sexta-feira, 30 de junho de 2023

JAIR BOLSONARO É CONDENADO PELO TSE A INELEGIBILIDADE E ESTÁ FORA DAS ELEIÇÕES ATÉ 2030


Bolsonaro foi condenado pelo TSE

Jair Bolsonaro foi condenado à inelegibilidade nesta sexta-feira pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o placar de 5 a 2, a Corte entendeu que o ex-presidente praticou abuso de poder político e usou indevidamente meios de comunicação ao atacar, sem provas, as urnas eletrônicas em uma reunião com embaixadores às vésperas da campanha do ano passado. Com isso, seis meses após deixar o poder, Bolsonaro está impedido de disputar um cargo público até 2030 e se tornou o primeiro ex-presidente na História a perder os direitos políticos em um julgamento no TSE. Em entrevista logo após a decisão, ele disse não ter cometido qualquer irregularidade e que agora será um "cabo eleitoral de luxo”.

Ao analisarem as acusações contra o ex-presidente ao longo de quatro sessões, ministros citaram as inúmeras ameaças à democracia proferidas pelo ex-presidente durante seus quatro anos de mandato. No período, Bolsonaro promoveu uma cruzada contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em especial, contra o ministro Alexandre de Moraes, eleito como uma espécie de "inimigo número 1" do bolsonarismo. No entendimento da maioria dos magistrados, ao adotar essa conduta, Bolsonaro violou ostensivamente seus deveres constitucionais como presidente da República.

  • Cinco ministros (Benedito Gonçalves, Floriano Azevedo, André Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes) votaram pela inelegibilidade; dois ministros (Raul Araújo e Nunes Marques) foram contra)
  • Bolsonaro foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por atacar o processo eleitoral durante uma reunião com embaixadores
  • Candidato a vice de Bolsonaro no ano passado, Braga Netto foi absolvido pelo TSE

O julgamento desta sexta-feira foi marcado por duros recados enviados por Moraes, presidente do TSE, sobre os ataques à democracia, refirmando a jurisprudência da Corte para as futuras eleições. Além dele, as ministras Cármen Lúcia, Floriano Marques e André Tavares acompanharam o voto do relator, Benedito Gonçalves, pela condenação. Raul Araújo e Kássio Nunes Marques, por sua vez, divergiram e defenderam a absolvição.

— A Justiça é cega, mas não é tola. Nós nao podemos, de forma alguma, criar o precedente avestruz. Todo mundo sabe o que ocorreu, todo mundo sabe o mecanismo para obtenção de votos, mas todos escondem a cabeça embaixo da terra — afirmou Moraes. — É muito importante que o julgamento criasse o precedente para impedir a disseminação do ódio, da desinformação, da conspiraração do ataque a justiça eleitoral, a desinformação para enganar o eleitor, ao se enganar o eleitor atenta-se contra a democracia.

Por que Bolsonaro ficou inelegível?

A ação pela qual Bolsonaro foi considerado inelegível foi apresentada no ano passado pelo PDT, que o acusou de criar um ambiente propício para a “propagação de toda sorte de desordem informacional” ao promover a reunião com representantes de outros países no Palácio da Alvorada. A legenda apontou que, ao transmitir o discurso com ataques às urnas eletrônicas na TV Brasil e em redes sociais, Bolsonaro teve “expressivo alcance na difusão de informações falsas já reiteradamente desmentidas”.

Ao analisar o caso, o relator da ação, Benedito Gonçalves, entendeu que a reunião com os embaixadores deveria ser inserido no contexto de diversos ataques ao sistema de votação do país em entrevistas, transmissões ao vivo e discursos proferidos durante o mandato.

Em seu voto, apresentado ao longo de três horas, Gonçalves incluiu uma linha do tempo na qual enumera episódios nos quais Bolsonaro avoca discursos golpistas para atacar as instituições no país. O "ápice" das acusações, segundo ele, se deu durante a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, rejeitada pela Câmara em 2021.

TSE condenou ex-presidente por 5 votos a 2

O relator citou a transmissão ao vivo que Bolsonaro fez em julho de 2021 questionando a segurança das urnas. Segundo o magistrado, o ex-presidente recorreu ao descrédito do dispositivo eletrônico a fim de manter sua militância "em contínuo estado de excitação e, até mesmo, de paranoia".

Gonçalves também faz referência a uma entrevista do ex-presidente à emissora da rádio Jovem Pan em agosto daquele mesmo ano na qual apresenta um inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao TSE, fazendo crer que houve adulteração de votos nas eleições de 2018, o que já havia sido desmentido pelo tribunal.

O ministro ainda lembrou que as lives e entrevistas serviram para Bolsonaro convocar seus apoiadores aos atos de 7 de Setembro daquele ano, quando voltou à carga dos ataques instituições e aos princípios democráticos, incluindo ameaças de descumprir decisões judiciais.

Além disso, citou menções feitas pelo então mandatário às Forças Armadas como organização capaz de fiscalizar e apontar soluções para fraudes no pleito, o que nunca esteve entre as funções dos militares.

— A reunião (com embaixadores) no Palácio da Alvorada não é uma fotografia na parede, mas um fato inserido em um contexto — afirmou Gonçalves.

'Minuta golpista'

Um dos principais pontos de discussão no julgamento foi a inclusão da chamada "minuta golpista" como elemento para reforçar as acusações contra Bolsonaro. O documento apócrifo, encontrado em uma estante da casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres em janeiro deste ano, prevê a decretação de um estado de defesa no TSE, o que permitiria ao ex-presidente intervir no resultado das eleições de 2022.

— Esses elementos têm correlação estrita à causa de pedir e a gravidade da conduta, isso porque desde a inicial o autor alega que os investigados tinham como estratégia política eleitoral induzir descrédito ao resultado do pleito de 2022 — argumentou o relator.

Novatos acompanham relator

Recém-empossados como ministros do TSE, Floriano Marques e André Tavares concordaram com a posição do relator. Marques afirmou que houve "responsabilidade direta e pessoal" de Bolsonaro, que teria assumido "os riscos" com sua conduta. Tavares, por sua vez, considerou que o discurso de Bolsonaro teve "distorções severas da realidade".

— Não apenas a mera falta de rigor em certas proclamações, mas a inequívoca falsidade perpetrada nesse ato comunicacional, com invenções, distorções severas da realidade, dos fatos e dos dados empíricos e técnicos, chegando ainda a caracterizar uma narrativa delirante, com efeitos nefastos na democracia, no processo eleitoral, na crença popular em conspirações acerca do sistema de apuração dos votos — disse Tavares.

O voto que formou maioria foi dado pela ministra Cármen Lúcia, que citou o conceito de "consciência de perverter", descrito por ela como a "consciência de saber que não tem razão e ainda sim expor como se tivesse, sabendo que não a tem". Ela afirmou que Bolsonaro agiu dessa forma e que por isso colocou em risco a democracia.

— Essa consciência de perverter faz com que não apenas o ilícito tenha acontecido, colocando em risco a normalidade, a legitimidade do processo eleitoral e, portanto, da própria democracia, mas isso foi divulgado, ou seja, com o uso indevido dos meios de comunicação para solapar a confiabilidade de um processo sem o qual nós não teríamos sequer o Estado de Direito.

Último a votar, Moraes fez um duro discurso com críticas à conduta do ex-presidente, listando declarações do ex-presidente e, sem seguida, as pontuando como "mentiras":

— O presidente, ao dizer mentirosamente que há fraudes nas eleições, inclusive daquela que ele ganhou, sem apresentar provas, ao atacar o sistema eleitoral que o elege há 40 anos, não se enquadrou no exercício de liberdade de expressão, mas de abuso de poder — afirmou Alexandre de Moraes em voto.

Divergências

Apesar da pressão de Bolsonaro para que pedisse vista — mais tempo para analisar a ação — e adiar o julgamento, o ministro Raul Araújo aprsentou seu voto, divergindo do relator. Ele afirmou que não viu abuso no discurso de Bolsonaro aos embaixadores. O ministro reconheceu que o ex-presidente se “excedeu” em sua fala, mas argumentou que as declarações não conseguiram deslegitimar as urnas.

— Embora não se possa negar que as eleições de 2022 experimentaram um conjunto de percalços e dificuldades oriundo de discursos de discursos inverídicos, no qual a fala do então presidente Jair Messias Bolsonaro é exemplo significativo, há de se igualmente reconhecer que a Justiça Eleitoral foi capaz de conduzir o pleito de forma orgânica, com ampla e livre participação popular — afirmou.

O mesmo entendimento foi seguido pelo ministro Kássio Nunes Marques, único dos indicados por Bolsonaro ao STF a participar do julgamento. O magistrado reconheceu os ataques do ex-presidente à Justiça Eleitoral, mas destacou em seu voto que a reunião com embaixadores não configura gravidade o bastante para interferir no resultado do pleito:

— Ainda que se considere as informações questionáveis, a reunião com embaixadores não foi capaz de perturbar a regularidade das eleições — afirmou Nunes Marques.

O que acontece agora?

Após o término do julgamento, o advogado de Bolsonaro, Tarcísio Vieira de Carvalho, afirmou que irá aguardar a publicação do acórdão, com a íntegra dos votos dos ministros, para analisar quais as "melhores estratégias".

— A defesa recebe com profundo respeito a decisão e vai aguardar a composição integral do julgado, já que foram lidos em grande maioria apenas votos parciais ou resumo de votos, para verificar quais são as melhores estratégias daqui para frente — disse Vieira de Carvalho.

Diante do placar de cinco votos a dois pela condenação de Bolsonaro, há a possibilidade de que a defesa do ex-presidente ingresse com os chamados “embargos de declaração” no próprio TSE — a partir dos quais os advogados podem questionar, por exemplo, os critérios contidos na decisão.

A defesa do ex-presidente também afirmou ao longo de todo o julgamento que uma de suas possibilidades de recurso seria ao Supremo Tribunal Federal (STF). O advogado Tarcísio Vieira de Carvalho entende que Bolsonaro não teve oportunidade de se defender de forma adequada de fatos novos incluídos ao processo, como a minuta do golpe, que não têm relação com o objeto inicial da ação. A expectativa seria pela rejeição total do processo. A Corte Eleitoral, contudo, já aprovara a inserção de fatos e documentos que sejam desdobramentos do caso

Um dos autores da ação, o advogado Walber Agra, afirmou que o resultado mostra que não são apenas os "mandatários nos rincões" que precisam cumprir a legislação eleitoral.

— Ainda podemos dizer que em Brasília há juízes. Ou seja, ratifica-se o parâmetro democrático e não é apenas aqueles mandatários nos rincões que precisam cumprir a legislação eleitoral — disse Agra após o julgamento.

Braga Netto absolvido

Apesar da divergência sobre Bolsonaro, os ministros concordaram em absolver o vice na chapa de Bolsonaro, o ex-ministro Walter Braga Netto, que também era alvo da ação. Os ministros consideraram que ele não teve participação no evento.

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