quinta-feira, 22 de junho de 2023

Bolsonaro inelegível não elimina a dor de cabeça



Não há caso na história de um político que tenha fornecido tanta corda para o seu próprio enforcamento. Bolsonaro condenou o Judiciário a condená-lo. Deu motivos de sobra para que o Tribunal Superior Eleitoral o torne inelegível no julgamento iniciado nesta quinta-feira. Afastar Bolsonaro das eleições até 2030 ficou fácil. Mas isso não elimina a dor de cabeça. O Brasil tem pela frente a difícil tarefa de conviver com a inelegibilidade de Bolsonaro.

Pesquisa nacional feita pela Quaest dá uma ideia do que está por vir. A sociedade continua dividida. Questionados sobre o julgamento, 47% dos entrevistados disseram que o TSE precisa condenar Bolsonaro. Entretanto, 43% disseram que ele não deveria ter os direitos políticos suspensos. A constatação de que mais de quatro em cada dez brasileiros ainda acham que Bolsonaro pode perambular pela conjuntura impune como se nada tivesse sido descoberto sobre suas tramas golpistas é inquietante.

Farejando as possibilidades do cenário, Bolsonaro vestiu o figurino de vítima antes mesmo de ter os direitos políticos formalmente suspensos pelo TSE. Alega que a Corte eleitoral o trata como sub-Dilma ao incluir na ação sobre as mentiras que contou a embaixadores estrangeiros provas novas —como a minuta do golpe apreendida posteriormente na casa do ex-ministro Anderson Torres.

Bolsonaro reivindica para si a mesma jurisprudência que o TSE usou em 2017 para salvar da cassação a chapa Dilma-Temer, desprezando provas do uso de dinheiro sujo da Odebrecht na campanha. Há seis anos, ao matar provas vivas, a Justiça Eleitoral cometeu um erro histórico. Reincidiria no equívoco se servisse agora o mesmo refresco para Bolsonaro.

Quando Lula foi excluído das urnas de 2018 por uma decisão do Supremo Tribunal Federal pouca gente apostava que ele voltaria a subir a rampa do Planalto. A formação da frente democrática que impulsionou a vitória de Lula no segundo turno de 2022 revelou que um pedaço do conservadorismo civilizado já abandonou Bolsonaro. Mas o 8 de janeiro e o surgimento de uma bancada troglodita no Congresso mostraram que a direita neandertal fincou raízes.

Para evitar que Bolsonaro realize o sonho de continuar liderando a direita que ele retirou do armário, Lula precisa mostrar serviço e o conservadorismo com neurônios tem que levar alguma carta ao baralho. Os herdeiros políticos naturais de Bolsonaro são os governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Romeu Zema, de Minas Gerais. Eles dispõem de três anos e meio para se consolidar na vitrine como alternativas de uma direita democrática.

O TSE tem um desafio mais imediato: convencer os 43% que discordam da inelegibilidade de Bolsonaro de que a Terra não é plana. Há seis anos, a pretexto de preservar o mandato de Temer após o impeachment de Dilma, pareceu razoável à maioria dos políticos e dos ministros da Corte eleitoral desprezar provas irrefutáveis. Hoje, a necessidade de vacinar a democracia contra o golpismo leva a Justiça Eleitoral a se reconciliar com o óbvio.

Bolsonaro já sabe o que fazer: pose de vítima. O Brasil ainda terá que aprender a conviver com um capitão inelegível. Não será fácil. E pode se tornar ainda mais difícil se o TSE não conseguir demonstrar que é capaz de realizar um julgamento técnico.

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