Houve tempo em que se dizia que ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva
acabaria com o Brasil. As saúvas andam por aí, não acabaram, e nem o Brasil
acabou. Será a mesma coisa com a corrupção? Que ela anda vivinha por aí, não
restam dúvidas, que acabe com o Brasil, é pouco provável, que acabe no Brasil,
tampouco. Mas que causa danos enormes é indiscutível.
Haverá quem diga que sempre houve corrupção no país e pelo mundo afora, o que
provavelmente é certo, mas a partir de certo nível de sua existência e, pior, da
aceitação tácita de suas práticas como “fatos da vida”, se ela não acaba com o
País, deforma-o de modo inaceitável. Estamos nos aproximando desse limiar.
Há formas e formas de corrupção, especialmente das instituições e da vida
política. A mais tradicional entre nós é o clientelismo (a prática de atender os
amigos, e os amigos dos amigos, nomeando-os para funções públicas), a troca de
favores e o patrimonialismo, isto é, a confusão entre público e privado, entre
Estado e família.
Tudo isso é antigo e deita raízes na Península Ibérica. A frase famosa “é
dando que se recebe”, de inspiração dita franciscana, referia-se mais à troca de
favores do que ao recebimento de dinheiro.
Por certo, um sistema político assentado nessas práticas já supõe o desdém da
lei e é tendente a permitir deslizes mais propriamente qualificados como
corrupção. Mesmo quando não haja suborno de funcionários ou vantagem pecuniária
pela concessão de favores, prática que os juristas chamam de prevaricação, os
apoios políticos obtidos dessa maneira são baseados em nomeações que implicam em
gasto público.
Progressivamente, tais procedimentos levam a burocracia a deixar de responder
ao mérito, ao profissionalismo. Com o tempo, as gorjetas e mesmo o desvio de
recursos — o que mais diretamente se chama de corrupção — aumentam, como
consequência desse sistema.
Nos dias que correm, entretanto, não se trata apenas de clientelismo, que por
certo continua a existir, pelo menos parcialmente, mas de algo mais complexo. Se
o sistema patrimonialista tradicional já contaminava nossa vida política, a ele
se acrescenta agora algo mais grave.
Leia a íntegra em Aceitação de práticas de corrupção como ‘fatos da vida’ deforma o
país
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