Ruth de Aquino
A idade avançada talvez cobre um preço alto a sua memória recente. Como o
presidente do Senado, José Sarney, pôde endossar os supersalários, apenas dois
meses depois de ser obrigado a limitá-los ao teto do funcionalismo público? A
decisão é inconstitucional, ilegal, imoral. Beneficia uns 700 servidores, que
poderão voltar a ganhar acima de R$ 26.723,15, mais que os ministros do STF.
Vamos todos doar para a campanha “servidor-esperança”.
Entendi. Sarney escutou Dilma dizer que o foco de seu governo não é a ética,
mas “a faxina contra a pobreza”. E resolveu seguir o conselho da presidente à
risca. Seus servidores no Senado ameaçavam greve. Não conseguiriam viver
dignamente com menos de R$ 26 mil por mês. Estavam com medo de não poder voar
mais de primeira classe. Com a caça às bruxas até no ar, não são todos os que
têm o direito de usar helicópteros da PM e jatinhos de empresários para lazer
pessoal.
“É como na música do Caetano: é o avesso do avesso do avesso”, disse Ricardo
Ferraço, do PMDB do Espírito Santo. Ferraço é relator da reforma administrativa
do Senado. Mas que reforma é esta que não resiste à influência do padrinho
maranhense sobre um tribunal de Brasília? “É inacreditável”, disse ele. “O teto
está na Constituição.” O assombro de Ferraço é o mesmo de todos nós. Essa
limitação salarial existe desde 1998. Com todo o respeito, alguém precisa chamar
o presidente do Senado à razão.
Sarney consegue, no ocaso de sua vida política, personificar todo o atraso de
um país. Lula um dia o chamou de ladrão e depois beijou sua mão. A rima é
inofensiva. Mas a blindagem de Sarney é nociva. Ele é o líder de um clã que
enriqueceu à custa do povo sofrido do Maranhão, um dos Estados mais miseráveis
do Brasil. Imagino que, na faxina contra a pobreza da diarista Dilma, o Estado
do sinhozinho Sarney seja uma das prioridades.
O episódio do helicóptero da PM, cedido por Roseana para levar o pai a sua
ilha particular de Curupu, é até menor. Ministros do STF desaprovaram como “um
desvio de finalidade” o uso pessoal de uma aeronave destinada à segurança e à
saúde do povo. Mas a maior contribuição de Sarney para o atraso do Brasil é agir
como se fosse o ditador líbio de uma capitania hereditária. É como se estivesse
descolado do atual processo nacional. Vive num outro tempo.
“Tenho direito a transporte de representação, e não somente a serviço. É
chefe de Poder.” E assim o intocável Sarney ignora a lei de improbidade.
Políticos que usam bens públicos em “obra ou serviço particular” podem ser
punidos com a perda da função e suspensão de direitos políticos. Sabemos, porém,
que nada vai acontecer com o oligarca. Como disse Lula, ele “não é um homem
comum”.
Os descaminhos levam ao padrinho-mor, Lula, que não consegue desencarnar do
poder. Deveria ser inconstitucional um ex-presidente da República despachar com
ministros para tratar assuntos de governo. É escandaloso que Lula crie um
governo paralelo, com base em São Paulo, para cobrar ações de ministros de
Dilma. Não satisfeito em montar um ministério bichado por escândalos, Lula
aponta o candidato do PT à prefeitura de SP. E freia o combate presidencial à
corrupção.
Coincidência? Na semana em que Lula volta ao palco como eminência nada parda,
os ministros Negromonte, das Cidades, e Novais, do Turismo, ganham uma
sobrevida. Esses dois estão por um peteleco. Exonerar Paulo Bernardo das
Comunicações é mais complicado, por ser casado com Gleisi. E ele “só” pegou
carona na farra aérea.
Com a guerra deflagrada entre congressistas que se chamam de “débil mental” e
“safado”, a folha corrida de políticos continuará a vazar. A do PP está às
claras: 18 deputados respondem por irregularidades. Os dois Cunha, Eduardo
(PMDB) e João Paulo (PT), não vão mais comandar a reforma da Justiça, por serem
réus. A OAB acaba de lançar o site Observatório da Corrupção.
Está difícil comprar briga com a sociedade. Vai ser difícil segurar. As
baratas vão voar. Se aposenta, Sarney! Desencarna, Lula!
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