quinta-feira, 15 de junho de 2023

Mais uma lei para privilegiar nossa casta política


Arthur Lira colocou o texto à disposição dos deputados às 20h, e a votação começou dez minutos depois

Que a nossa Câmara dos Deputados é um antro de fisiologismo, nepotismo, corporativismo e outros ismos, poucos duvidam. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Não importa o nome ou o partido do presidente da República. Cunhas e Liras nos assombram com seu poder, cinismo e ousadia. Como se fossem vulneráveis e perseguidos, deputados acabam de aprovar um projeto de lei para punir “a discriminação contra pessoas politicamente expostas”.

Não basta o escandaloso foro privilegiado, que já protege políticos autores de crimes comuns. Agora, querem mais proteção. Porque se julgam cidadãos de bem. Ou seriam cidadãos de bens? O Congresso brasileiro é o segundo mais caro do mundo. Perde apenas para os Estados Unidos. E costuma votar na calada da noite em benefício próprio. Financeiro ou moral. Anões ou gigantes, miram no Orçamento público, aquele que poderia garantir dignidade às “pessoas socialmente expostas”. Essas, sim, vulneráveis.

“O projeto é inconstitucional, fere a impessoalidade e a isonomia de direitos. Votação relâmpago foi para não ter pedido de votação nominal”, me disse Sergio Abranches. O sociólogo e cientista político resume nessa frase os vícios do texto aprovado. O conteúdo viola nossa Constituição de 1988, no artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. E a pressa em votar, sem consulta ou debate, revela o motivo do açodamento. Poupar os deputados de se expor ou argumentar com nome e sobrenome.

Ficamos combinados assim. Para a Câmara de Lira, se você discriminar um político, o criminoso é você; pode ser multado e pegar dois a quatro anos de prisão. Os familiares até segundo grau dos políticos também estariam protegidos de “discriminação”. Não foi pequena a margem na aprovação: 252 votos a 163. O PT votou em peso a favor do projeto: 43 votos a favor e 11 contra.

Por que políticos devem ser monitorados em nome do bem público? Em vez de blindados? Exatamente pela tendência de muitos de buscar o enriquecimento ilícito ou a lavagem de dinheiro. Não vou dizer que é a maioria. Ou chamar de ladrões. Posso ser presa pelo Lira.

Os crimes listados por esse projeto de lei são: acusar políticos por condutas que viraram caso de Justiça, mas ainda não transitaram em julgado. Impedir acesso a cargos de administração; Impossibilitar a promoção profissional. Negar emprego em empresa privada. Negar abertura de contas bancárias.

Pela letra da Constituição, ninguém pode ser discriminado. Nem político nem branco nem preto nem rico nem pobre nem mulher nem homossexual nem trans nem jovem nem velho. Então, por que o político precisa criar uma lei para proteger a ele e seus familiares? Descrê da Constituição? Ou parte do princípio que os políticos são corruptos por definição ou deformação do cargo? Eles têm complexo de perseguição?

Uma vez citei meu ministro de estimação no STF, Luís Roberto Barroso, em artigo sobre nossas castas. “O sistema do foro privilegiado é ruim, funciona mal, traz desprestígio para o Supremo, traz impunidade. Criamos um direito penal que produziu um país de ricos delinquentes. No Brasil, as pessoas são honestas se quiserem, porque, se não quiserem, não acontece nada”. O toma lá dá cá de cargos com foro no Supremo impede o alcance da Justiça de primeiro grau.

O conflito institucional existe em grande parte pelo abuso de poder dos políticos. Quem rouba para encher seu bolso e o bolso de filhos e parentes, ou para ganhar eleições, deveria ter punição exemplar. Quem desvia centenas de milhões de dólares de dinheiro público num país em que tudo falta, de educação à saúde, é um criminoso. Assalta a infância, a juventude, a velhice, os ideais e o futuro do Brasil. Não merece uma lei especial.

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