segunda-feira, 19 de maio de 2014

Chamar de CPI uma farsa não faz da farsa CPI


Sérgio Lima/Folha

Depois que o bloco governista chamou de Comissão Parlamentar de Inquérito o ajuntamento de senadores indicados para não investigar a sujeira que se acumula na Petrobras, todo brasileiro ficou desobrigado de fazer sentido. A suposta CPI começa a executar nos próximos dias o roteiro consentido pela lealdade ao governo.

Nesta terça, a CPI ouvirá o ex-presidente petista da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Na quinta, escutará o ex-diretor Internacional da estatal, Nestor Cerveró. E na terça da semana que vem, dará ouvidos à atual presidente da petroleira, Graça Foster. Uma particularidade une os três depoentes: todo mundo sabe o que eles dirão.

De tão repetida, “Pasadena era um bom negócio no ano em que foi fechado” vai acabar se tornando uma frase-lema para qualquer transação ruinosa no âmbito do Estado. Se a crise transformar um bom negócio num prejuízo bilionário no intervalo de dois anos, nenhum gestor público ou membro de conselho de estatal ficará devendo nada. Muito menos explicação.


Nem só de dèjá vu é feita a pseudo-CPI da Petrobras. O relator José Pimentel (PT-CE) incluiu no seu roteiro a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Não lhe ocorreu sugerir a convocação do ex-diretor preso da Petrobras, Paulo Roberto Costa, elo entre a refinaria, as empreiteiras e as arcas partidárias. Porém…

Pimentel enfiou no roteiro uma interligação da refinaria superfaturada com o porto de Suape, gerido pelo governo de Pernambuco. Foi a forma que encontrou de dar mais atenção ao ex-aliado PSB, do presidenciável Eduardo Campos, do que ao PT e aos ainda aliados PP e PMDB, os partidos que patrocinaram a gestão do ex-diretor preso.

Pimentel, o relator que o Planalto autorizou, escreveu no seu plano de trabalho que a alegada CPI irá “fundo nas investigações”. Num passado remoto, quando as palavras ainda faziam sentido, ir fundo significava investigar rigorosamente. Mas Pimentel esclarece noutra frase que sua lealdade ao governo só permite alcançar a profundidade de uma poça. Que uma formiga atravessaria com água pelas canelas.

Nas palavras do relator, a hipotética CPI não pode servir “de aríete de interesses escusos, capitaneados pelas mesmas forças políticas que nunca acreditaram no potencial do Brasil, na altivez de seu povo e na capacidade da Petrobras.”

No futuro, quando a história puder falar do presente com mais ironia do que cinismo, as pessoas talvez se envergonhem da época em que lealdade virou submissão e a fidelidade política deixou de ser compromisso com o eleitor para se tornar cumplicidade com o poder.

Pimentel anotou no roteiro que os outros 12 governistas aprovaram: a apuração não pode “enveredar para as disputas políticas de natureza eleitoral, tão comuns em anos de eleições gerais.” O Planalto talvez devesse sugerir aos seus protetores que maneirassem na proteção.

O estrume que já vazou da Polícia Federal e do Ministério Público é tão volumoso que não há tapete capaz de escondê-lo. De resto, convém levar em conta que o moralismo político, embora não seja bom conselheiro, pode render dividendos eleitorais quando os que prometem combater a corrupção são os mesmos que deixaram o melado escorrer além do suportável.

Chamar de CPI uma comissão inteiramente isenta de curiosidade apenas agrava o problema. É o mesmo que chamar de focinho a pata de um cachorro. Batizar de focinho a pata do cachorro não confere à pata o faro do focinho. Do mesmo modo, apelidar de CPI uma farsa não faz da farsa uma CPI. Só no Senado as patas e as CPIs são qualquer coisa que o poder mandar.

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