Josias de Souza
Depois de insuflar no PT o ânimo que levou o partido a aderir à CPI do Cachoeira, Lula opera para direcionar a ação do petismo na investigação iniciada nesta semana. Sua principal obsessão é a de converter a ‘Veja’ em alvo.
Lula cobra de congressistas e dirigentes do PT que levem a revista à alça de mira. Declara-se convencido de que a publicação associou-se ao aparato de espionagem de Carlinhos Cachoeira para produzir reportagens contra o governo dele.
Cita, entre outras passagens, a filmagem que pilhou um funcionário dos Correios recebendo propina e levou Roberto Jefferson (PTB-RJ) a denunciar a existência do mensalão, cujo processo o STF está prestes a julgar.
Lula também menciona o grampo que captou conversa do senador Demóstenes Torres com o ministro Gilmar Mendes, do STF. Atribuída à Abin, a escuta clandestina forçou-o a afastar da direção da agência de inteligência o delegado federal Paulo Lacerda.
O diálogo veio à luz apenas em versão impressa. Demóstenes e Gilmar confirmaram o conteúdo. Mas o áudio jamais apareceu. Agora, Lula instila a suspeita de que é “a turma do Cachoeira” que está por trás da trama, não a Abin.
Nesta semana, Lula discutiu o assunto em reuniões com pelo menos duas lideranças do PT. Falou de ‘Veja’ como uma ideia fixa. Mesmo sem dispor de provas, disse não “engolir” a versão segundo a qual a revista serviu-se de Cachoeira e seus espiões apenas como fontes de informações.
Na versão do ex-soberano, ‘Veja’ teria ultrapassado as fronteiras da ética jornalística, ajudando a preparar as ações de espionagem. Uma versão que a revista já negou e que os grampos da Operação Monte Carlo veiculados até aqui desautorizaram.
Numa das escutas telefônicas captadas pela PF na investigação que levou Cachoeira à cadeia em 29 de fevereiro, o contraventor conversa com Jairo Martins, ex-espião da Abin.
No diálogo, diferentemente do que sustenta Lula, o jornalista que chefia a sucursal de ‘Veja’ em Brasília, Policarpo Júnior, é citado como personagem no qual a quadrilha não pode confiar. Recorde-se, por eloquente, um trecho:
- Cachoeira – O Policarpo, você conhece muito bem ele. Ele não faz favor pra ninguém e muito menos pra você. Não se iluda, não […] Os grandes furos do Policarpo fomos nós que demos, rapaz […] Ele não vai fazer nada procê.
- Jairo - É, não, isso é verdade aí.
- Cachoeira - Limpando esse Brasil, rapaz, fazendo um bem do caralho por Brasil, essa corrupção aí. Quantos já foram, rapaz? E tudo via Policarpo. Agora, não é bom você falar isso com o Policarpo, não, sabe? Você tem que afastar dele e a barriga dele doer, sabe? Tem que ter a troca, ô Jairo. Nunca cobramos a troca.
- Jairo - Isso é verdade.
Cachoeira - E fala pra ele […]: eu ganho algum centavo seu, Policarpo? Não ganho. […] Nós temos de ter jornalista na mão, ô Jairo! Nós temos que ter jornalista. O Policarpo nunca vai ser nosso…
Jairo - É, não tem não, não tem não. Ele não tem mesmo não. Ele é foda!
Nesta quinta (26), os congressistas que representam o PT na CPI reuniram-se com a bancada de deputados do partido. Debateu-se no encontro a estratégia a ser seguida pelo petismo.
Concluiu-se o óbvio: no caso de ‘Veja’ e dos outros alvos do PT, a conversão dos desejos em prática depende da existência de provas –indícios pelo menos— que justifiquem a ação partidária na CPI.
Optou-se por priorizar a análise dos volumes e dos CDs colecionados pela Polícia Federal nas duas operações abertas contra Cachoeira e sua quadrilha: Vegas, concluída em 2009, e Monte Carlos, de 2012. Requisitados na quarta (25), os autos ainda não chegaram à CPI.
Também ficou decidido que o PT vai mover suas engrenagens para arrastar o procurador-geral da República Roberto Gurgel até o banco da CPI. Deseja-se constrangê-lo numa inquirição.
O partido de Lula acusa Gurgel de ter retardado deliberadamente a parte da investigação que envolveu Demóstenes Torres. O petismo escora a acusação num fato, do qual extrai ilações que levam à suspeição.
O fato: O inquérito da Operação Vegas, a primeira aberta contra Cachoeira, chegou à Procuradoria-Geral da República em 2009. Iniciada em Goiás, a investigação subiu a Brasília porque a voz de Demóstenes começou a soar nos grampos.
Gurgel tinha duas providências a adotar: ou considerava o inquérito frágil e o mandava ao arquivo ou enxergava consistência no papelório e requisitava a abertura de investigação contra Demóstenes no STF.
Não ocorreu nem uma coisa nem outra. O caso Vegas dormitou nas gavetas da Procuradoria por arrastados três anos. Gurgel só levou Demóstenes à grelha do Supremo no mês passado, quando o envolvimento do senador com Cachoeira já se encontrava pendurado nas manchetes.
As ilações: os petistas difundem a suspeita de que a inação de Gurgel atendeu a interesses alheios às suas atribuições de chefe do Ministério Público Federal. O céu é o limite das insinuações que fazem ferver o partido.
Oficialmente, Gurgel já informou que reteve a Operação Vegas à espera da conclusão da segunda operação da PF, a Monte Carlo. Munido de informações que dizem ter recolhido no governo, os petistas descrêem.
Sustentam que ocorreu o contrário: a segunda investigação teria sido aberta pela PF em reação ao engavetamento da primeira. Nessa versão, Gurgel só agiu depois que os grampos, vazados em catadupas, tornaram o pedido de providências ao STF incontornável.
O advogado Antonio Carlos de Almeida ‘Kakay’ Castro, defensor de Demóstenes, desenvolve um raciocínio que distancia Gurgel das teorias conspiratórias do PT. Avalia que o procurador-geral demorou a acordar para a Operação Vegas por “desorganização” do Ministério Público.
Kakay recorda que, quando já ecoavam no noticiário as escutas da Operação Monte Carlo, um repórter da TV Bandeirantes lhe telefonou para indagar sobre o inquérito Vegas. O advogado diz ter procurado Demóstenes, que declarou desconhecer a investigação. Dirigiu-se, então, à Procuradoria. Foi informado de que “não havia nada”.
Súbito, a informação de que a Operação Vegas acumulava pó na Procuradoria desde 2009 virou notícia.
“No dia seguinte, o inquérito apareceu”, diz Kakay. Um detalhe o leva a atribuir o sumiço à “desorganização”: Gurgel não tinha razões para proteger Demóstenes. Ao contrário, o senador é desafeto do procurador-geral.
No ano passado, Gurgel mandara ao arquivo uma representação na qual senadores oposicionistas pediam que apurasse o enriquecimento do então ministro Antonio Palocci (Casa Civil), que multiplicara por cinco seu patrimônio prestando “consultorias”.
Um dos signatários da petição, Demóstenes chamara Gurgel de covarde. Dissera que o procurador-geral protegera Palocci de olho na recondução ao cargo de procurador-geral, que seria confirmada por Dilma Rousseff. Assim, sustenta Kakay, a acusação de que Gurgel sentou sobre o processo para beneficiar Demóstenes não faz nexo.
Seja como for, o PT acha que Gurgel deve explicações. Na quarta (25), durante a sessão inaugural da CPI, o senador Fernando Collor (PTB-AL) propôs que fosse votado um requerimento de convocação de Gurgel.
O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) tentou convencer Collor a retirar o requerimento. Não que estivesse contra. Apenas achava que não era hora. Jilmar Tatto (SP), líder do PT, desaconselhou a votação. E o presidente da CPI, Vital do Rêgo (PMDB-PB), absteve-se de levar o requerimento a voto.
Antes de convocar, o PT deseja “convidar” Gurgel a comparecer à CPI. Se ele recusar o “convite”, será convocado. A bancada do governo congrega 65% dos votos da CPI. Imagina-se que os não-petistas também desejarão ouvir Gurgel. A ver.
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