, Bolsonaro, admirador confesso da ditadura militar, não seria senão um personagem ligeiramente antidemocrático. O 8 de janeiro e o golpe falhado, que previa a anulação da vitória do próprio Lula, seriam meras contingências aceitáveis.

Lula ainda defendia a hipótese de superação do caos venezuelano por meio da realização de uma utópica nova eleição. A transposição da fórmula para a realidade brasileira conduziria à suposição absurda de que Lula e o PT aceitariam graciosamente a submissão do resultado das urnas de 2022 a um tira-teima, uma espécie de VAR eleitoral.

No calor da fraude da autoproclamação de sua reeleição, Maduro prometera ao assessor internacional de Lula, Celso Amorim, que divulgaria as atas com os resultados individualizados das seções eleitorais da Venezuela em "dois ou três dias". Com a rapidez de um raio, o ditador voltou atrás.

Maduro alegou que um hipotético ataque hacker mergulara a Venezuela numa "batalha cibernética nunca antes vista". Transferiu as atas ocultas da Comissão Nacional Eleitoral, espécie de TSE venezuelano, sob domínio chavista, para o manietado Tribunal Supremo de Justiça.

Conforme o mundo esperava, a Corte Suprema da Venezuela, outra instância submetida às conveniências do ditador, avalizou a fraude. Pior: proibiu a divulgação das atas eleitorais. Muito pior: preparou o terreno para a prisão do rival oposicionista Edmundo González e de de sua madrinha política María Corina.

Emparedada, a diplomacia brasileira evolui rapidamente do constrangimento para o vexame. Não é que Lula seja um observador inerte da derrocada do regime venezuelano. O problema é que, no limite, ele é corresponsável pela encrenca, pois sempre contemporizou com o depravação do chavismo.

Em 2013, quando sua criatura Dilma Rousseff era inquilina do Planalto, Lula gravou um vídeo para uma campanha de Maduro. Na peça, dizia que a gestão do ditador repesentava "a Venezuela que Chávez sonhou". No ano passado, desenrolou o tapete vermelho para recepcionar Maduro em Brasília.

Lula defendeu a reinserção do vizinho no Mercosul. Disse que a ditadura venezuelana não passava de "narrativa" ficcional. Sustentou que a democracia é um conceito "relativo". Deu no que está dando.

Considerando-se que Maduro produz o maior flagelo humanitário da história do continente, aterrorizando os venezuelanos com a morte de manifestantes, a prisão indiscriminada de patrícios sublevados e a potencialização da diáspora venezuelana, a consequência da leniência do Planalto é politicamente devastadora.

Num instante em que metade da sociedade brasileira respira aliviada por ter conseguido livrar o Brasil do projeto ditatorial de Bolsonaro pela margem mixuruca de 1,8 ponto percentual dos votos, Lula converte a derrocada de Maduro num processo de erosão da sua popularidade. É como se o xamã do petismo disputasse com o capitão golpista o posto de líder da oposição.

Na teoria, o Itamaraty mantém o compromisso de não reconhecer a vitória de Maduro enquanto não vierem à luz as atas da eleição de 28 de julho. Na prática, submetido à contingência de que o rompimento de relações com a Venezuela não convém ao Brasil, a diplomacia brasileira reconhece tacitamente a reeleição fraudulenta do ditador, condenando-se a conviver com ele.

O É DA COISA: Pablo, PCC e a questão: “Quem tem a coragem de Xandão em SP?”

 

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Jornal Nacional 22/08/2024 Quinta Feira Completo

 

Josias - Marçal é vírus político contra o qual nem Bolsonaro está imune

 

Marçal consolida cercadinho bolsonarista sem Bolsonaro



O Datafolha desta quinta-feira solidificou Pablo Marçal como principal fenômeno do processo eleitoral de 2024. Cavalgando uma milícia digital remunerada, ele subiu na velocidade do algoritmo. Numericamente à frente de Ricardo Nunes (19%), Marçal (21%) já se insinua como candidato favorito a disputar a prefeitura de São Paulo contra Guilherme Boulos (23%) num hipotético segundo turno.

No geral, Marçal cresceu sete pontos em duas semanas. No eleitorado que se diz bolsonarista, o salto foi de 15 pontos. Com método, bateu em Boulos abaixo da linha da cintura para se fixar como contraponto ultraconservador ao esquerdismo de Boulos. Travou a máquina municipal de Nunes. Estilhaçou o prestígio televisivo de Datena. E interditou a via de Tabata Amaral rumo ao centro.

A ascensão meteórica de Marçal impõe perdas a todos os rivais, com maior impacto sobre o comitê de Nunes. Mas as maiores vítimas são Bolsonaro e a Justiça Eleitoral. Na campanha de Marçal, o crime eleitoral compensa. A Justiça tarda, mas não chega. A desmoralização do Judiciário cresce na proporção direta da ascensão de Marçal.

O capitão perde porque Marçal estruturou em São Paulo um cercadinho bolsonarista sem Bolsonaro. Seu projeto exala um aroma de 2026. Enganchado à megacoligação de Nunes, o "mito" troca farpas com uma cópia piorada. É como se Bolsonaro provasse do próprio veneno esperando que sua imitação morra.

Josias - Justiça Eleitoral tarda, mas não chega para conter Pablo Marçal

 

O É DA COISA: Marçal é o mal que não cura o mal bolsonarista. E o Datafolha

 

Datafolha - Marçal prova que o abismo olha para os que olham para o abismo



Cuidado ao olhar para o abismo. Ele pode olhar para você.

Há, sim, gente mirando os "pélagos profundos", e eles começam a chamar: "Venham, mergulhem aqui".

A ascensão do tal Pablo Marçal, de um tal PRTB, na disputa eleitoral de São Paulo causa espanto, indignação, estupefação... E, no entanto, é o que temos. Repetindo todos os mantras do obscurantismo bolsonarista, mas sem fazer parte daquela grei — afinal, ele é chefe de seu próprio rebanho —, atraiu parte considerável do eleitorado de extrema-direita que considera Ricardo Nunes (MDB), como posso dizer?, manso demais para o seu rancor; suave demais para o seu ódio; inclusivo demais para as suas fobias; pacífico demais para a sua beligerância.

Sim, é verdade! É Marçal quem vocifera com mais propriedade em São Paulo a catilinária abjeta do bolsonarismo. Que momento grotesco! Assistimos a um bate-boca público entre o "coach" e aquele que passou quatro anos ameaçando empastelar as instituições; que comandou há dois anos, em 5 de julho de 2022, uma reunião ministerial para tentar impedir a realização de eleições; que apresentou a militares de alta patente nada menos do que a minuta de um golpe de Estado; que se escafedeu do país três dias antes do término do seu mandato, deixando atrás de si milhares de fanatizados que tentaram depor, sob a sua inspiração, o presidente legitimamente eleito.

O que, em essência, distingue a pregação de Marçal da de Bolsonaro?, perguntam-se os que se querem discípulos do capitão. E, com razão prática, eles próprios respondem: "Nada!" Com efeito, não há o que diferencie a barbárie discursiva do ex-presidente das insanidades que Marçal excreta por aí, sem nenhum compromisso com os fatos, com a biografia alheia, com um senso mínimo de moralidade. E aqui é preciso ficar atento a detalhes.

Enquanto escrevo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o "intelectual" da família, já gravou dois vídeos contra o ainda candidato do inexistente PRTB. Em ambos, fica evidente que não há divergências de fundo entre as postulações. Resta, então, acusar o mais recente desafeto de não ter sido firme em defesa de Bolsonaro em 2022 e de não ser confiável, citando personalidades que foram expurgadas das fileiras do capitão sob a acusação de traição.

Não há nem burros nem inocentes por ali. Duvido que os Bolsonaros e boa parte dos políticos de extrema-direita que lideram acreditem nas bobagens que prodigalizam por aí. Trata-se de bugigangas conspiratórias para consumo ou de incautos ou de outros que se beneficiam das mesmas vigarices. Essa gente não é a elite de um movimento organizado; de uma corrente ideológica; de uma escola de pensamento de intervenção política, de um saber acumulado...

Ainda que sua pregação encontre, sim, eco entre pobres, especialmente em razão da guerra de valores que promovem, estão na política — e isto é invariável — para garantir ainda mais privilégios aos ricos; para tentar impedir a ascensão, na sociedade e na política, de camadas subalternizadas; para barrar o progresso social e para obstar medidas corretivas da desigualdade.

Para o bolsonarismo — e isto que vai agora não é uma caricatura, mas fato constatável também nas votações no Congresso —, os oprimidos não são os sem-terra e os indígenas, mas os ruralistas; não são os negros, mas os brancos que seriam prejudicados pelas cotas; não são as mulheres, mas os homens supostamente discriminados pelo feminismo; não são os nordestinos, mas os sulistas e sudestinos que "sustentam os preguiçosos"; não é a comunidade LGBTQIA+, mas os heterossexuais "perseguidos pela patrulha gay"; não são os alvos das piadas racistas e homofóbicas, mas os "humoristas" que só conseguem fazer rir contando... piadas racistas e homofóbicas.

Trata-se, em suma, de uma contrafação estupidamente vigarista do pensamento conservador. Até porque, com efeito, conservadores esses caras não são — ou estariam empenhados em conservar instituições, não em golpeá-las. Ora, Pablo Marçal dá conta perfeitamente desse recado. Não é fácil um outro progressista tomar o lugar de Lula — Ciro Gomes, por exemplo, desistiu e hoje prega a inimigos das esquerdas —, mas não é assim tão complicado arrombar a cidadela do bolsonarismo. Basta que se vomitem as mesmas indecências, apelando aos mesmos métodos que transformaram um capitão reformado destrambelhado no líder da reação.

DATAFOLHA
E eis, então, que, no Datafolha, Pablo Marçal aparece à frente de Nunes (que caiu de 23% para 19%), saltando sete pontos em três semanadas -- de 14% para 21% --, em empate técnico com Guilherme Boulos (23%). A enorme frente de partidos que apoia a reeleição do prefeito, o que inclui o PL de Bolsonaro, é atropelada em poucos dias pela voragem de um candidato que tem como aliados duas pessoas investigadas por vínculos com o PCC e uma terceira que foi condenada por integrar o "novo cangaço". O candidato do PRTB nem mesmo se ocupou de demonstrar alguma indignação com a publicação das informações.

Voltemos aos olhos do abismo.

O ABISMO
Há mensagens de Marçal estimulando influenciadores a divulgar seus vídeos mediante remuneração, o que levou o promotor eleitoral Fabiano Augusto Petean a pedir a cassação do registro de sua candidatura por abuso de poder econômico. Daniel Sorriso, que tem 118 mil seguidores numa rede social, publicou uma foto que mostra um comprovante de pagamento de R$ 8.500, via Pix, feito por uma das empresas de Pablo Marçal. Se verdadeiro, a prova da ilegalidade já é pública. Há patentes irregularidades também na formalização da própria candidatura no tal PRTB.

A acusação asquerosa de que Boulos consome drogas segue nas redes do "coach". De modo incompreensível, o TRE suspendeu o direito de resposta do candidato do PSOL. No despacho, chega-se a falar em "supostos fatos inverídicos". No dia em que tal expressão for empregada como sinônimo de calúnia, caberá ao caluniado provar a própria inocência.

A Justiça Eleitoral dispõe de instrumentos para barrar Marçal. Mas, como resta evidente, existem as instituições e existem as pessoas que lhes conferem efetividade. Se estas não agem para dar vida àquelas, então o que se tem é impunidade.

CONCLUINDO
Caminhando para a conclusão, obrigo-me a lembrar o papel firme do TSE, muito especialmente sob a gestão de Alexandre de Moraes, na garantia da normalidade democrática. Mas, para tanto, foi preciso enfrentar os militantes do caos, o que rendeu e rende ao ministro o ódio de extremistas de direita espalhados nos mais diversos setores, incluindo a imprensa.

Neste momento, os obsedados do abismo só pensam num eventual processo de impeachment contra Moraes, com o argumento falacioso — que infantilidade seria não houvesse em tal faina o cálculo que mira o caos — de que, no enfrentamento do golpismo, inclusive no curso do processo eleitoral, ele teria ido além dos ritos. Pois é... Só não conseguem acusá-lo de ter cometido ilegalidades. E daí? O público da manifestação bolsonarista de 7 de Setembro está garantido. Muita bobagem se escreve por aí, note-se, sobre o Supremo, como se ele estivesse na raiz das crises. Qual delas nasceu no tribunal?

A democracia dispõe de instrumentos para enfrentar tipos como Bolsonaro ou Marçal. Não é fácil. A caça a Alexandre prova que não. E também a atração pelo abismo.

Reinaldo: Campanha anti-Moraes excede limite da responsabilidade. E a OAB?

 

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Jornal Nacional 21/08/2024 Quarta Feira Completo

 

Moraes agora manda investigar investigador da sua predileção


Eduardo Tagliaferro, então chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação) do TSE, e o ministro Alexandre de Moraes

Normalmente, juízes não selecionam réus. Alexandre de Moraes se autoconcedeu o direito de escolha. Tem os réus que merece. Abriu por conta própria uma investigação para investigar seu antigo investigador predileto. A nova obsessão de Moraes é descobrir quem vazou as mensagens que mostram que ele encomendava relatórios sobre bolsonaristas investigados no STF ao chefe do setor de combate a desinformação do TSE, Eduardo Tagliaferro.

Moraes parece convencido de que o material saltou de dentro do celular do ex-assessor para as páginas da Folha. Tagliaferro foi demitido do TSE em 9 de maio de 2023, após ser preso por agredir a esposa. A Polícia Civil de São Paulo reteve seu celular por alguns dias. Moraes quer saber se as mensagens tóxicas foram cedidas pelo dono do aparelho ou extraídas do equipamento à sua revelia.

Intimado a depor na Polícia Federal nesta quinta-feira, Tagliaferro rala para ter acesso às decisões de Moraes, que colocou o inquérito sob o mesmo sigilo que mantinha no escurinho o trânsito de relatórios requisitados informalmente ao TSE para escorar no STF intimações, quebras de sigilo e bloqueios de perfis digitais...

Os auxiliares de Moraes sabiam que atendiam ao ministro à margem dos ritos formais. Numa das mensagens, o juiz Airton Vieira, braço-direito de Moraes no TSE, disse para Eduardo Tagliaferro: "Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim."

Na semana passada, o procurador-geral Paulo Gonet sepultou pedido do Novo para investigar Moraes. Nesta semana, o corregedor do Conselho Nacional de Justiça Luiz Felipe Salomão arquivou um pedido do partido para apurar os procedimentos dos juízes auxiliares de Moraes no STF e no TSE.

Chegou-se ao cúmulo do inusitado: Moraes mandou investigar seu investigador pelo vazamento de mensagens nas quais ele próprio, a PGR e o CNJ não viram nenhuma anormalidade que justificasse uma cara de nojo. Muito menos um inquérito.

Ficha limpa foi passada a sujo



Toda espécie de dependência é ruim. Não importa que a substância seja o álcool, a morfina ou a desfaçatez, esse grande narcótico da política brasileira. Uma semana depois de aprovar emenda constitucional que anistiou algo como R$ 23 bilhões em multas aplicadas contra partidos que malversaram ou subverteram a aplicação de verbas públicas, o Senado pôs para andar um projeto de lei que passa a sujo a Lei da Ficha Limpa. 

Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, a proposta reduz o prazo de inelegibilidade dos políticos condenados ou com mandatos cassados. Hoje, são banidos das urnas por oito anos. Mas como o castigo só começa a ser contado depois do cumprimento da pena, um sujeito condenado a oito anos de cadeia, ppor exemplo, fica longe das urnas por 16 anos. O jejum será menor porque o relógio da inelegibilidade passará a ser acionado na data da condenação, não no final da pena. 

Como se fosse pouco, a proposta contém trechos que deixam assanhado o bolsonarismo. Anota, a certa altura, que, numa condenação por abuso de poder econômico ou político, caso de Bolsonaro, a perda dos direitos políticos será aplicada se o comportamento "implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos". Quando o TSE condenou Bolsonaro, o eleitor já havia lhe sonegado um novo mandato. O que leva os devotos do capitão a especular sobre a hipótese de um pedido de anulação de sua inelegibilidade, habilitando-o para as urnas de 2026.

A coisa já passou pela Câmara. Foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em votação simbólica. O texto vai ao plenário acompanhado de um requerimento de urgência. Apenas um senador —Alessandro Vieira, do MDB de Sergipe, manifestou sua contrariedade. Uma evidência de que o vício em desfaçatez é um fenômeno suprapartidário, pós-ideológico e pré-falimentar.

Aliança Nunes-Bolsonaro é do tipo em que a união faz a farsa

 

O É DA COISA: Marçal, polícia e democracia; Alexandre é alvo; os democratas

 

Estupidez de Marçal vira ameaça à hegemonia da... estupidez dos Bolsonaros


Pablo Marçal com Tarcísio Escobar, apontado pela Polícia como operador do PCC, no dia 22 de junho deste ano; no destaque, Eduardo Bolsonaro

De tal sorte Pablo Marçal encarna o grotesco na política, que os de bom senso somos tentados, ainda que por alguns segundos, a ouvir com simpatia o que diz Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ao criticar o "coach" que, não tendo feito a fortuna de ninguém, realizou verdadeiros prodígios na própria conta bancária. Tenhamos calma. O deputado do PL não ataca o esquisitão porque este representa um risco para São Paulo ou para o país, e sim porque é uma ameaça a isso que se chama "bolsonarismo".

Nota à margem: o agora candidato à prefeitura diz que só consertava computadores para uma quadrilha que pirateava contas bancárias na Internet, desbaratada em 2005. Gravações que vieram a público evidenciam que era um operador. Dezenove anos depois, declara um patrimônio de R$ 193,5 milhões. Acumulou mais R$ 10 milhões por ano. Um prodígio! Reportagem do Estadão publicada ontem informa que Tarcísio Escobar de Almeida, ex-presidente estadual do PRTB, e Júlio César Pereira, o Gordão, coordenadores informais da sua campanha, trocavam carros de luxo por cocaína em operação vinculada ao PCC. Resposta do milionário milagroso: não cobra certidão negativa de quem tira foto com ele... O problema não está na foto, mas no fato. E sim: Marçal foi condenado em 2010 a quatro anos e cinco meses de reclusão pelos crimes descobertos em 2005. A pena foi extinta na fase de recursos em razão da prescrição. Voltemos a Eduardo.

BOLSONARISMO É LULISMO DO OUTRO LADO?
Aqui e ali se diz sem muita cerimônia conceitual que o bolsonarismo é o duplo invertido do lulismo -- em alguns casos, do petismo --, e se dá a isso o nome de "polarização", daí a frequência com que se procura, especialmente na imprensa, o tal "candidato de centro", que representaria o elemento equidistante entre os dois extremos. Vocês sabem que acho isso uma bobagem pela simples e eloquentíssima razão de que Jair Bolsonaro é, sim, de extrema-direita, mas Lula não é de extrema-esquerda. Este "centro metafísico" que muitos procuram, note-se, tem nome é do mundo físico: Luiz Inácio Lula da Silva. Para constatá-lo, basta olhar a composição do seu governo e sua pauta.

O extremismo reacionário encarnado por Bolsonaro não conseguiu ainda — nem conseguirá — plasmar uma teoria do poder. "Ah, Reinaldo, mas só quem consegue criar um aparato teórico vence uma eleição?" O pai de Eduardo prova que não. Ocorre que, sem um conjunto afirmativo de valores capaz de dizer também o que quer, além daquilo que não quer (o outro entendido como o demônio a ser esconjurado), essa extrema-direita se alimenta de paixões meramente reativas: dos ódios que açula, das paranoias que alimenta, das fantasias de extermínio (do inimigo) que estimula.

Bolsonaro, como expressão do reacionarismo mais abjeto, não é, evidentemente, um elemento novo nem na política brasileira nem na história da humanidade. Sempre haverá os que, em nome dos próprios interesses ou como prepostos de terceiros, manejam, vamos dizer, os "afetos de tristeza" de incautos. E é certo que há os que sabem manipular os "afetos de alegria" em causas muitas vezes disruptivas, não necessariamente virtuosas. O que ameaça as democracias, nestes tempos, são as disrupções reacionárias, não as revolucionárias. Adiante.

QUAL A HISTÓRIA?
Sempre que tentam fazer de Bolsonaro "o Lula da extrema-direita" -- ainda que houvesse fundamento, e não há, em buscar o homólogo no outro polo do extremista de esquerda que o petista não é --, pergunto: que obra do ex-presidente o habilita à condição de líder da reação? O que, na sua história despida de eventos, de fatos, de sucessos -- na primeira acepção do dicionário -- faz dele um símbolo, um porta-voz, um herói em coragem, tenacidade, abnegação ou magnanimidade, ainda que para o gosto daqueles que se sentem humilhados pelo progressismo "comunista"? Pode-se, e estes dias são adequados para esta outra indagação, perguntar o mesmo sobre Donald Trump nos EUA. Parece que os democratas têm conseguido, por lá, depois da ascensão de Kamala Harris à condição de candidata à Presidência, apontar os pés de barros do falso ídolo.

Sabem por que Eduardo execra Marçal, ainda que seu pai tenha flertado com o amigo de Escobar e de Gordão, que foram flagrados, segundo a polícia, operando para o PCC? Um tanto mais inteligente do que o genitor, ainda que não tão bem-dotado do carisma da desordem, o filho percebe que um outro aventureiro, com discurso igualmente insano, mas um pouco mais organizado do que o edifício de anacolutos desengonçados do chefe do clã, pode, do nada, de súbito, arrombar a cidadela e se candidatar a líder — por ora, em São Paulo — do rancor amorfo e bruto que hoje confere tanto poder à família.

A FALA DE EDUARDO
No vídeo que gravou contra Marçal, Eduardo se refere à reportagem do Estadão, que liga Marçal à dupla que, segundo a polícia, operava para o PCC, mas também lembra quem é o único, o legítimo, o verdadeiro caça-fantasmas do reacionarismo nacional. Afirma:
"Eu venho aqui para dar um depoimento pessoal. Eu, há um tempo atrás, eu tinha um programa no YouTube, que eu mesmo desenvolvi, chamado 'O Brasil Precisa Saber', onde eu entrevistava pessoas de destaque da sociedade Brasileira, ministros do governo Bolsonaro, acredito que muitos de vocês assistiram. Vocês sabiam que eu já gravei com Pablo Marçal? Sim! Mas 90 % da entrevista foi (sic) ele falando da técnica dele de vender curso, como trabalhar na Internet, até interessante... Mas os outros 10%, ele falou de comunismo e marxismo. No dia seguinte, ele ligou para minha equipe e perguntou se não poderia tirar do ar a parte que ele falava de comunismo e marxismo. Não vou publicar alguma coisa que ele não queira, mas se for para usar o meu YouTube, de um político, onde a gente trata de pautas de interesse nacional para os meus representados, se eu tirar a única coisa do bate-papo que realmente interessava, que era essa questão do marxismo e do comunismo... Eu não coloquei no ar a entrevista. E aí eu me pergunto, né? Como é que a pessoa quer se lançar na política sem tomar um partido? Não é disso que a gente está cansado? Como é que uma pessoa quer se lançar na política quando, no momento mais crucial das eleições 2022, ela não sabia distribuir o bem do mal? Ela não conseguia entender a diferença de (sic) Lula e Bolsonaro e preferiu ficar em cima do muro, dizendo que a diferença entre eles era apenas um dedinho? É difícil, né?, você demorar para reclamar de aumento de imposto, de associação com o Hamas, com o narcotráfico etc. Então eu vou resumir para vocês que o Olavo de Carvalho falava: 'Vocês aí da direita, tomem cuidado! Se quiserem jogar pedra, criticas o Bolsonaro, vocês serão tão odiados quanto esse pessoal do lulo-comunismo', falava Olavo de Carvalho. Porque não existe direita no Brasil; existe Bolsonaro. Graças a Deus que existe Bolsonaro! Tem gente que tem ânsia pelo poder, quer destruir ele de maneira velada para o cara se levantar e ser líder. Mal sabe as dores de cabeça que são enfrentadas pelo meu pai todos os dias. Nem eu sei como é que ele aguenta a pegada. Ele desenvolveu uma vacina dose única, só pra ele. Às vezes, nem eu consigo repetir o que ele fala porque, se ele disser, o resultado é um; se eu disser, as consequências são muito ruins pra mim. Então, eu tenho que comer muito feijão com arroz quando chegar lá, e tem muita gente que não vai chegar lá a poucos meses da eleição, tomando partido e adotando discurso desenhado pelo marqueteiro".

Síntese:
1: entende-se que Marçal criticou o marxismo e o comunismo na conversa que tiveram -- como se ambos dispusessem de bibliografia para tanto --, mas depois recuou. Logo, Eduardo está sugerindo que o outro possa ter alguma simpatia pelas esquerdas;

2: aproveita o vídeo para, claro!, apontar os fantasmas de sempre contra o PT e Lula;

3: apelado a Olavo de Carvalho, lembra que só há um líder da direita... Ou melhor: segundo Eduardo, "não existe direita no Brasil; existe Bolsonaro";

4: observem ali que qualquer liderança conservadora que não pague pedágio ao ex-presidente — ou que ouse, digo eu, ter seu próprio hospício ideológico — é tratada como inimiga;

5: Eduardo diz que ele próprio, um filho — e, nessa hora, coloca-se como o herdeiro político —, tem de "comer muito feijão com arroz para chegar lá".

CONCLUO
Bolsonaro e isso a que chamamos "bolsonarismo" não são assombrados pelo medo do comunismo. Eles sabem que isso é um espantalho que eles próprios criaram para mobilizar os fanatizados.

O medo que verdadeiramente têm é outro: surgir uma liderança não autorizada que lhes roube a posição hegemônica na estupidez reacionária. Como inexistem valores afirmativos na construção bolsonarista, mas apenas reativos, a troca de guarda é possível.

O chapa de Escobar e Gordão compete na mesma raia da família Bolsonaro, amiga de Adriano da Nóbrega, aquele que era chefe do "Escritório do Crime".

Reinaldo: Resposta de Boulos a Marçal e instrumentos para conter baixarias

 

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Jornal Nacional 20/08/2024 Terça Feira Completo

 

Aqui e nos Estados Unidos, a disputa pela bandeira e o patriotismo



Em 2023, uma pesquisa Gallup descobriu que, embora 60% dos republicanos expressassem extremo orgulho de ser americano, apenas 29% dos democratas o faziam.

Uma pesquisa de abril último, da Ipsos, atestou que 92% dos republicanos tinham uma opinião favorável sobre a bandeira americana, contra 77% dos democratas.

Os sentimentos dos americanos sobre seu país flutuam com base no partido que ocupa a Casa Branca. Ele é maior entre os democratas se o presidente da ocasião for democrata.

Se o presidente for republicano, o amor pelo país cai entre os democratas e aumenta entre os republicanos. Na prática, o regime americano é bipartidário, ao contrário do nosso.

Quando Barack Obama governou os Estados Unidos, 56% dos democratas se diziam orgulhosos do seu país. O percentual caiu para 22% em 2019 quando era Donald Trump que governava.

A mesma pesquisa conferiu que nos quatro anos de presidência de Trump, o orgulho pelos Estados Unidos aumentou entre os republicanos de 68% para 76%. Não há sinais de que diminuiu.

O patriotismo está em alta na Convenção Nacional do Partido Democrata que consagrou, ontem, Kamala Harris como candidata à sucessão do frágil e envelhecido presidente Joe Biden.

Como observou o jornal Washington Post ao final do segundo dia da convenção, os homens usavam ternos adornados com estrelas e listras, e as mulheres vestidos com padrões da bandeira e águias.

Enquanto dos seus assentos as pessoas gritavam “USA” e acenavam com cartazes com as cores da bandeira, o músico country Mickey Guyton cantava:

“Temos as mesmas estrelas, as mesmas listras. Só queremos viver essa vida boa. Não somos todos, não somos todos americanos?”

O debate sobre qual partido político é mais patriótico remonta a décadas. Os republicanos reivindicam a bandeira americana como sua e argumentam que ela representa a América conservadora.

Enquanto os delegados se dirigiam ao andar da convenção no United Center, Ted Jones e Lora de la Portilla, de Washington, portavam chapéus de cowboy com os dizeres “Cowboy Harris”.

Disse Jones sobre os republicanos:

“Estamos retomando o rural, o interior. Eles não podem reivindicá-lo. Se um caminhão passa com uma bandeira americana, temos que parar de dizer: ‘Lá vai um Trumper.’”

Umi Grigsby, uma democrata de Illinois, imigrante da Libéria que se tornou cidadã americana 2017, comentou:

“É interessante como há um partido que parece sentir que é dono do patriotismo e outro que diz: ‘Vocês podem vir aqui e todos nós podemos ter sucesso e isso é para todos nós’”.

O Partido Democrata está apresentando uma mensagem de que não há “nada mais americano do que a liberdade”, declara o porta-voz do Comitê Nacional Democrata, Abhi Rahman.

Segundo ele, “não há razão para termos medo de usar esses símbolos, porque eles são nossos símbolos e não há ninguém mais orgulhoso de ser americano do que nós”.

Aqui, os bolsonaristas se apoderaram do verde e do amarelo e não os largaram durante a campanha de 2018, o desgoverno de 2019 até o final de 2022, e o pós tentativa de golpe do 8 de janeiro.

Na campanha presidencial de Lula, o PT ensaiou resgatar as cores, mas desistiu. Acabou predominando o vermelho, com o branco aparecendo aqui e acolá, mas sem conseguir se impor.

Bastou uma tarde de junho último para que o povo LGBTQIA+ desse conta da tarefa. E apenas com alegria, beijos mil pelo Brasil e amor até pelos bolsonaristas enrustidos. Por que não?

Eles também são filhos de Deus e merecem ser felizes.

Pedido para investigar auxiliares de Moraes é arquivado pelo CNJ



O ministro Luis Felipe Salomão, corregedor do CNJ, o Conselho Nacional de Justiça, associou-se nesta terça-feira à corrente de apoio a Alexandre de Moraes. Aquivou pedido do partido Novo para investigar Airton Veira e Marco Antonio Vargas, respectivamente juízes auxiliares dos gabinetes de Moraes no STF e no TSE, Corte presidida por ele até o início de julho.

Vieira e Vargas foram mencionados numa série de reportagens da Folha. As notícias revelaram o teor de mensagens trocadas pelo WhatsApp entre os assessores de Moraes. Indicam que o setor de enfrentamento à desinformação do TSE, então chefiado pelo perito criminal Eduardo Tagliaferro, foi usado para produzir relatórios requisitados à margem dos ritos oficiais para fundamentar decisões tomadas por Moraes no âmbito do inquérito das fake News.

Ecoando o ponto de vista expressado na semana passada pelo próprio Moraes, por colegas do Supremo e pelo procurador-geral da República Paulo Gonet, Salomão considerou que não faria sentido que Moraes endereçasse ofícios a si mesmo, pois atuava nas duas pontas, como relator do inquérito no STF e presidente do TSE.

"As supostas comunicações trocadas são alusivas ao período em que o ministro Alexandre de Moraes exercia a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, de modo que a indicação da ausência de comunicação oficial para o próprio presidente do TSE como indicativa de infração funcional se mostra totalmente desprovida de amparo."

Salomão deu de ombros para o timbre de informalidade jocosa que caracterizou as mensagens. Num dos diálogos, o juiz Marco Antônio Vargas, do TSE, perguntou ao perito Eduardo Tagliaferro: "Dr. Airton [Vieira, do STF] está te passando coisas no privado?" Diante da confirmaçao do perito criminal, Vargas ironizou a utilização do canal informal: "Falha na prova. Vou impugnar".

Entre as "coisas" requisitadas por Vieira "no privado", havia, por exemplo, um pedido para monitorar uma revista com linha editorial bolsonarista, que Moraes queria "desmonetizar" nas redes sociais. Tagliaferro respondeu que não encontrou senão "publicações jornalísticas". Realçou: "Não estão falando nada". E o juiz Vieira: "Use a sua criatividade... rsrsrs". O perito aderiu aos risos: "Vou dar um jeito... rsrsrs."

Numa mensagem de áudio, o juiz Vieira expressou uma ponta de preocupação com a hipótese de futuros questionamentos sobre as requisições que endereçava diretamente ao servidor de outro tribunal: "Como um juiz instrutor do Supremo manda pra alguém lotado no TSE, esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato." Soou categórico: "Se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada."

No seu pedido de investigação, o partido Novo sustentou que os auxiliares de Moraes "agiram para dissimular a origem das ordens e fazer parecer serem colaborações espontâneas do TSE com o STF, sem provocação ou direcionamento". Amigo de Moraes, o corregedor Salomão discordou.

"Os fatos, tais como apresentados, encontram-se destituídos de elementos mínimos aptos à verificação de eventual infração disciplinar por magistrado, situação que impossibilita a intervenção da Corregedoria Nacional de Justiça", anotou Salomão.

O Novo havia representado contra os auxiliares de Moraes também na Procuradoria-Geral da República. A exemplo de Salomão, o chefe do Ministério Público Federal, Paulo Gonet, tampouco enxergou na troca de mensagens elementos que justificassem uma investigação.

Lira e Pacheco vão ao almoço do Supremo sobre as emendas nus

 



Reinaldo: Imprensa não pode virar marionete de fascistoides como Marçal

 

Freio na esbórnia; acordo pode pôr fim a emenda impositiva no modo original


Os 11 do Supremo se reúnem no tribunal com a cúpula do Congresso, PGR e representantes do governo federal para buscar uma solução para as emendas impositivas.

Nada será como antes para os beneficiários do Estado Paralelo das Emendas se aquilo que foi acordado nesta terça entre representantes dos Três Poderes for efetivamente posto em prática. Como tal acordo nasce de uma liminar concedida pelo ministro Flávio Dino, do STF, com o endosso dos outros 10, ou se cumpre o combinado, ou, então, estaremos diante de uma tentativa de mandar a Constituição às favas e o Supremo ao plantio de batatas. Até que o Congresso não apresente os critérios de transparência para a execução das emendas e que não se estabeleçam regras de parceria entre Legislativo e Executivo para a distribuição dos recursos, fica valendo a liminar, e o pagamento das ditas-cujas está suspenso. Vamos ver.

OS PRIMÓDIOS
1: O PSOL entrou com uma ADI no STF arguindo a inconstitucionalidade das emendas impositivas.

2: a ADI, assinada pelos advogados Walfrido Warde, Rafael Valim e Pedro Serrano, entre outros, aponta que as emendas impositivas violam o princípio da separação dos Poderes, comprometendo suas independência e harmonia, e ferem o princípio federativo e democrático;

Emendas de comissão:
Serão destinadas a projetos de interesse nacional ou regional, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo, conforme procedimentos a serem estabelecidos em até dez dias.

Como é hoje
As emendas de comissão não são impositivas na letra da lei, mas acabam se tornando na lógica da chantagem que passou a orientar o Congresso nessa área. Como se lê acima, o "interesse nacional ou regional" terá de orientar a destinação desse dinheiro, e tal interesse tem de ser definido, de comum acordo, pelo Legislativo e pelo Executivo. Hoje, essas emendas nem mesmo têm autoria conhecida.

Estão previstos para esse tipo de emenda R$ 15,4 bilhões. Já foram empenhados R$ 10,3 bilhões, e R$ 7,4 bilhões já foram pagos.

Crescimento do valor das emendas
Fica acordado que Executivo e Legislativo ajustarão o tema da vinculação das emendas parlamentares à receita corrente líquida, de modo a que elas não cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias. O relator irá, oportunamente, reexaminar o processo.

Como é hoje?
Não há limite para a expansão das emendas. Elas não estão sujeitas, por exemplo, às regras do arcabouço fiscal, o que é, por si, uma aberração. E, assim, vão crescendo ano a ano.

ABERRAÇÃO
7 - De ousadia em ousadia, de agressão em agressão à Constituição, chegou-se a uma situação absolutamente insustentável. O Congresso reserva para si mesmo, alheio a qualquer procedimento de transparência e descolado de qualquer eixo ou programa de desenvolvimento, R$ 49 bilhões, o que corresponde a quase um quatro dos pouco mais de R$ 200 bilhões de gastos discricionários. Isso não existe em nenhum lugar do mundo.

O que se tem é um progressivo sequestro do governo federal pelo Congresso. Começou em 2015, com as medidas individuais impositivas; seguiu em 2019, com as de bancada, e prosseguiu em 2023 e 2024, com as emendas de comissão.

Para vocês terem uma ideia da sanha com que se avança no Orçamento, as emendas impositivas somavam R$ 16,8 bilhões em 2022. Saltaram para R$ 28,9 bilhões no ano passado e chegaram a R$ 33,6 bilhões neste ano.

Não estão nessa conta as de comissão. Em 2021, eram ZERO. Neste ano, estupefacientes R$ 15,5 bilhões. Elas passaram a ocupar o lugar, na verdade, das emendas do relator — o chamado "Orçamento secreto". As respectivas assessorias da Câmara e do Senado tiveram a coragem de dizer ao ministro Flávio Dino que não tinham como identificar os patronos de envios milionários de dinheiro.

Vale dizer: alguns patriotas que vivem a tonitruar no Congresso que o governo deve cortar gastos não só assistem a essa esbórnia como dela participam.

IMPOSITIVIDADE CONTINUA, MAS...
8 - Prevalecendo esse acordo, a impositividade de emendas continua, mas "não como soía", diria o poeta. Não como era antes. Tem-se assistido a uma verdadeira farra, em que um Congresso que não responde pela eficácia de políticas públicas -- e nem é cobrado por isso -- abocanha quase um quatro do que resta ao governo, descontados os desembolsos obrigatórios.

Esse dinheiro poderia, vá lá, ter a marca do parlamentar, mas seria de esperar que estivesse atrelado a algum projeto de fôlego. Em vez disso, bilhões de reais expandem o cemitério de obras paradas país afora.

E SE NADA FOR APRESENTADO?
9 - Se nada acontecer e não se chega a um consenso que atenda às exigências da liminar endossada pelos 11 ministros do STF, a execução das emendas segue suspensa. Cumpre lembrar a decisão do tribunal:
I: Não é compatível com a Constituição Federal a execução de emendas ao orçamento que não obedeçam a critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade, de modo que fica impedida qualquer interpretação que confira caráter absoluto à impositividade de emendas parlamentares;

II: É dever do Poder Executivo aferir, de modo motivado e transparente, se as emendas parlamentares estão aptas à execução, conforme requisitos técnicos constantes da Constituição Federal, normas legais e regulamentares;

III: A execução das emendas parlamentares impositivas, quaisquer que sejam as modalidades existentes ou que venham a ser criadas, somente ocorrerá caso atendidos, de modo motivado, os requisitos, extraídos do texto da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais aplicáveis, sem prejuízo de outras regras técnicas adicionalmente estabelecidas em níveis legal e infralegal, conforme rol exemplificativo que se segue:
- a) Existência e apresentação prévia de plano de trabalho, a ser aprovado pela autoridade administrativa competente, verificando a compatibilidade do objeto com a finalidade da ação orçamentária, a consonância do objeto com o programa do órgão executor, a proporcionalidade do valor indicado e do cronograma de execução;
- b) Compatibilidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e com o Plano Plurianual;
- c) efetiva entrega de bens e serviços à sociedade, com eficiência, conforme planejamento e demonstração objetiva, implicando um poder-dever da autoridade administrativa acerca da análise de mérito;
- d) Cumprimento de regras de transparência e rastreabilidade que permitam o controle social do gasto público, com a identificação de origem exata da emenda parlamentar e destino das verbas, da fase inicial de votação até a execução do orçamento;
- e) Obediência a todos os dispositivos constitucionais e legais que estabeleçam metas fiscais ou limites de despesas.

LIRA E O DOIS CONTRA UM
10: Consta que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara não gostou do resultado e reclamou que teria havido, na conversa, uma espécie de "dois Poderes contra Um" -- vale dizer: STF e Executivo teriam se unido contra o Legislativo.

Vamos lá:
- é mentira que tenha havido uma dobradinha entre os autores da ADI e o Poder Executivo;
- afirmar que que há um "dois contra um" implica, entendo, um ataque inaceitável do presidente da Câmara ao STF, que simplesmente está cobrando que se cumpram preceitos constitucionais no emprego de um dinheiro que é público. Justamente porque os recursos não pertencem a um Poder ou a Outro, têm de ser empregados no interesse de todos. E Isso só se realiza cumprindo o que dispõe a Constituição.

ENCERRO
No que respeita ao Orçamento, conta-se de 2015 a esta data a história do progressivo sequestro do Executivo pelo Legislativo. Como um Poder resolveu tomar para si a prerrogativa que ao Outro pertence, sem ter de prestar contas a ninguém, o que se tem é a também progressiva degeneração de valores republicanos.

Por meio do Orçamento, o Congresso quer os benefícios de atuar como governo sem ter o ônus de governar. Não por acaso, parlamentares às pencas que se fartam com emendas ao arrepio de qualquer controle são os mesmos que impõem derrotas ao governo quando se trata, por exemplo, de recompor receitas. Tomam com uma das mãos fatia considerável do Orçamento e, com a outra, garantem desonerações a apaniguados.

O acordo que ora se propõe é o primeiro freio de arrumação no destrambelhamento que começou em 2015. Vamos ver.