segunda-feira, 5 de junho de 2023

O Brasil tem uma compulsão por leis (inúteis)


Elevador no centro de São Paulo com o aviso de placa que orienta que usuários averiguem se o elevador está parado no local - Rivaldo Gomes 10.mai.18/Folhapress

Em pleno 2023, era digital, de carros elétricos, tecnologia smart, ainda temos que nos deparar com a placa: "Aviso aos passageiros: antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar."

Essa importantíssima lei do estado de São Paulo de 1997, antes de tudo contém erros gramaticais. Quem transporta "passageiros" é avião, trem, navio. "Parado", na frase, é um bom exemplo de redundância, pois se o mesmo (sic) está no andar, é porque não está subindo nem descendo. E "encontra-se" pode parecer chique, mas o correto seria o pronome "se" estar antes do verbo. Essa placa é emblemática para todas as leis absurdas que temos que ruminar.

Não sei o que você estava fazendo na última quarta-feira (31), mas provavelmente violou uma lei federal: a Lei 13.645/2018, que instituiu a última quarta-feira do mês de maio como o Dia Nacional do Desafio e determinou que devemos comemorá-lo praticando alguma atividade física, por, no mínimo, 15 minutos.

Outros exemplos curiosos. Em Dom Joaquim (MG), é proibido assistir a peças teatrais usando chapéu (Lei 709/2000, artigo 71, § único). Em Guarujá (SP), há uma multa para erros de ortografia ou de concordância em outdoors ou pichações (Lei 2.602/1998 art. 3º). Em São Paulo, bares, lanchonetes e restaurantes são obrigados a deixar à disposição do cliente café amargo (Lei 10.297/1999). Como se vê, existem casos em que a própria lei é um deboche socrático de si.

Até leis relevantes e urgentes, como a Lei Federal de Crimes Ambientais, têm disposições obtusas. Essa lei prevê uma agravante caso o crime seja cometido aos domingos ou feriados (art. 15, ‘h’), como se a natureza precisasse de descanso só nos feriados. Quando se trata de crime ambiental, as agravantes devem ser aplicadas para todos os dias do ano.

Outro regulamento relevante, que visa proteger nossa salubridade, expedido pela Vigilância Sanitária, estabelece tantas proibições para os manipuladores de alimentos, que só sendo um robô para cumprir:

"Durante a manipulação dos alimentos é vetado: falar, cantar, assobiar, tossir, espirrar, cuspir sobre os produtos; mascar goma, palito, fósforo ou similares; chupar balas, comer ou experimentar alimentos com as mãos; tocar o corpo, colocar o dedo no nariz, ouvido, assoar o nariz, mexer no cabelo ou pentear-se; enxugar o suor com as mãos, panos ou qualquer peça da vestimenta; fumar; tocar maçanetas, celulares ou em qualquer outro objeto alheio à atividade; fazer uso de utensílios e equipamentos sujos; manipular dinheiro e praticar outros atos que possam contaminar o alimento" (Portaria nº 5/2013). Detalhe: a mesma lei veda o uso de máscaras nasobucais.

O Legislativo brasileiro tem uma compulsão por leis. São mais de cem mil leis em vigor, uma quantidade exorbitante se comparado a outros países. Quantas são cumpridas?

Pesquisas apontam que a grande maioria dos brasileiros acredita ser fácil desobedecer às leis. Não poderia ser diferente porque um ordenamento com tantas leis banaliza os seus propósitos. A abundância de regras não faz um país ser mais justo. Pelo contrário, enfraquece a segurança jurídica dos cidadãos, ofuscando e comprometendo a funcionalidade de leis essenciais. Como bem disse Montesquieu, "leis inúteis debilitam as necessárias".

Enquanto deputados que são pagos por nós se reúnem para discutir o sabor do cafezinho em bares e restaurantes, princípios fundamentais da Constituição —como o direito à saúde, à moradia, à diferença, à infância e ao trabalho— são violados na nossa cara, todos os dias. A justiça só se viabiliza através de uma legislação clara, concisa e que, sobretudo, esteja conectada à sociedade.

Nenhum comentário: