segunda-feira, 2 de abril de 2012

Aceitação de práticas de corrupção como ‘fatos da vida’ deforma o país



Houve tempo em que se dizia que ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabaria com o Brasil. As saúvas andam por aí, não acabaram, e nem o Brasil acabou. Será a mesma coisa com a corrupção? Que ela anda vivinha por aí, não restam dúvidas, que acabe com o Brasil, é pouco provável, que acabe no Brasil, tampouco. Mas que causa danos enormes é indiscutível.

Haverá quem diga que sempre houve corrupção no país e pelo mundo afora, o que provavelmente é certo, mas a partir de certo nível de sua existência e, pior, da aceitação tácita de suas práticas como “fatos da vida”, se ela não acaba com o País, deforma-o de modo inaceitável. Estamos nos aproximando desse limiar.

Há formas e formas de corrupção, especialmente das instituições e da vida política. A mais tradicional entre nós é o clientelismo (a prática de atender os amigos, e os amigos dos amigos, nomeando-os para funções públicas), a troca de favores e o patrimonialismo, isto é, a confusão entre público e privado, entre Estado e família.

Tudo isso é antigo e deita raízes na Península Ibérica. A frase famosa “é dando que se recebe”, de inspiração dita franciscana, referia-se mais à troca de favores do que ao recebimento de dinheiro.

Por certo, um sistema político assentado nessas práticas já supõe o desdém da lei e é tendente a permitir deslizes mais propriamente qualificados como corrupção. Mesmo quando não haja suborno de funcionários ou vantagem pecuniária pela concessão de favores, prática que os juristas chamam de prevaricação, os apoios políticos obtidos dessa maneira são baseados em nomeações que implicam em gasto público.

Progressivamente, tais procedimentos levam a burocracia a deixar de responder ao mérito, ao profissionalismo. Com o tempo, as gorjetas e mesmo o desvio de recursos — o que mais diretamente se chama de corrupção — aumentam, como consequência desse sistema.

Nos dias que correm, entretanto, não se trata apenas de clientelismo, que por certo continua a existir, pelo menos parcialmente, mas de algo mais complexo. Se o sistema patrimonialista tradicional já contaminava nossa vida política, a ele se acrescenta agora algo mais grave.

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