segunda-feira, 5 de junho de 2023

Bolinho caipira: conheça a história da iguaria típica das festas juninas do Vale do Paraíba


Bolinho caipira é feito de massa de farinha de milho amarela e recheio de carne bovina. — Foto: Divulgação/Arraiá do Frederico

Famoso nas cidades do Vale do Paraíba, o bolinho caipira é figura certa nas festas juninas e até em outras épocas do ano, na mesa dos moradores da região. A receita é típica das cidades vale paraibanas e varia de acordo com cada município, mas quase todas levam para os arraiás o prato típico que é um dos símbolos da cultura popular regional.

Em Jacareí, os primeiros registros do bolinho caipira sendo comercializado são do ano de 1925, quando a iguaria era vendida dentro do Mercado Municipal. O quitute já possuía a receita que é conhecida até os dias de hoje na cidade, com massa feita de farinha de milho branca e recheado com linguiça.

Bolinho caipira de Jacareí é feito de massa de farinha de milho branca e recheio de linguiça. — Foto: Divulgação/Fundação Cultural

Em São José dos Campos, o primeiro registro não é exato, mas também aponta uma época parecida, por volta de 1927. A receita joseense tradicional leva farinha de milho amarela e recheio de carne bovina moída, mas segundo a folclorista Angela Savastano, o alimento também tem relação com o lado religioso e começou com uma fórmula diferente da mais conhecida de hoje em dia.

O bolinho, que ainda não se chamava "caipira", tinha como recheio o peixe, pescado no Rio Paraíba, e servia de alimento para os fiéis que passavam a madrugada na igreja na celebração conhecida como "Guarda do Senhor Morto", na qual as pessoas faziam uma espécie de velório a Jesus, na Sexta-Feira Santa.

"Como a população ficava à noite toda, de vez em quanto saiam e iam tomar uma cafezinho, e iam numa barraca que montavam perto da igreja. Era tradição daquela semana. Uma massinha de farinha de milho em flocos, umedecida, em que colocavam um peixinho no meio, pois pela data não podiam comer carne. Era uma bolinha com a cabecinha e o rabinho do peixe para fora. Era chamado de bolinho, bolinho de semana santa", relatou Angela.

Rio Paraíba do Sul — Foto: Reprodução/TV Vanguarda

Com o passar dos anos, as celebrações durante a madrugada foram parando de acontecer, mas a população procurou alguma outra data para que o bolinho continuasse a ser consumido. Além disso, o volume de peixes no rio e o costume de consumi-los também diminuiu.

Para atrelar também a uma data religiosa, a festa escolhida foi a de homenagem a São João, no mês de junho.

"Com o passar dos anos, os peixinhos do Rio Paraíba foram 'acabando', não tem mais a quantidade que tinha. Segundo ponto, é que não tem mais essa celebração à noite, agora só à tarde, pelo perigo. Os hábitos mudaram. Não faziam mais com o peixinho, mas as pessoas sabiam fazer o bolinho. Começaram a fazer na festa de São João e aí podiam comer carne. Faziam a mesma massa, o mesmo processo, mas com carne moída. Aqui em São José, o bolinho não deixou de ser comido. Ele saiu da semana santa e foi pra festa de São João", contou Savastano.

São João Batista foi o filho de Zacarias e Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus. Logo, o santo homenageado a cada junho pela Igreja Católica é primo de Jesus Cristo. Na foto, o cônego Roberto Cavalli. — Foto: Sidney Oliveira / O Liberal

Até os dias de hoje, alguns jacareienses e joseenses não entram em acordo de qual cidade possui e faz o melhor e mais tradicional bolinho caipira da região. Para a museóloga Patrícia Cruz, a discussão não é algo que influencia na simbologia que o alimento traz às pessoas.

"Existe essa disputa de quem tem os bolinhos mais antigos, mas particularmente, acho irrelevante. Como o de Jacareí é feito com farinha branca, o milho branco era bastante plantado na região e ele chegou antes do milho verde. Então o de Jacareí deve ser de fato o mais antigo, mas o bolinho é do Vale do Paraíba. Em Jacareí se consome quase todos os dias, é algo que você come na casa das pessoas, traz memória afetiva. Em São José você encontra mais em festas, como a junina", relatou Patrícia.


Bolinho caipira de Jacareí é feito de massa de farinha de milho branca e recheio de linguiça. — Foto: Arquivo pessoal

Mesmo com os marcos históricos de vendas e consumos nas cidades da região, a origem do bolinho em si, é incerta. Segundo a museóloga, a iguaria é algo que já devia ser fabricado por viajantes pela praticidade. Seus formatos e recheios até podiam ser diferentes, mas a essência já era do bolinho caipira.

"A gente têm histórias de viajantes de que a iguaria já era consumida na região há mais tempo, talvez não da forma que conhecemos hoje, frito, recheado. Mas a massa e o jeito de fazer já existiam. Há uma frase que diz que o bolinho foi feita por diversas mãos, desde a farinha até o ato de fritar. O bolinho já era feito por indígenas. Eles produziam a farinha, recheavam e assavam na fogueira", contou.

Ainda de acordo com Patrícia, um dos fatores para que o bolinho se popularizasse foi o seu baixo custo para a produção. A farinha e a carne eram ingredientes mais acessíveis para a população de baixa renda e o próprio nome que foi lhe dado veio com traços de preconceito à população mais pobre.

"O nome veio até em um tom um pouco pejorativo. O bolinho caipira era visto como uma comida para pessoas pobres, não era um alimento nobre. É uma comida barata, tropeira, fácil de fazer", disse.

Festa juninas de asilos e ongs têm o bolinho caipira como prato principar para atrair público e reverter rendas para manter trabalho com causas sociais. — Foto: Sociedade São Vicente de Paula/Arquivo

As receitas do bolinho caipira variaram ao longo dos anos e variam até os dias de hoje. É possível encontrar receitas veganas, massas sem glúten e recheios diferentes como frango, carne seca e peixes.

Alguns exemplos de outras cidades do Vale do Paraíba são Santa Branca, em que as pessoas tinham o costume de recheá-lo com tilápia. Em Taubaté é possível encontrar o alimento feito com farinha de mandioca. Na cidade de Caçapava o bolinho leva a carne já na massa e não como recheio. Em Redenção da Serra, em sua grande maioria, os bolinhos têm formato redondo.

"Hoje você come em qualquer dia do ano, qualquer época. O formato já é diferente, ele é muito maior, mas ainda tem o nome de bolinho caipira", disse Savastano.

Tradicional receita do bolinho caipira de Caçapava leva farinha de mandioca e carne bovina. — Foto: Divulgação

Essas variações geram questionamentos das pessoas, se por tantas diferenças, o bolinho ainda pode ter o seu mesmo nome de batismo. Para Patrícia Cruz, este nome está mais ligado à cultura e memória afetiva do que propriamente a uma receita, e reforça que enquanto a tradição for mantida, o prato deve permanecer na tradição por muitos anos.

"Como defensora do patrimônio, como museóloga, se uma pessoa fala para mim que está comendo um bolinho caipira e ele é um bolinho vegano, bolinho de frango, e tem memória afetiva, para mim é bolinho caipira. Ele vai sofrer mudanças, a sociedade assim, ele vai se adaptar, mas ele é nosso patrimônio, ainda é nosso. Quando vamos para São Paulo, não tem. Isso nos torna vale paraibanos. Enquanto a gente investir na memória isso vai continuar existindo. Talvez seja um outro bolinho daqui 100 anos, mas ainda vai ser nossa identidade" concluiu.

Famoso bolinho caipira de São José dos Campos. — Foto: Divulgação/Prefeitura de SJC
10 de 10 Famoso bolinho caipira de São José dos Campos. — Foto: Reprodução/ TV Vanguarda

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